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PROPRIEDADE E FINANCIAMENTO

AS RÁDIOS PIRATAS PORTUGUESAS

III.3. PROPRIEDADE E FINANCIAMENTO

Muitas rádios locais foram criadas por iniciativa individual, ou por pequenos grupos de pessoas, normalmente ligadas à eletrotecnia, que por possuírem conhecimentos ao nível técnico lhes permitia montar (e retirar) com facilidade as antenas e assim escapar à fiscalização dos Serviços Radioelétricos dos CTT.

Depois de 1985 e particularmente em 1986, apareceram muitas rádios criadas a partir de cooperativas constituídas por pessoas ligadas às mais variadas profis- sões, desde o professor ao padeiro, passando pelo advogado, pelo militar ou pelo

funcionário público32.

Mas, houve também projetos que nasceram no seio de empresas e grupos com forte estrutura, como foram os casos já aqui relatados da Correio da Manhã Rádio criada pelo jornal com o mesmo nome ou a Radiogeste pertencente ao grupo PEI do empresário Joe Berardo. São, no entanto, casos isolados, pois a maior parte foi o resultado de pequenas iniciativas locais.

A novidade entusiasmava tudo e todos e também os profissionais da comuni- cação social, onde se incluem os jornalistas. Há também a considerar as emisso-

30 Barão, F. (1987, 9 de maio) Viagem ao mundo das rádios livres. Revista Expresso.

31 Martins, L.P. (1986, 3 de agosto) Dez vezes mais ouvintes desde o princípio do ano. Primeiro de Janeiro. 32 Barão, F. (1987, 9 de maio) Viagem ao mundo das rádios livres. Revista Expresso.

ras piratas que pertenciam à igreja Católica, à igreja Evangélica, a jornais locais, a clubes de futebol, a associações culturais e desportivas e até a organismos criados no seio das autarquias, como a Rádio Voz de Esmoriz que pertencia à designada Comissão de Melhoramentos da Freguesia.

Quanto ao financiamento, algumas rádios piratas recebiam pequenos inves- timentos que chegavam dos respetivos proprietários ou de instituições locais. Houve também apoios que chegavam de Ligas dos Amigos, nas quais os ouvintes contribuíam, e de pequenas empresas locais ou de maior dimensão, como foi o

caso de algumas rádios no Algarve que receberam apoios da indústria hoteleira33.

A publicidade entrou também nas rádios apesar destas emitirem sem licença. De qualquer forma, o investimento publicitário, especialmente oriundo de empre- sas locais teve algum significado para as rádios piratas. Segundo a imprensa do final da década de 80, a faturação em algumas rádios atingia valores entre os 300 (1500 euros) e os 600 mil escudos (3000 euros) por mês. Um valor que para a época era bastante significativo, ainda para mais porque as despesas eram quase nulas, já que a maior parte vivia de colaboradores não remunerados. A título de exemplo, um spot publicitário no final dos anos 80, custava ao anunciante entre 300 (1,50 euros) a 500 escudos (2,50 euros) por dez segundos. Aliás, parece residir aí o sucesso das receitas publicitárias para a altura: o facto de haver um mercado disponível e ansioso por novidades e o baixo preço da publicidade, acessível à maioria dos pequenos comerciantes, que eram quem fazia publicidade nas emis- soras locais.

III.4. O ASSOCIATIVISMO

Durante o período das rádios piratas foram criados alguns espaços com o obje- tivo de refletir sobre as condições para a aprovação de uma lei que liberalizasse o setor da rádio em Portugal. Ao mesmo tempo, esses espaços serviram para tornar a luta pela legalização das rádios locais mais visível junto da opinião pública e, deste modo, funcionar como fator de pressão junto do poder político.

A primeira iniciativa remonta a 1983 quando em maio desse ano, representan- tes de quatro rádios do Porto (Rádio Caos, Rádio Universo, Rádio Nova e Rádio Escolar) se reuniram e acordaram em realizar o I Encontro Nacional de Rádios Livres, que ocorreria a 18 de junho de 1983, em Vila Nova de Gaia. Aí foi criada uma Comissão Coordenadora Nacional das Rádios Livres, destinada a encabe-

çar a luta pela legalização. Essa Comissão invocava a liberdade de expressão e afirmava que pretendiam colocar em causa “todo um sistema que não permite o acesso às ondas da rádio a outros grupos que não os já privilegiados”. A Comissão

lutava por uma lei que legalizasse as rádios piratas34.

