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1.1. Sistema Setorial de Inovação e a heterogeneidade da estrutura econômica

1.1.1. O desenvolvimento setorial e o processo de inovação

Compreender o processo de inovação requer compreender como as ideias, as habilidades e o conhecimento são transferidos, difundidos e adquiridos. A concretização de uma nova ideia requer a priori o processo de aprendizagem e, isso é estimulado pela pesquisa científica ou pela experiência daqueles que cotidianamente colocam o conhecimento em prática. Portanto, a identificação das características do processo de aprendizagem é a chave para entender como os setores mudam e reposicionam as suas firmas. Assim, parte desta pesquisa destina-se a identificar quais são as ações desempenhadas pelos principais atores do SSI da cana-de-açúcar na busca da efetivação da produção do etanol celulósico no Brasil (vide os capítulos 4 e 5).

Com isso, deve-se ter claro que o conhecimento não é automaticamente transferido e utilizado. Sua utilização na produção exige esforços na articulação das diferentes capacidades, dadas por processos anteriores (já acumuladas) ou por meio da absorção de conhecimento externo (fora do setor ou fora do país) (COHEN & LEVINTHAL, 1990).

No atual estágio de desenvolvimento do sistema capitalista, o conhecimento é ao mesmo tempo localizado e globalizado, assim, os avanços no conhecimento geram impactos nos países em desenvolvimento (IIZUKA, 2013). Desta forma, a infraestrutura para inovação

37 20 empresas ligadas ao setor apareceram em 2014 na “lista suja do trabalho escravo”, cadastro feito pelo

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), contando com todos os empregadores que tenham submetido funcionários a condições análogas a escravidão (NOVACANA, 04/02/2014).

deve ser desenhada para melhorar o acesso ao conhecimento e estimular o processo de aprendizagem.

Os esforços locais devem buscar a criação de estruturas de ensino e pesquisa, a criação de canais de comunicação com a comunidade internacional e a implementação de instituições que ampliem e consolidem o conhecimento no interior das firmas e de outras organizações, tais como: consórcios de P&D, fomento a inovação; aquisição de tecnologia; treinamentos. Os esforços do SSI da cana-de-açúcar nessa direção são discutidos e analisados nos capítulos 3 e 5.

O emaranhado destas ações na realidade concreta é analisado e interpretado por meio do conceito de modos de inovação, indicados por Lundvall (2007, 2009) e Jense et al. (2007), os quais nesta pesquisa são complementados pelo conceito de padrões de inovação trabalhados por Malerba & Orsenigo (1996) e Malerba (2002; 2003). Os modos de inovação compreendem processos distintos de aprendizagem, os quais podem ser agrupados pelas categorias de STI-mode (Science-Technology-Innovation) e de DUI-mode (Doing-Using-

Interacting). Estas categorias analíticas possibilitam aproximar-se da realidade inovativa dos

setores econômicos, principalmente, dos países periféricos, uma vez que, estes modelos de inovação aparecem de maneira incompleta e desarticulada nessas realidades.

Assim, a busca pelo desenvolvimento econômico, social e tecnológico passa pela efetivação destes modos de inovação. Portanto, a compreensão do processo de inovação do setor sucroalcooleiro - na passagem da produção de etanol de primeira geração para o etanol de segunda geração - é construída pela efetivação destes dois modos de inovação.

Esta pesquisa não só constrói a narrativa a partir destes conceitos, bem como, demonstra que estes modos se desenvolvem no interior do SSI da cana-de-açúcar, como elementos reais, os quais conduzem a transformação do setor e ampliam seu escopo, realizando uma aproximação da agroindústria sucroalcooleira com a biorrefinaria e a bioeconomia. Tal aproximação ocorre à medida que direciona os seus esforços para a exploração da celulose, por meio do desenvolvimento de processo de aprendizagem ligados à ciência e à tecnologias disruptivas (capítulos 3, 4 e 5).

Com isso, definem-se os modos de inovação como regimes de aprendizagem do setor, caracterizados por um conjunto de atividades que se aglutinam em torno do processo de aprendizado. A base do STI-mode, o qual por definição está em sintonia estreita com definição de Sistema de Inovação, centra-se na inovação promovida pelos esforços em P&D.

Este modo de inovação sugere que tal processo é dado pela experimentação tipicamente em laboratórios, a formalização e a codificação do conhecimento identificado (JENSEN et al., 2007; LUNDVALL et al., 2009).

O modo de inovação DUI-mode, dado especificamente pelo conhecimento tácito e localizado, refere-se ao aprendizado proveniente dos trabalhadores, quando estes enfrentam mudanças no curso da efetivação da sua função (produção, comercialização), sobretudo, vindo das interações externas. Foca assim no aprendizado interativo por meio das estruturas e das relações (JENSEN et al., 2007; LUNDVALL et al., 2009).

