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O desafio da matéria prima

No documento 2014DouglasOrestesFranzen (páginas 128-132)

Como discutimos anteriormente, a partir da década de 1950, iniciou-se um processo de substituição das raças de suínos produzidos na região que até aquele momento eram de raças produtoras de banha, produto de grande valor comercial para a colônia. No entanto, a partir da década de 1950 mudaram os padrões para a produção de carne, quando o mercado consumidor passou a exigir uma carne menos gordurosa e de aspecto mais saudável. Assim, ocorreu a implantação de raças de suínos mais aceitas pelo mercado, como Duroc-Jersey, Landrace e Largewhite. Além do melhoramento da raça, também foram introduzidas novas técnicas de manejo, fato que se intensificou com a o início das atividades do frigorífico Safrita.

Não nos ateremos à discussão quanto à qualidade dos suínos produzidos na região nem às técnicas de manejo da atividade, visto que já abordamos esses aspectos. No momento, nosso foco de discussão irá se pautar acerca do desafio e do sistema de logística implantado pela Safrita para garantir a matéria prima de forma efetiva e constante para o abate.

A primeira atitude tomada pela direção da empresa foi diferenciar os colonos produtores de suínos pelas raças produzidas. Buscou-se estimular o produtor através de uma maior valorização financeira dos suínos com raça mais apurada para os padrões exigidos pelo mercado, bem como fornecer matrizes aos produtores no intuito de fomentar as raças mais valorizadas pelo mercado. O desafio inicial era inibir a produção de raças de suínos potencialmente produtores de banha.

O frigorífico iniciou suas atividades no ano de 1967 com a capacidade de abate de 200 suínos por dia. No primeiro ano de funcionamento, o frigorífico havia abatido 30 mil suínos e no ano de 1972, o abatedouro abateu 80 mil suínos. Dos suínos abatidos no ano de 1972, 50 mil eram provenientes de produtores do município de Itapiranga, sendo 50% porcos vermelhos da raça Duroc, 10% da raça Landrace e 40% ainda eram porcos do tipo banha. Os

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demais suínos eram trazidos de municípios vizinhos, tanto de Santa Catarina como do Rio Grande do Sul. A média de idade dos suínos no momento do abate era em torno de seis a oito meses, sendo alguns deles já tratados com rações balanceadas.183 A ração balanceada era obtida pelos produtores da fábrica de rações de Itapiranga.

Figura 19: Abate de suínos, ano de 1967. Foto: Dirce Drebel Sehnem

Na imagem acima percebemos a tecnologia em que eram abatidos os suínos no frigorífico nos primeiros anos de funcionamento. Percebemos funcionários realizando o corte da carne com ferramentas, sem a utilização de máquinas, o que limitava consideravelmente a capacidade produtiva do frigorífico. O registro fotográfico mostra a direção da empresa Safrita na companhia do então vice-governador do Estado de Santa Catarina Jorge Bornhausen, que veio conhecer em 1967 as instalações do frigorífico.



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Gráfico 01: Evolução do abate de suínos do frigorífico Safrita. Fonte: Sehnem184

Nos primeiros anos de funcionamento do frigorífico, a direção da empresa teve de realizar um acordo com os comerciantes das linhas do interior do município com o objetivo de que eles buscassem a matéria prima para o abatedouro. Esse sistema funcionou durante muitos anos, mantendo a relação comercial que já existia entre o colono e o comerciante desde os primórdios da colonização. Foi o comerciante que assumiu o sistema de transporte dos suínos da propriedade do colono até o frigorífico. O comerciante era um intermediário, já que geralmente a Safrita não comprava suínos diretamente do produtor.

Foram os comerciantes que assumiram também o sistema de transporte dos produtos industrializados no frigorífico Safrita até os mercados consumidores. Esse sistema de logística fortaleceu o setor dos transportes no município de Itapiranga, vinculado inicialmente aos comerciantes detentores de uma cadeia comercial que começava na propriedade do colono e ia até os longínquos mercados consumidores.

