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O DECLÍNIO DA INFORMAÇÃO

O JORNALISMO E OS JORNALISTAS

VII.2. O DECLÍNIO DA INFORMAÇÃO

Quando as rádios locais foram legalizadas em Portugal, “o número de profissio- nais de rádio duplicou de 1988 a 1989 (…) recorde-se que o período de 1987 a 1991 corresponde à fase de legalização das anteriormente denominadas rádios-pira- tas”. (Rebelo, 2011: 69-70). Na década de 90, a rádio representou um importante mercado de trabalho para os jornalistas, mas na passagem do século, o cenário mudou radicalmente nos média em geral e nas rádios locais em particular, onde a “liberalização provocara uma profusão de pequenos postos de trabalho, a tempo parcial, a ordem passou a ser restringir” (Rebelo, 2011:64).

Tal como descrevemos anteriormente, a passagem do período da euforia das rádios piratas para a legalização, tornou claras as dificuldades que as empresas de radiodifusão local teriam de enfrentar num mercado exíguo e de reduzidas potecialidades do ponto de vista do investimento publicitário. Isso conduziu ao encerramento de algumas rádios, à cedência da frequência a outras emissoras e à alteração da tipologia para rádios temáticas musicais, abdicando da componente de informação jornalística. Assim, as rádios que ainda mantêm oferta informa- tiva são as generalistas ou as temáticas informativas. Esta reconfiguração do setor levou, inevitavelmente, à redução do número de jornalistas e de espaços de informação nas rádios locais.

As alterações do ponto de vista legislativo procuraram colocar ordem no setor que começava a dar mostras de se afastar das comunidades e do jornalismo de proximidade. Nesse sentido, a lei 4/2001 cria a obrigação de as rádios terem de emitir três noticiários por dia entre as 7 e as 24 horas da sua área de cobertura numa tentativa de limitar os efeitos das cadeias de radiodifusão que geraram um quadro de afastamento do local.

O quadro legal que se seguiu com a aprovação da lei 54/2010 altera algumas disposições. Assim, é mantida a obrigação de as rádios emitirem três noticiários por dia (art.º 35), prevê que as emissoras criem o seu estatuto editorial e determina que as redações sejam obrigatoriamente coordenadas por jornalistas profissio- nais ou equiparados. Se estas disposições podem ser vistas favoravelmente para a prática do jornalismo nas rádios locais, o mesmo não se poderá dizer do modo como o quadro legal então criado com esta lei vê as rádios temáticas, acabando, praticamente, com as restrições para a alteração de classificação e prevendo ape- nas a obrigatoriedade da emissão de noticiários às rádios generalistas e temáticas informativas. No seu artigo 32 lê-se o seguinte: “Constitui ainda obrigação dos serviços de programas generalistas ou temáticos informativos de âmbito local a difusão de programação, incluindo informativa, com relevância para a audiência

da correspondente área de cobertura, nomeadamente nos planos social, econó- mico, científico e cultural”6.

O cenário então criado em Portugal foi, como descrevemos em capítulos ante- riores, o do aumento dos pedidos de alteração da programação generalista para temática musical e permitindo deste modo aos operadores a redução de custos, nomeadamente abdicando de jornalistas.

Em 2013, segundo dados da Comissão para a Atribuição da Carteira Profissio- nal de Jornalista existiam em Portugal 898 jornalistas a trabalhar na rádio. No entanto, nem todos exerciam funções em rádios locais, sobretudo os que traba- lham nos distritos de Lisboa (362 jornalistas) e no Porto (100 jornalistas) onde se

localizam as redações das rádios nacionais7.

Com três décadas de rádios locais em Portugal, a média de jornalistas nas redações é de apenas 1,57 profissionais sendo que em termos absolutos as redações oscilam em média entre 1 e 4 jornalistas. O perfil do jornalista das rádios locais portuguesas mostra-nos um profissional entre os 30 e os 40 anos de idade, licenciado numa área das ciências da comunicação/jornalismo, aufere o orde- nado mínimo nacional, tem um contrato por tempo indeterminado, considera-se realizado na sua atividade, mas se pudesse mudar algo na sua rádio, introduziria mais reportagem. Enquanto jornalista, admite que é a falta de mais colegas na redação que mais afeta o seu trabalho, ao contrário das condições fisícas da rádio que considera adequadas (Bonixe, 2015).

Assim, o reduzido número de jornalistas por redação é uma das principais preocupaçãoes dos profissionais da informação das rádios locais portuguesas que reconhecem que esse dado não pode deixar de colocar em causa o seu tra- balho, em particular num quadro cada vez mais exigente em que é preciso asse- gurar um número mínimo de noticiários por dia e em que o desafio do online está bem presente.

A falta de profissionais é um forte constrangimento para o trabalho jorna- lístico nas rádios locais e não é uma novidade. Em 2003, o estudo dos noticiá- rios de rádios locais da Península de Setúbal revelou que há uma tendência para a emissão de notícias de âmbito nacional e menos de locais. Isso deve-se à dificuldade em obter informações no território local, não pela falta de assun- tos, mas sobretudo pela falta de profissionais para recolher essa informação.

6 Lei da Ràdio 54/2010, artº 32.

7 Bonixe, L. & Coelho, C. (2013, Julho/Setembro). O Jornalismo e Jornalistas das rádios locais

Como as notícias de âmbito nacional chegam via Lusa, é mais fácil a sua difusão (Bonixe, 2003).

O reduzido número de profisionais nas redações das rádios locais conduz a um jornalismo que tem dificuldades em ser interveniente, escrutinador e inter- ventivo. Os jornalistas das rádios locais veem-se na obrigação de assegurar um dispositivo non-stop, que é o fluxo da emissão radiofónica e, por esse motivo, estão praticamente impedidos pela falta de tempo, de desenvolver trabalho de investigação ou de reportagem fora das redações. O recurso às fontes oficiais, por norma com mais facilidade de acesso aos jornalistas, é frequente o que poderá gerar práticas de dependência das instituições políticas locais. Ao mesmo tempo, não favorece a representação de outros grupos da comunidade que têm mais dificuldade de promoção das suas atividades e, como consequência, também de denúncia.

O Observatório da Comunicação através do estudo realizado sobre as rádios locais também nos fornece dados que nos ajudam a perceber o cenário do jorna- lismo nas rádios locais portuguesas após três décadas de liberalização. Assim, verifica-se que 94,6% das rádios emitem noticiários, que 20,5% emite apenas o que a lei exige (ou seja três noticiários por dia) e que 78,3% emite mais noticiários por dia do que aqueles que a lei obriga. De acordo com o mesmo estudo, a maior parte das rádios locais emite informação local e é produzida pelos jornalistas da própria estação (Obercom, 2018: 121-138).