A intensidade da utilização dos modos de inovação ocorre segundo a natureza dos setores, do contexto e das estratégias das firmas e/ou dos países. O ponto fulcral está na capacidade de conciliar e combinar os dois modos de inovação. Jensen et al. (2007) demonstra que as firmas que se utilizam concomitantemente destes modos são mais inovadoras e apresentam melhor desempenho econômico, superando as empresas que realizam maiores gastos em P&D38.

O quadro 1.1. sintetiza e define a interconexão entre os modos de inovação e os padrões de inovação (Schumpeter Mark I e Schumpeter Mark II)39. Os padrões de inovação se referem à estrutura setorial e suas mudanças. Os modos de inovação relacionam-se com a dinâmica e com o desempenho dos atores que compõem o Sistema Setorial de Inovação, assim, o modo de inovação é dado pela estratégia de produção e comercialização dos bens e serviços, tanto quanto pelo tipo e a intensidade das interações e dos feedbacks estabelecidos na atividade inovativa entre as firmas e entre os atores não-firmas.

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Jensen et al. (2007) trabalha com a realidade dinamarquesa, que se diferencia grandemente da brasileira, entretanto, o modelo analítico e conceitual pode ser utilizado, objetivando a aproximação do objeto de estudo, uma vez que, a trajetória de desenvolvimento do setor sucroalcooleiro é baseada em tecnologia de domino público e em inovações incrementais. A ruptura tecnológica proposta pelo etanol celulósico pressupõe não apenas aproveitar as competências acumuladas, como também, aprender em nova base de conhecimento, sobretudo, com novas fontes de informação e novas áreas do conhecimento.

39 Estes conceitos derivam da interpretação schumpeteriana da relação entre o crescimento econômico e o

progresso técnico, pautando sobretudo na natureza da inovação introduzida em cada padrão (Mark I inovações radicais e Mark II inovações incrementais) (SCHUMPETER, 1982; MALERBA, 2002).

Quadro 1.1. Modos de inovação e padrões de inovação.

Schumpeter Mark I Schumpeter Mark II

STI-mode

- Destruição criativa; - Inovações radicais; - Novos entrantes;

- Papel importante das novas firmas inovadoras, - O regime tecnológico é caracterizado por: a) alta oportunidade; b) baixa apropriabilidade; c) baixa cumulatividade.

- Pesquisa realizada na fronteira do conhecimento e/ou “fora” da rota tecnológica dominante; -predomínio do conhecimento codificado;

- Cumulatividade criativa;

- Inovações incrementais com adições técnicas e/ou funcionais (inovações intermediarias);

- Prevalência das firmas já estabelecidas; - Fortes barreiras à entrada;

- Presença de poucas grandes firmas; - O regime tecnológico é caracterizado por: a) alta apropriabilidade; b) alta cumulatividade; - Uma evolução para o design dominante; - Forte controle dos ativos complementares;

- Relações constantes com o sistema de fomento a P&D;

- A busca de estratégias equilibradas entre exploitation e exploration;

- A busca pelo controle do conhecimento tácito e codificado (retroalimentação);

-Combinação do conhecimento local e global;

DUI-mode

-

- Cumulatividade criativa; - Inovações incrementais;

- Prevalência das firmas já estabelecidas; - Fortes barreiras à entrada;

- Presença de poucas grandes firmas; - O regime tecnológico é caracterizado por: a) alta apropriabilidade; b) alta cumulatividade; - Sistema de proteção intelectual fraco ou desnecessário;

- Forte controle dos ativos complementares;

-Forte tendência ao lock-in tecnológico e organizacional;

- Predomínio do conhecimento tácito; - Conhecimento local;

Fonte: Elaboração própria.

Na intersecção entre STI-mode e Schumpeter Mark I tem-se uma realidade produtiva instável, onde o padrão tecnológico ainda não foi estabelecido, situação característica de períodos pré-paradigmáticos. Este momento é marcado pela introdução de inovações radicais, assim, oferece janelas de oportunidades e, consequentemente, a entrada nas novas rotas tecnológicas é “facilitada”, tanto para os velhos como para os novos atores.

Neste contexto se recria ou se substitui o padrão ora estabelecido, criando novos negócios ou novos setores, portanto, representa uma mudança drástica, na qual novas competências são requeridas para inovar, o que torna o domínio do conhecimento de fronteira um preditivo óbvio, já que o desenvolvimento dos novos produtos ou processo – desde a segunda revolução industrial – passam necessariamente pela intensificação do uso da ciência como uma força produtiva (BRAVERMAN, 1974; HOBSBAWN, 1995; CASTELL, 1999; STOKES, 2005; FREEMAN & SOETE, 2008).

