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Capítulo III: O Protagonismo Internacional do WikiLeaks

3.3. O Despertar Político Global

Numa tentativa para compreender o WikiLeaks e os seus potenciais efeitos, deve-se colocar o WikiLeaks dentro de um contexto geopolítico. O mundo edificou-se num sistema complexo de interações sociais, mas também políticas e económicas. As elites que sempre foram as representantes e detentoras do poder, não são, contudo, entidades abstratas e omnipresentes, sendo também elas passíveis de errar. No entanto, são estas mesmas entidades que têm em seu poder o domínio para a elaboração de um conjunto de planos que pretendem que sejam seguidos por todos, numa clara expressão da mão que governa e escreve o controlo da sociedade. Contudo, existe também o espaço para que a sociedade reaja e interaja com as forças de elite, naquilo que se conceptualiza na dicotomia da realidade geopolítica do mundo, como ‘o despertar político global e a nova ordem mundial’.

Neste novo espírito de consciência e ação global, a humanidade está a experienciar e a vivenciar um momento histórico impar.319 A humanidade consciencializou-se e capacitou-se de que

pode desempenhar um papel de relevo nos tempos presentes, pode ter uma voz ativa contra as estruturas de poder instituídas. A marca indelével que caracteriza este momento histórico é “o

317 Ibidem

318 Ibidem

319 MARSHALL, Andrew Gavin. 2010. “The Global Political Awakening and the New World Order: The Technological Revolution and the Future of

Freedom, Part 1” in Global Research (Disponível em: http://www.globalresearch.ca/the-global-political-awakening-and-the-new-world-order/19873 [Acedido a 11fevereiro 2015])

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despertar político global”320. Este termo foi cunhado por Brzezinski, e refere-se ao facto que, pela

primeira vez na história, quase toda a humanidade é politicamente ativa, politicamente consciente e politicamente interativa321. O ativismo global torna-se assim no ponto de partida para a tentativa

de homogeneizar distribuições de riqueza e de ter um papel fundamental na senda do respeito pelos povos à sua cultura e identidade322. Este assombroso “despertar político global”323, de acordo

com Brzezinski, fez tremer e abalar a fé dos poderosos nos seus sistemas neoliberais desenfreados e injustos, colocando novos desafios e reiterando a ideia que a globalização, ainda que servindo os interesses das elites, acaba também por ser uma fonte de oportunidades para o despertar de populações de todo o mundo, permitindo desta forma a globalização das ações324.

Quanto aos EUA, afirme-se nesta linha de argumentação, que eles precisam de aceitar e compreender que a humanidade começa a reclamar o seu espaço nas políticas, não só dos seus países, mas pretendem também criar concertações internacionais na defesa de causas e no estabelecimento de ações conjuntas325. Face às populações que se movem de mãos dadas

aquando do despertar político, os EUA estão confrontados com uma nova imagem da realidade, em que o terrorismo transnacional poderá não ser um dos seus maiores desafios326, mas sim o

fenómeno do despertar político global que, tem feito nações caírem devido à projeção extraordinária das suas ações e reivindicações327.

Para Mashall, esta é a verdadeira expressão da existência de uma nova realidade que hoje se vive um pouco por todo o mundo, uma humanidade cada vez mais informada, cada vez mais politicamente consciente e, por consequência, cada vez mais reivindicativa a atenta aos abusos de poder328. Anseiam e clamam por dignidade política (que englobaa autodeterminação étnica ou

nacional, autodefinição religiosa, direitos sociais e humanos, num mundo agora extremamente consciente das desigualdades económicas, raciais e étnicas), algo subjacente ao próprio exercício da democracia.329 Mas os Estados, na sua génese, movem-se pelo alcance dos seus próprios

320 BRZEZINSKI, Zbigniew. 2008. “The global political awakening” in The New York Times [online] (Disponível em:

http://www.nytimes.com/2008/12/16/opinion/16iht-YEbrzezinski.1.18730411.html?_r=0 [Acedido em 22fevereiro 2015])

