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3. SUPERAÇÃO: PROCESSOS INCESSANTES E PAULATINOS DE LIBERDADE E DE

3.3 O desenvolvimento como liberdade: fomento às capacidades humanas

Amartya Sen foi um filósofo e economista indiano, autor da obra “Desenvolvimento como Liberdade” que foi instigado a investigar a noção de desenvolvimento a partir da constatação de uma realidade social contraditória, na qual o desenvolvimento econômico, o aumento da expectativa de vida, a ampliação dos meios de comunicação coexistiam com um mundo de privações e opressões extraordinárias vividas por parte da população mundial.

A partir da abordagem das capacidades humanas, Sen (2010) desenvolveu a ideia do desenvolvimento como expansão das liberdades reais, vivenciadas pelos seres humanos. O desenvolvimento humano reflete assim um processo de expansão das escolhas dos indivíduos, que produz a melhora de sua qualidade de vida.

Sen (2010) inicia sua argumentação teórica colocando a seguinte questão: a vida humana é um meio para produção de prosperidade e progresso ou a vida humana é a finalidade última,

alcançada por meio da produção de prosperidade? Sen (2010) responde a esse questionamento apostando na afirmação da vida como finalidade última, respaldando-se, dentre outras coisas, no pensamento kantiano, segundo o qual os seres humanos são fins em si mesmos e não os meios para outros fins.

A abordagem do desenvolvimento como liberdade, desenvolvida por Sen (2010) é centrada na pessoa como fim último e em sua capacidade de ter a vida que deseja e valoriza racionalmente. A partir dessa perspectiva, tal abordagem considera os contextos e heterogeneidades que interferem na situação e trajetórias individuais em direção à qualidade de vida, bem-estar e condições de vida desejadas.

Nesse sentido, Sen (2010) propõe um olhar mais ampliado sobre os fenômenos da pobreza e do desemprego. Pondera que não são apenas condições de vida atreladas a baixa capacidade econômica. A pobreza é uma situação de privação de capacidades básicas que pode ter como desdobramentos a desnutrição, morbidades, morte precoce, analfabetismo. O desemprego, além de reduzir a renda dos indivíduos, é uma forma perversa de exclusão social, que pode gerar a diminuição da autoconfiança, da qualificação para o trabalho, da saúde física e mental em muitos casos.

Os contextos de vida são constituídos pelo acesso a instrumentos necessários e indicativos da qualidade de vida das pessoas. Esses contextos podem ser potenciais ou limitantes de sua condição de agente, rumo a sua felicidade. A renda é um dos instrumentos mais valorizados para saciar as necessidades da vida, mas outras variáveis como idade, expectativa de vida, ocupação, moradia, condições ambientais, grau de integração na vida comunitária, participação política, etc, são igualmente importantes na influência que exercem sobre o bem estar dos indivíduos e populações. Nesse sentido, a renda, considerada isoladamente, não é suficiente para dizer da condição de bem-estar das pessoas (SEN, 2010). É importante compreender como a renda pessoal pode ser afetada por outras variáveis como a educação, a cultura, os padrões de relações ambientais, o estado de saúde, os padrões de relação de gênero, raça/etnia, dentre outros. Nesse sentido, Amartya Sen questiona a validade do Produto Interno Bruto – PIB como indicativo exclusivo do desenvolvimento humano de um país.

Pinheiro (2012) argumenta que a partir das contribuições de Sen e de outros teóricos que não separam ética de economia, o termo “desenvolvimento” não pode mais se restringir ao caráter

econômico e de produtividade. Outras noções foram incorporadas ao conceito desde 1970, justificando as novas expressões “desenvolvimento humano” e “desenvolvimento sustentável”. Nesta perspectiva, o grau de desenvolvimento de uma nação é maior quanto mais se expande o horizonte de liberdade dos seus cidadãos, lhes possibilitando capacidades crescentes de ser e fazer aquilo que valorizam. Segundo Pinheiro (2012), a experiência internacional, principalmente de países do leste e sudeste Asiático, aponta fortes indícios de que a qualidade e expectativa de vida dos povos são mais afetadas por políticas sociais, como saúde e educação, do que pelo puro crescimento econômico da nação.