No ponto de contato entre STI-mode e Schumpeter Mark II tem-se um momento de relativa estabilidade, no qual as firmas já pertencentes ao setor promovem o desenvolvimento da rota tecnológica por meio de inovações incrementais, consolidando o standard do setor. Não é um período de pouca inovação ou de baixo uso da ciência e da tecnologia, pelo contrário, as diversas dimensões do processo de aprendizagem são colocadas em funcionamento pelos atores estabelecidos, mecanismos de aprendizado provenientes dos dois modos de inovação são utilizados.

Na Intersecção entre DUI-mode e Schumpeter Mark II prevalece a estabilidade, a partir da introdução apenas de inovações incrementais com pouca diferenciação em relação à tecnologia anterior, tanto no que se refere ao design ou a natureza do artefato ou do processo. Existe o predomínio das grandes firmas, o setor tende a ser fortemente concentrado, assim, apresenta fortes barreiras à entrada. O controle dos ativos complementares não só são estratégicos para a manutenção da posição no mercado (TEECE, 1986), como são a principal estratégia econômica das firmas líderes, assim, a concorrência pelo domínio do conhecimento de fronteira é pouco relevante.

O duplo par de conceitos definidos no quadro 1.1. indica os elementos e as características centrais que um SSI deve reunir para desempenhar a sua mudança estrutural ou de conteúdo, sempre dependendo do estágio de partida40. A alteração dos seus limites setoriais, a sua base tecnológica e a sua demanda alteram-se segundo a presença e o desenvolvimento destes elementos, assim, o processo de inovação olhado a partir dessa perspectiva possibilita identificar os micro fundamentos que compõem o processo de aprendizagem - Know-what, Know-why, Know-how e Know-who -, estes desempenhados pelos atores ao longo do tempo, fazem evoluir a indústria ou transformam-na radicalmente (LUNDVALL, 2007; LUNDVALL, 2009).

Ao trabalhar com as características particulares do desenvolvimento do SSI da cana- de-açúcar à luz destes conceitos, tem-se uma compreensão do processo de evolução da economia setorial e do desenvolvimento da rota tecnológica do etanol celulósico, pois a assimilação destes elementos na realidade proporciona um retrato da dinâmica do progresso técnico do setor sucroalcooleiro brasileiro.

40 De um regime tecnológico de alta oportunidade, baixa apropriabilidade e baixa cumulatividade para um

regime tecnológico de alta apropriabilidade e alta cumulatividade ou vice-versa. Situação pode-se inverter ao longo do tempo.

Ademais, este exercício se relaciona com os aspectos gerais, ou seja, o progresso técnico de setores baseados em recursos naturais com baixa emissão de carbono, circunscrito em países periféricos, característica que apresenta rebatimentos tanto na interpretação setorial como na construção contínua da abordagem teórica de SSI (LUNDVALL et al., 2009).

Vale destacar que o trabalho de Jensen et al. (2007), bem como os casos apresentados no livro “Handbook of Innovation Systems and Developing Countries” comprovam a importância do DUI-mode para o desenvolvimento econômico, chamando atenção para a realidade dos países nórdicos e de alguns países periféricos que lograram desempenho internacional por intermédio deste modelo, assim, suplantando a noção de exclusivismo das inovações baseadas em ciência. No caso do SSI da cana-de-açúcar este aspecto é amplamente considerado por Furtado et al. (2011;2014) e Varricho (2012) ao analisar a trajetória de desenvolvimento do setor no etanol de primeira geração.

O diferencial desta pesquisa é justamente se apropriar desta interpretação observando o caminho inverso, acrescentando um novo olhar a esta dinâmica. Busca-se compreender a mudança setorial e a inovação em curso, o setor baseado no DUI-mode que realiza esforços sistemáticos na última década para emular o STI-mode, visando entre outros avanços à rota tecnológica do etanol celulósico, assim, amplia as fronteiras do sistema e introduz novos conhecimentos a base tradicional. Compreender esse caminho é importante, pois ele não é fluído e apresenta contradições e limitações, que impõem desafios novos ao segmento41.

A articulação do DUI-mode e STI-mode no interior do SSI da cana-de-açúcar contribui para a promoção do Sistema de Inovação, e as ações do Estado brasileiro pró-cana/etanol confirmam este fato, que segundo Lundvall (2007) e Andersen (2011) consiste em um elemento característico de Sistemas de Inovações em países periféricos, os quais necessitam de estímulos e ações complementares para suprir o fraco desenvolvimento espontâneo. Este olhar, por sua vez, remete à tradição inaugurada por List (1841) e delimitada por Freeman (1982), a ação ativa das políticas públicas visando à proteção e/ou desenvolvimento futuro da indústria nacional.