321 Ibidem 322 Ibidem 323 Ibidem 324 Ibidem

325 MARSHALL, Andrew Gavin. 2010. “The Global Political Awakening and the New World Order

The Technological Revolution and the Future of Freedom, Part 1” in Global Research (Disponível em: http://www.globalresearch.ca/the-global- political-awakening-and-the-new-world-order/19873 [Acedido a 11fevereiro 2015])

326 Ibidem 327 Ibidem 328 Ibidem

329MARSHALL, Andrew Gavin. 2010. “WikiLeaks and the Worldwide Information War Power, Propaganda, and the Global Political Awakening” in

Global Research. P.5 (Disponível em: http://andrewgavinmarshall.com/2011/07/15/WikiLeaks-and-the-worldwide-information-war/ [Acedido 11fevereiro 2015])

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interesses. Assim sendo, tentam conter as ‘invasões’ desferidas pelo “despertar político global”330

ou, em alguns casos, tentam incorporar o potencial gerado pelo mesmo, com o intuito de poderem obter vantagens.

O fenómeno WikiLeaks, dentro das lógicas do “despertar político global”331, conseguiu

causar ruturas dentro de determinados quadrantes e aspetos do sistema político global.

“Um pequeno movimento conseguiu infligir um duro golpe informacional na ainda maior superpotência do mundo, os EUA, demonstrando toda a potência presente nos novos contrapoderes numa rede global, e a sua capacidade de permitir uma resistência real e efetiva contra o sistema mundial, naquilo que poderá ser visto como o início de uma nova época conflitual, que, à semelhança da Guerra Fria, será expressa através da bipolaridade Estado-Rede”332.

Desta forma, o exercício do WikiLeaks figura como um exemplo paradigmático excecional para aferir o poder que as redes organizadas detêm para enfraquecer e até quebrar, os arranjos hierárquicos que caracterizam o poder estatal e capitalista333.

O WikiLeaks, através das suas revelações acerca das políticas externas dos países e das estruturas de poder globais, consegue despertar o espírito crítico das populações que, agora mais do que alguma vez antes, estão dispostas a ouvir, a aprender e a investigar por si próprias. O WikiLeaks, na conceção de muitas pessoas, deve ser considerado uma benesse, pois permite que se tenha acesso a um número infindável de ficheiros que podem e servem para ajudar a enformar as consciências e as decisões da vida política e social dos cidadãos.334 Contudo, ainda está por

descortinar qual será o futuro, não do WikiLeaks, mas sim do uso que será dado pelas informações por eles distribuídas.

330 BRZEZINSKI, Zbigniew. 2008. “The global political awakening” in The New York Times [online] (Disponível em:

http://www.nytimes.com/2008/12/16/opinion/16iht-YEbrzezinski.1.18730411.html?_r=0 [Acedido em 22fevereiro 2015])

331 BRZEZINSKI, Zbigniew. 2008. “The global political awakening” in The New York Times [online] (Disponível em:

http://www.nytimes.com/2008/12/16/opinion/16iht-YEbrzezinski.1.18730411.html?_r=0 [Acedido em 22fevereiro 2015])

332KARATZOGIANNI, Athina; ROBINSON, Andrew. 2014. “Digital Prometheus: WikiLeaks, the State–Network Dichotomy, and the Antinomies of

Academic Reason” in International Journal of Communication 8, P.2704 (Disponível em: http://ijoc.org/index.php/ijoc/article/viewFile/2879/1234 [Acedido a 27novembro 2014])

333 Ibidem

334 MARSHALL, Andrew Gavin. 2010. “WikiLeaks and the Worldwide Information War Power, Propaganda, and the Global Political Awakening” in

Global Research. P.7 (Disponível em: http://andrewgavinmarshall.com/2011/07/15/WikiLeaks-and-the-worldwide-information-war/ [Acedido 11fevereiro 2015])

