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A RÁDIO LOCAL NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

VIII.1. UMA NOVA EQUAÇÃO

Trinta anos após a liberalização do setor da rádio em Portugal, o contexto das rádios locais é muito diferente daquele que se verificava no final da década de 80. Há um percurso rico em acontecimentos que coloca várias questões à radiodifu- são local em Portugal e que determinaram o cenário atual.

Seria inocente pensar-se que os princípios que nortearam o aparecimento das rádios locais em Portugal se manteriam intactos, quando o contexto em que operam é radicalmente diferente daquele em que brotaram. As condições sociais, culturais e políticas do país na segunda década do século XXI são profundamente diferentes daquelas que os pioneiros das radiodifusão local viveram nas décadas de 70 e 80 do último século e isso não pode deixar de gerar um quadro mediático distinto, em particular no setor específico da rádio.

Perceber como as rádios locais portuguesas enfrentaram as primeiras três décadas de existência, nomeadamente na forma como conseguiram gerir a pas- sagem de uma fase onde imperou um certo romantismo e no qual foi visível a preocupação pela preservação dos seus princípios fundadores, para um período

caracterizado por uma lógica de mercado, passa por entender o contexto histó- rico em que operaram.

Em três décadas, o país assistiu a profundas transformações nos campos polí- tico e social e na organização dos meios de comunicação. O aparecimento de tele- visões privadas, de projetos de imprensa com aposta na informação local (casos do Público e do Diário de Notícias que chegaram a ter cadernos específicos para a informação local, para além do Jornal de Notícias que tem uma linha editorial que privilegia o noticiário local) na década de 90 do século passado são elementos a considerar na ecologia dos média no qual as rádios locais co-existem. Mas, é tam- bém importante considerar a aposta cada vez mais clara de grupos de comunica- ção nos média, algo que se revela importante também para as emissoras locais, bem como o advento da Internet que altera as regras e condiciona práticas, mode- los e formas de gestão dos média e perfis profissionais.

O fenómeno das rádios locais em Portugal caracterizou-se por uma «febre» que se traduziu no licenciamento desenfreado de emissoras em zonas do país sem condições de mercado favoráveis a esse cenário. Esperava-se que tal tivesse sido corrigido pelos anos «negros» das rádios locais em que muitas tiveram de encerrar e outras foram vendidas a igrejas, no início da década de 90. Pelo con- trário, isso não aconteceu e o mercado teve caminho aberto para ditar as suas regras. As debilidades económicas e financeiras de muitas empresas de radiodi- fusão local conduziram a encerramentos, mudanças de propriedade ou de desig- nação questionando o localismo de boa parte dos projetos que se viram nessas circunstâncias.

O contexto para o desenvolvimento das empresas de comunicação social local em Portugal não tem sido muito favorável. As razões para uma persistente crise têm sido apontadas e decorrem de fatores culturais, sociais e sobretudo econó- micos, num país com o seu perfil geográfico próprio no qual são evidentes as assimetrias litoral/interior e consequentemente os diferentes níveis de acelera- ção e desenvolvimento económico das regiões. As organizações de comunicação social em Portugal operam num contexto altamente segmentado e como tal não suportam muitas empresas a atuar nesses mercados. As rádios locais são disso um claro exemplo, pois em vários concelhos do país foram inicialmente apro- vados projetos para funcionarem duas ou três emissoras que têm que disputar o mesmo exíguo mercado publicitário. O cenário que daí resultou foi o encer- ramento de algumas, a venda a outras de maior dimensão ou simplesmente a mudança para formatos de programação menos onerosos, os musicais, descu- rando assim a vertente informativa local.

Por outro lado, a iliteracia mediática do fraco investimento na formação e edu- cação, assim como a fragilidade dos média locais e regionais é sintoma de um país cujas empresas jornalísticas regionais estão muito aquém das suas verdadei- ras potencialidades (Carvalho et al., 2010).

A crise da radiodifusão local tem origem, como vimos, logo após a liberaliza- ção do setor e não foi resolvida, apesar das tentativas efetuadas quer no plano legislativo, quer no plano dos incentivos. As raízes para essa crise estão no ter- ritório local, que é, paradoxalmente, de onde seria suposto retirar os dividendos para a sua sobrevivência. Mas, o fraco potencial de investimento publicitário de algumas localidades conduziu à debilidade das frágeis empresas de radiodifusão local. O modelo de liberalização da rádio em Portugal privilegiou interesses locais em vez de olhar para a realidade desse território, gerou um cenário insustentá- vel para muitas empresas que depressa se viram numa situação muito difícil, cedendo à pressão das emissoras de maior dimensão e assim servindo para pouco mais do que pontos de retransmissão de rádios de maior dimensão.

As ideias de localismo, de proximidade, de sentimento de comunidade saíram claramente prejudicadas por este tipo de práticas. Na Grande Lisboa, trinta anos depois da liberalização das rádios locais, não existem rádios verdadeiramente locais em Almada, Amadora, Oeiras, Lisboa, Barreiro, Moita, Montijo, Sintra. É um cenário desolador que coloca a população destes concelhos sem uma fonte importante de informação local.