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Regra-matriz de incidência tributária

No documento Imposto sobre a renda e indenizações (páginas 34-38)

A construção da norma jurídica em sentido estrito — como procuramos demonstrar — tem estrutura universal e não se restringe ao direito tributário. Quando, no entanto, focamos este estudo nesse campo do conhecimento do direito, podemos — à luz de Carvalho (2007b) — atribuir à referida norma a denominação de regra-matriz de incidência tributária, locução com que vamos nos referir àquela norma que institui dado tributo. Afirma esse autor:

As normas jurídicas são juízos hipotéticos, em que se enlaça determinada conseqüência à realização condicional de um fato. E, quanto a essa arquitetura lógica interior, nenhuma diferença há entre regras tributárias, comerciais, civis, penais, administrativas, processuais, constitucionais, etc., porque pertence à própria substância formal do juízo normativo. O princípio que estabelece o elo de ligação entre antecedente e conseqüente das normas jurídicas é o dever ser, em contraponto às leis naturais, onde encontramos o princípio da causalidade. O enunciado da proposição normativa, em símbolos lógicos, é este: se A, então deve ser B, ao passo que as regras da natureza se exprimem assim: se A, então B. (CARVALHO,2007b: 258).

A norma jurídica tributária em sentido estrito (regra-matriz de incidência tributária) é formada por uma estrutura lógica que contém hipótese e conseqüente normativos, conectados pelo conjuntor deôntico neutro (o dever-ser interproposicional): se Hipótese, deve-ser Conseqüente. Nessa estrutura, a hipótese ou descritor dessa regra-matriz descreve um acontecimento futuro passível de ser verificado no plano factual — esfera em que se pretende ver reguladas as condutas humanas nas suas relações de intersubjetividade. Para tanto, fornece as notas identificadoras de tal evento.28 O conseqüente ou prescritor normativo prescreve a relação jurídica que se estabelece quando é verificada a hipótese normativa — pressupõe-se sua versão em linguagem competente. Nessa estrutura normativa, observa-se a previsão de

28 Adotamos aqui a distinção de Carvalho (1999: 10) entre fato e evento: “pois bem, para que haja fato jurídico e

a relação entre sujeitos de direito que dele, fato, se irradia, necessária se faz também a existência de uma linguagem: linguagem que relate o evento acontecido no mundo da experiência e a linguagem que relate o vínculo jurídico que se instala entre duas ou mais pessoas. E o corolário de admitirmos esses pressupostos é de suma gravidade, porquanto, se ocorrerem alterações na circunstância social, descritas no antecedente da regra jurídica como ensejadoras de efeitos de direito, mas que por qualquer razão não vierem a encontrar a forma própria de linguagem, não serão considerados fatos jurídicos e, por conseguinte, não propagarão direitos e deveres correlatos”.

formação da relação jurídica tributária, ou seja, da obrigação tributária. No conseqüente normativo, estão as referências para se identificarem os sujeitos e o objeto da obrigação tributária — aqueles se encontram vinculados entre si por uma relação implicacional, em que o dever-ser está modalizado em forma de obrigatório, sendo este o dever-ser intraproposicional.

Ainda à luz das lições de Carvalho (2007b: 260), temos que:

A norma tributária em sentido estrito, reiteramos, é a que define a incidência fiscal. Sua construção é obra do cientista do Direito e se apresenta, de final, com a compostura própria dos juízos hipotético- condicionais. Haverá uma hipótese, suposto ou antecedente, a que se conjuga um mandamento, uma conseqüência ou estatuição. A forma associativa é a cópula deôntica, o dever-ser que caracteriza a imputação jurídico-normativa. Assim, para obter-se o vulto abstrato da regra-matriz é mister isolar as proposições em si, como formas de estrutura sintática; suspender o vector semântico da norma para as situações objetivas (tecidas por fatos e por comportamentos no mundo); ao mesmo tempo em que se desconsidera os atos psicológicos de querer e de pensar a norma. Dentro desse arcabouço, a hipótese trará a previsão de um fato (se alguém industrializar produtos), enquanto a conseqüência prescreverá a relação jurídica (obrigação tributária) que se vai instaurar, onde e quando acontecer o fato cogitado no suposto (aquele alguém deverá pagar à Fazenda Nacional 10% do valor do produto industrializado). A hipótese alude a um fato e a conseqüência prescreve os efeitos jurídicos que o acontecimento irá propagar; razão pela qual se fala em descritor e prescritor, o primeiro para designar o antecedente normativo e o segundo para indicar seu conseqüente.