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Numa entrevista concedida em maio de 2015335, Julian Assange reitera a sua ideia de que

os “governos e agências de segurança precisam de ser policiadas pelo público”, pois considera que a autonomia e a privacidade têm vindo a ser frequentemente retiradas ao ser humano, devido aos sistemas de vigilância que têm vindo a ser implementados. A ação levada a cabo por colaboradores ou apenas simpatizantes do WikiLeaks, não encontra a sua expressão total muito devido aos receios relacionados com represálias. Estes receios tornaram-se ainda mais evidentes aquando dos vazamentos iniciados em 2007 pela organização. O WikiLeaks e o seu conjunto de informadores creem, eles próprios, nos benefícios que pode trazer ao mundo um público informado e interpretam as suas ações como um meio de providenciar às populações, as políticas internas e externas mais secretas dos Estados que acabam por afetá-las indelevelmente. O WikiLeaks agiu como publicador de informação classificada naquilo que considerou como sendo de interesse público global, revelando as realidades existentes em muitos países, referentes à má administração, corrupção e abuso endémico dos direitos humanos.

“A informação liberta-nos. E fá-lo ao permitir-nos questionarmos as ações daqueles que mais cedo não tinham os meios para os questionar, sem direito a responder. O WikiLeaks, por todo o seu modernismo e todo o seu software, é uma força para a manutenção da liberdade … ficamos debaixo de fogo, muitas vezes, por sustentarmos estes princípios que muitos dos governos que nos criticam são eleitos para os assegurarem. Nós somos uma agência das pessoas de pesos e contrapesos, trabalhando internacionalmente, e sabendo que as coisas que os governos e diplomatas fazem por detrás das portas fechadas é inteiramente do nosso assunto. As pessoas elegem-nos, pagam por eles, confiam neles, e são os seus patrões.”336

Apoiados no mote “a informação liberta-nos”, os vazamentos levados a cabo pelo WikiLeaks tiveram uma escala sem precedentes, com a sua divulgação a atingir um nível mundial e imediato. A democracia só se efetiva quando as pessoas têm direitos e acesso a informações

335 LAKSHINA, Katya. 2015. “Transparency for Governments and Privacy for Individuals- Assange”. (Disponível em:

http://sputniknews.com/analysis/20150531/1022776304.html [Acedido a 13julho 2015])

336 (Assange, biografia não autorizada) citado em ZIFCAK, Spencer. 2012. “The Emergence of WikiLeaks: Openness, Secrecy and Democracy” in

More Or Less: Democracy And New Media. p.136 (Disponível em: http://www.futureleaders.com.au/book_chapters/pdf/More-or- Less/Spencer_Zifcak.pdf {Acedido a 10fevereiro 2015])

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suficientes para poderem, dessa forma, ter uma melhor compreensão, entendimento e consciência daquilo que os seus países estão a fazer em nome destas populações.

Ainda que o futuro do WikiLeaks seja uma incógnita, muito devido à forte oposição e perseguição que enfrenta, a organização já foi replicada. Openleaks, Ruleaks e Lulzsec são uma extensão e representação das estruturas anarquistas criadas em rede, tão emblemáticas e identificadoras desta era informacional e ciberespacial.337

O WikiLeaks tem provocado alterações a nível global, não só no modo inovador como distribui a informação, mas a novidade da mesma, acabando por provocar também efeitos nos arranjos de poder globais. Tais efeitos levam à desestabilização e enfraquecimento dos sistemas imperiais e de dominação, colocando também sob o escrutínio público o crescente descrédito e falta de legitimidades dos que governam. De esperar, por isso, que as reações de vários Estados e organizações, que não tardaram em expressar o seu descontentamento, desacreditaram e apelaram à prisão e até mesmo assassinato de Julian Assange, numa clara demonstração de desagrado pelo funcionamento da democracia na sua plenitude, bem como pela transparência e liberdade de informação, valores preconizados pelos países ocidentais e democráticos, como o caso particular dos EUA.