Em sua leitura da teoria de Amarya Sen, Pinheiro (2012) explica que o “desenvolvimento” tem a ver com o aprimoramento da capacidade do ser humano de alcançar o seu bem, sua felicidade, seu fim último. Nesse sentido, a lógica de desenvolvimento como a busca desse fim último se aproxima muito da perspectiva ética da felicidade aristotélica. Pinheiro explica que em Aristóteles o propósito da Ética é o Bem e que para o ser humano o Bem é a felicidade. Esse bem a ser atingido depende da liberdade entendida como potência, autodeterminação e autonomia do agente.

Deste modo Sen (2010) reconhece a liberdade como uma condição essencial na vida de um

agente. Importante esclarecer que a pessoa/indivíduo é concebida pelo autor como agente,

como pessoa ativa que exerce em sua vida um conjunto de atividades e modos de ser, denominados na construção teórica de Sen como efetivações e funcionamentos.

Desde efetivações elementares como evitar a morbidade ou a mortalidade precoce, alimentar-se adequadamente, realizar os movimentos usuais, etc, até muitas efetivações complexas tais como desenvolver o auto-respeito, tomar parte da vida da comunidade e apresentar-se em público sem se envergonhar (SEN, 2010, p.3)

Nesse sentido, o desenvolvimento como liberdade tem relação com a ampliação das possibilidades de ser e de fazer do individuo que não se resumem a capacidades concretas, engloba dimensões intangíveis como auto-respeito, autoestima e dignidade (BRONZO, 2010).

Na perspectiva teórica desenvolvida por Sen (2010), a distinção entre os meios e os fins do desenvolvimento nos leva a diferenciação conceitual entre as liberdades substantivas e as liberdades instrumentais. Liberdades substantivas são as que melhoram as nossas vidas e que queremos atingir como fins. Liberdades instrumentais são os meios para alcançar tais fins.

Assim, para alcançar a liberdade substantiva de ter boa saúde preciso recorrer a liberdades instrumentais de boa alimentação, prática de exercícios, quantidade adequada de sono, etc.

Em Desenvolvimento como liberdade, Sen explicita cinco tipo de liberdades instrumentais necessárias para que as pessoas aumentem sua liberdade substantiva total:

1) As liberdades políticas referem-se às escolhas das pessoas na arena política: escolher quem vai governar, sob quais regras etc.; isso inclui também a liberdade de crítica às autoridades e a expressão política, e outras.

2) As disponibilidades econômicas referem-se ao poder de os indivíduos usarem os recursos econômicos, tais como os bens e serviços, as possibilidades de fazer transações, o acesso à renda e ao crédito etc. Incluem as oportunidades tidas pelos indivíduos para fins de consumo, produção e troca.

3) As oportunidades sociais referem-se aos arranjos sociais para o provimento de educação, saúde e outros serviços sociais capacitantes.

4) As garantias de transparência dizem respeito à confiança mútua entre os indivíduos, em suas interações sociais, confiança que é fundamental para o sucesso dessas interações. As garantias de transparência incluem o direito à informação em todos os níveis, principalmente nas esferas públicas.

5) A proteção social inclui arranjos sociais destinados a proteger as parcelas mais vulneráveis da população: assistência e previdência social, seguro-desemprego, abertura de frentes de trabalho emergenciais etc. (SEN, 2010, p.38-40)

A agência das pessoas, conforme já dito, diz de sua capacidade e liberdade de agir em busca de seu bem. Todavia, a condição de agente pode ser limitada por fatores externos, como a pobreza, a exclusão social, a negação de direitos civis, a intolerância. Por isso, na perspectiva de Sen (2010), uma parte das políticas de desenvolvimento deve focar em combater esses fatores de privação das liberdades individuais. Assim, nas palavras do autor “o desenvolvimento consiste na eliminação das privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente (SEN, 2010, p.10).