Com um carácter mais permanente, realizaram-se os denominados Encon- tros de Abrantes. Representaram um dos mais importantes palcos para o debate e discussão no período anterior à legalização das rádios locais em Portugal. Foram promovidos por alguns impulsionadores do movimento de onde se destaca Antó- nio Colaço da Rádio Antena Livre que diria o seguinte sobre os Encontros de Abrantes: “Fizeram-se aqui, pelo menos, três encontros à escala nacional de todas as rádios do país. Os encontros de Abrantes ganharam muito protagonismo, não

havia rádio que não passasse por aqui, chegámos a trazer cá deputados”35.

No encontro de 1984, os participantes salientaram a necessidade das rádios piratas serem legalizadas e, nesse sentido, aprovaram uma série de medidas, como a criação de um Conselho de Comunicação Social Concelhia ou Regional para substituir a entidade licenciadora prevista no projeto de lei para o exercício da radiodifusão apresentado por Dinis Alves e Jaime Ramos, em 1983, do qual falaremos adiante. Os participantes aprovaram ainda a necessidade de criar um associação nacional de rádios livres em Portugal. Os Encontros de Abrantes repre- sentaram, pois, uma forma interessante de pressão do poder para a necessidade de legalizar as rádio locais.

Perante a crescente multiplicação de rádios locais por todo o país, com diferen- tes perspetivas, interesses e objetivos sentiu-se a necessidade de criar entidades que de alguma forma aglutinassem essas vozes e as fizessem representar junto dos poderes. De início, as preocupações eram, como se percebe, a legalização das rádios. Foi neste contexto que um grupo de pessoas ligadas ao associativismo resolveu criar um organismo que reunisse as diferentes vontades.

Em maio de 1987 surgiu o Instituto de Rádios Locais (IRL) que reuniu inicial- mente apenas 14 estações de todo o país. Entre os objetivos, contavam-se a defesa do direito à radiodifusão, a representação dos interesses dos associados junto de instâncias nacionais e internacionais e a promoção de estudos sobre questões relativas à radiodifusão.

O Instituto ganhou algum protagonismo na luta pela legalização das rádios o que terá atraído outras emissoras. Assim, em dezembro de 1988, o IRL contava

34 Sousa, C. & Sousa, P. (1983, 29 de dezembro) Reivindicamos uma lei que nos reconheça. Jornal de

Notícias.

já com 68 associados. Foi também nesta altura que o governo impôs um período indeterminado de silenciamento, até que os resultados do concurso público, entretanto iniciado, fossem conhecidos. O Instituto manteve neste caso, um papel de contestação, alegando que o encerramento, mesmo que temporário, poderia conduzir a enormes prejuízos a nível financeiro. Passado o período da luta pela legalização, o IRL virou-se para outras questões mais direcionadas para o apoio aos seus associados, como a promoção de ações de formação, divulga- ção de legislação sobre o setor e a realização do I Congresso Nacional de Rádios Locais, no qual participaram cerca de 140 rádios.

Mais tarde, os responsáveis pelo Instituto das Rádios Locais aprovaram em Assembleia Geral a mudança de nome para Associação Portuguesa de Radiodi- fusão, a designação que ainda hoje utiliza. A mudança de nome teve a ver com a abrangência do organismo, que pretendia agora representar, não apenas as emis- soras locais, mas também as regionais e nacionais. A APR foi também fundadora da Associação Europeia de Radiodifusão.

Já com o setor da radiodifusão local liberalizado, foi criada em 1991, em Fátima a ARIC- Associação de Rádios de Inspiração Cristã. Foram fundadoras trinta e uma rádios de norte a sul do país. De acordo com Queirós, a ARIC começou a pensar “no início do exercício em plena legalidade, algumas rádios começaram a sentir as primeiras dificuldades, tendo solicitado apoio à Rádio Renascença que sugeriu a criação de uma associação” (2011: 35).

Entre os objetivos, a ARIC pretende dinamizar atividades com o propósito de promover a comunhão entre as rádios associadas, nomeadamente no que toca aos princípios cristãos por que se devem reger. Os associados da ARIC preten- dem ainda incentivar a produção e intercâmbio de programas radiofónicos, par- ticularmente os que visem o desenvolvimento regional e a informação religiosa e congregar os profissionais das rádios com o objetivo de experimentar formas melhores de comunicação da mensagem cristã.

A LIBERALIZAÇÃO