Sobre a função do produtor de suínos e o papel do comerciante na logística de produção da Safrita, temos uma contribuição importante no depoimento abaixo:

Até no início era assim: eles tinham mais vínculo com o comerciante do que com a empresa. Que o comerciante era fornecedor de matéria-prima para a empresa (Safrita). E a empresa em contrapartida, então eles começaram a trazer suínos para o frigorífico, e o frigorífico então cedia um lugar para botar uma câmera fria para levar o produto para São Paulo ou Rio. Uma relação com o comércio, tudo né. Cada comunidade tinha um ou dois

 184 SEHNEM, 1985. Ϭ ϭϬϬϬϬ ϮϬϬϬϬ ϯϬϬϬϬ ϰϬϬϬϬ ϱϬϬϬϬ ϲϬϬϬϬ ϳϬϬϬϬ ϴϬϬϬϬ ϵϬϬϬϬ ϭϬϬϬϬϬ ϭϵϲϳ ϭϵϲϴ ϭϵϲϵ ϭϵϳϬ ϭϵϳϭ ϭϵϳϮ ϭϵϳϯ ϭϵϳϰ ϭϵϳϱ ϭϵϳϲ ϭϵϳϳ ϭϵϳϴ ϭϵϳϵ ϭϵϴϬ

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comerciantes, tinha os Grasel de Cristo Rei, Grasel de São João. Beato Roque, Capela, Chapéu, todo lugar tinha né.185

Percebemos que havia uma dupla responsabilidade por parte do comerciante que detinha o transporte da matéria prima da Safrita. Primeiro, era ele quem comprava os suínos do produtor, transportava até o frigorífico. Depois de industrializada, a carne era transportada por caminhões com o sistema de câmera fria até o mercado consumidor. O comerciante das linhas comerciais detinha uma ampla rede de influência, ganhando dinheiro das mais variadas formas e nos mais variados estágios da cadeia produtiva de suínos.

Figura 20: Caminhões utilizados para o transporte de carne aos mercados consumidores, década de 1970. Foto: Jacó Klagenberg

Nesse sistema logístico, o poder do comerciante se costurava das mais diversas formas na teia social, principalmente nas linhas coloniais do interior do município. Detentor de grande parte da cadeia produtiva da colônia, o comerciante monopolizava o poder econômico e político diante dos colonos, fomentando e multiplicando, o que Burke denominou de apadrinhamento. Conforme o autor,

O apadrinhamento pode ser definido como um sistema político fundamentado em relacionamentos pessoais entre indivíduos desiguais, entre líderes (ou padrinhos) e seus seguidores (ou afilhados). Cada parte tem algo a oferecer à outra. Os afilhados proporcionam apoio político aos padrinhos, bem como deferência, expressa em várias formas simbólicas (gestos de submissão, linguagem respeitosa, presentes, entre outras manifestações). Já



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os padrinhos oferecem hospitalidade, empregos e proteção aos afilhados. É assim que conseguem transformar riqueza em poder.186

Esse sistema funcionou até determinado momento. Como cada comerciante das linhas coloniais estabelecia relações distintas com os produtores rurais, oferecendo preços e condições variadas conforme seus interesses, a Safrita passou a enfrentar dificuldades com o fornecimento de matéria prima. Primeiro, porque não havia um controle do estágio de desenvolvimento dos suínos nas propriedades, o que impossibilitava um planejamento em longo prazo para o fornecimento constante de suínos em condições ideais de abate. Segundo, porque sendo os preços estipulados pelos comerciantes, começou a ocorrer a influência de atravessadores de outros frigoríficos, que ofereciam melhores preços subtraindo a matéria prima da Safrita. Em não poucos momentos, a produção do frigorífico teve de ser paralisada pela falta de matéria prima ocasionando grandes prejuízos. A solução encontrada pela direção da empresa foi implantar o sistema de integração.

No documento 2014DouglasOrestesFranzen (páginas 128-132)