Antecedente e conseqüente são compostos por determinados critérios — todos vinculados entre si. Três são os critérios componentes da hipótese tributária: o material, o espacial e o temporal, sinteticamente descritos a seguir.

• Critério material — no critério material da regra-padrão de incidência tributária, temos um verbo, pessoal e de predicação incompleta, e seu complemento; não é possível a presença de verbos impessoais (por exemplo, haver) ou aqueles sem sujeitos (a exemplo de chover) nem há como se usarem verbos com sentido completo, auto-explicativos, pois o complemento é obrigatório. O verbo é a roupagem lingüística do comportamento humano que será regulado pelo direito;

se não for pessoal, não há comportamento humano a ser regulado. Este, por sua vez, insere-se em coordenadas de tempo e espaço.

• Critério espacial — todas as regras tributárias, ainda que tacitamente, contêm o critério espacial, ou seja, determinam onde o fato jurídico tributário terá lugar, onde nascerá o laço obrigacional.

• Critério temporal — esse critério nos dá conta de saber quando restará ocorrido o fato jurídico tributário e, por conseqüência, instaurada a relação jurídica tributária.

Por sua vez, dois são os critérios integrantes do conseqüente normativo: o pessoal (composto por sujeito ativo e sujeito passivo) e o quantitativo (composto por base de cálculo e alíquota). Pelo primeiro critério, identificaremos os sujeitos da relação jurídica; pelo segundo, definiremos a dívida tributária. Em resumo, podem ser apresentados assim:

• critério pessoal — 1) sujeito ativo: figura no pólo ativo da relação jurídica tributária e tem o direito subjetivo de exigir o cumprimento de uma prestação; 2) sujeito passivo: ocupando o pólo passivo da relação jurídica, tem dever jurídico de adimplir a exigência do sujeito ativo;

• critério quantitativo — 1) base de cálculo: relacionando-se com a alíquota, à base de cálculo cumpre definir o valor devido a título de tributo e, confrontada com o critério material da regra padrão de incidência, determinar o tipo de tributo, pois revelará sua natureza e a grandeza do fato (tudo isso pode ser confrontado com os ditames constitucionais a fim de perquirir a adequação sistêmica da norma em questão); 2) alíquota: a esta cabe, em conjunto com a base de cálculo, determinar objetivamente o montante devido a título de tributo em virtude da existência da obrigação tributária.

Ht = Cm (v.c) . Ce . Ct Njt DSn DSm

Cst = Cp (Sa.Sp) . Cq (bc.al)

Njt = norma jurídica tributária — regra-matriz de incidência

Ht = hipótese tributária, antecedente, suposto normativo, proposição hipótese ou descritor

= = equivalência

Cm = critério material da hipótese — núcleo da descrição fáctica v = verbo — sempre pessoal e de predicação incompleta

. = conectivo lógico conjuntor c = complemento do verbo

Ce = critério espacial da hipótese — condicionante de lugar Ct = critério temporal da hipótese — condicionante de tempo Cst = conseqüência tributária, conseqüente, proposição conseqüente, prescritor normativo

Cp = critério pessoal do conseqüente, onde estão os sujeitos da relação jurídica obrigacional

Sa = sujeito ativo da obrigação tributária, devedor

Cq = critério quantitativo da obrigação tributária — indicador da fórmula de determinação do objeto da prestação

bc = base de cálculo — grandeza mensuradora de aspectos da materialidade do fato jurídico tributário

al = alíquota — fator que se conjuga à base de cálculo para a determinação do valor da dívida pecuniária

DSn = dever-ser neutro — conectivo deôntico interproposicional; é representado por um vetor significa que, ocorrida a hipótese, deve-ser a conseqüência

DSm = dever-ser modalizado — operador deôntico intraproposicional; é representado por dois vetores sobrepostos, com a mesma direção, porém em sentidos contrários; significa a obrigação do sujeito devedor de cumprir a prestação e, ao mesmo tempo, o direito subjetivo de que é titular o sujeito pretensor . (CARVALHO,2007b:377–78).

Decomposta a regra-matriz de incidência tributária, cuja estrutura lógico-sintática é universal, agora podemos ver como se apresenta no subsistema constitucional tributário e, mais ainda, como opera no âmbito do imposto sobre a renda frente às verbas indenizatórias.

Capítulo 2

IMPOSTO SOBRE A RENDA NO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

No documento Imposto sobre a renda e indenizações (páginas 34-38)