A perspectiva das capacidades humanas foca na potência e na liberdade substantiva dos seres humanos para viverem a vida que valorizam e que têm razão para valorizar e aumentaram as possibilidades de escolhas reais. Nesse sentido Sen (2010) elucida os conceitos de capacidades e oportunidades. As capacidades são as várias combinações de efetivações/funcionamentos (atividades e modos de ser), diz da liberdade pessoal de escolha entre vários modos de viver. As oportunidades são o leque de alternativas e opções presentes nas possibilidades de escolha e de liberdade, não são apenas meios e instrumentos, têm importância intrínseca na vida de uma pessoa.

Outro conceito trabalhado pelo autor é o “processo”, que diz respeito aos contextos, instituições, circunstâncias que permitem que o indivíduo possa escolher. Para Sen, o poder escolher é algo bom para o agente, por isso, quanto mais alternativas de escolha ao seu alcance, melhor. Assim, pode-se dizer que a noção de liberdade de Sen (2010) se apóia nos conceitos de capacidade-funcionamento e oportunidade-processo.

Sen (2010) enfatiza a importância das implicações das políticas públicas de bem estar social e serviços sociais capacitantes na estrutura de incentivo das pessoas, ou seja, o efeito da política sobre a condição de agente. É importante em sua visão, que as políticas de fomento às capacidades das pessoas não se restrinjam a pura e simples transferência de renda; é preciso, que tais políticas se concentrem em ofertar serviços sociais capacitantes, que possibilitem a melhora dos funcionamentos pessoais.

A construção teórica de Amartya Sen parte de uma premissa central que ele encontra em Adam Smith, que é a impossibilidade de não tratar de ética na economia. Nesse sentido ele elabora uma concepção particular de desenvolvimento que implica também numa noção mais modesta de justiça social, na qual propõe uma abordagem mais direta e pragmática dos problemas sociais. Como bem analisa Cougo (2016), Sen não tem a pretensão de alcançar com sua contribuição teórica uma justiça ideal, ele valoriza a tarefa de transformar o mundo num lugar menos injusto em detrimento de uma busca utópica e sem ressonância na realidade de uma justiça completa e perfeita. Para Cougo essa é a contribuição mais simbólica do trabalho de Sen: “a busca não de uma justiça completa, mas a eliminação mais modesta de injustiças claramente remediáveis” (COUGO, 2016, p.156).

É importante esclarecer que a liberdade individual é entendida paradoxalmente por Sen (2010) como o motor do comprometimento social, perspectiva norteadora do processo de desenvolvimento. A liberdade, para sua manutenção, convoca os sujeitos a serem agentes ativos de mudança e não passivos beneficiários. A liberdade individual, na visão de Sen, existe enquanto um produto social, ancorada nas crenças e valores socialmente compartilhados na cultura, linguagem, arranjos e instituições, sendo, portanto um entendimento social que se apóia na esfera pública do discurso coletivo (âmbito simbólico, da linguagem). Deste modo, as liberdades individuais têm a ver com a perspectiva da convivência social e da autonomia e por isso mesmo não é uma liberdade irrestrita, é uma liberdade responsável. Sen (2010) enfatiza a importância da democracia, participação e

pressão popular sobre as decisões de governo, para que a estrutura de oportunidades seja ampliada possibilitando maior qualidade de vida das populações. A democracia é em sua opinião rica fonte de oportunidades, onde as liberdades individuais têm maior terreno para se concretizar.

Entendendo a liberdade como a agência dos indivíduos na busca por seu bem estar e felicidade, Sen compreende a ampliação das liberdades dos sujeitos, por meio do enfrentamento das condições sociais que as limitam, como o principal fim e o principal meio de alcançar o desenvolvimento humano e social.