Aproximação do SSI da cana-de-açúcar com estes elementos conceituais são realizadas ao longo da tese, em que se pretende evidenciar a passagem de um modo de inovação calcado no fluxo DUI para uma “organização” da atividade inovativa mais próxima

41 A identificação e a compreensão destes novos desafios é um dos resultados dessa pesquisa, que complementa

de STI-mode. A passagem do etanol de primeira geração para o de segunda geração força esse deslocamento, sendo um vetor para a reestruturação do processo de inovação setorial42.

A passagem para o etanol de segunda geração é um caminho na direção do STI-mode, esforço este que contribui com a ampliação dos processos de densificação e diversificação43, necessidades inerentes das trajetórias de desenvolvimento de setores baseados em recurso naturais (ERICSSON et al., 2004; HELLSMARK & JACOBSSON, 2012; VARRICHO, 2012; FURTADO, 2013; ANDERSEN et al., 2015). Os dados organizados e analisados nos próximos capítulos evidenciam esta dinâmica, que sozinha não proporciona o catching up do país, mas pode contribuir decisivamente para o desenvolvimento regional, para a sustentabilidade da matriz energética, para o equilíbrio da balança comercial e proporcionar ao Brasil a oportunidade de desenvolvimento de novos setores ligados à bioeconomia.

Considera-se que o conhecimento é o recurso mais importante da economia moderna. Assim, o processo mais relevante para o crescimento econômico e para a mudança técnica é o processo de aprendizagem, a maneira pela qual as pessoas e as organizações aprendem a fazer algo, este processo é social, localizado e ativo, exigindo esforços dos envolvidos. Este processo consiste na interação e na troca consciente de conhecimentos e de capacidades entre indivíduos e organizações (LUNDVALL, 1992; NELSON, 1993; NELSON, 2005; LUNDVALL, 2007). Para tal, compreende-se que a inovação reflete o processo de aprendizado tanto quanto dele deriva (aprendizagem/inovação e inovação/aprendizagem).

Os modos de inovação (DUI x STI) caracterizam o processo de aprendizagem do setor, portanto, a estrutura das relações com as fontes de informações, conhecimento, tecnologias, práticas, recursos humanos e financeiros são partes integrantes da conjuntura setorial, e por isso, figuram como foco da análise desta pesquisa, tanto quanto a própria inovação em curso no setor, o etanol celulósico. Porque a “maneira de fazer” é tão relevante quanto o que se faz para compreender as transformações setoriais, porque é na produção que reside às relações sociais que desempenham a condução da realidade social e econômica.

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Os elementos mobilizados para identificação da passagem do exclusivismo DUI-mode para uma formação intermediaria de STI-mode no SSI da cana-de-açúcar estão sumarizados na conclusão deste capítulo e são trabalhados ao longo da tese, com mais detalhes no capítulo 5. .

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A densificação e a diversificação do SSI requer ampliar as capacidades internas de inovação, transformando a exploração tradicional dos recursos naturais em cadeias produtivas mais complexas e integradas à base de conhecimento científico e tecnológico produzida internacionalmente, visando explorar a economia de escopo, ou seja, com a mesma matéria-prima produzir uma ampla variedade de produtos e serviços. Tal dinâmica é espelhada nas experiências de países como Noruega, Finlândia e Suécia (VARRICHO, 2012; FURTADO, 2014; ANDERSEN et al, 2015).

O SSI da cana-de-açúcar mesmo apresentando baixa atividade inovativa historicamente (VARRICHO, 2012; BIN et al., 2015; SALES-FILHO; 2016), mostra-se como um caso nacional relevante de desenvolvimento regional e técnico, pois demonstra competência acumulada, criação de infraestrutura produtiva e de pesquisa ao longo de mais de cem anos, construindo uma trajetória de aprendizado ascendente, baseadas fortemente no

DUI-mode (FURTADO et al, 2011; ANDERSEN, 2011). Situação que se tornam mais

complexas com as tentativas de densificação e diversificação cunhadas ao longo da década de 2000, vislumbrando desenvolver novas tecnologias para a exploração da biomassa.

Por conseguinte, sua análise contribui com a compreensão de problemas relacionados à inovação e ao desenvolvimento industrial no nível do país, não se limitando apenas ao enfoque da cana-de-açúcar. A dinâmica identificada neste setor pode em grande medida ser estendida para outros segmentos, pelo menos como modelo explicativo, já que apresenta contradições representativas da dinâmica e da formação territorial brasileira (CASTILLO, 2013). Como, por exemplo, a baixa capacidade de coordenação dos agentes e a ausência de instituições de pesquisa especializadas, situação que recebeu forte atenção no período por parte do Governo Federal e do Estado de São Paulo, assim, tal problemática no setor sucroenergético conta com uma nova dinâmica, a qual pode ser comparada com segmentos que não receberam a mesma atenção44.