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O Protagonismo Internacional dos EUA Contestado

Capítulo IV: Os Desafios Colocados aos EUA

4.1. O Protagonismo Internacional dos EUA Contestado

Para Nye, um dos grandes problemas com os quais os Estados se confrontam atualmente, “é o resultado da difusão de poderes de Estados para atores não-estaduais, o que coloca um número crescente de ameaças que fogem da esfera de controlo dos Estados”423, mesmo dos mais

poderosos. Uma nota enviada a Hillary Clinton pelo Conselheiro Sénior para Inovação, Alec Ross, a 13 abril de 2011 avisou que:

“entre agora e janeiro de 2013, a tecnologia vai continuar a desempenhar um papel muito perturbador na condução da nossa política externa… quer para o bem e mau. As medidas para o sucesso do Departamento com base nesta mudança vão ser a criatividade, rapidez e flexibilidade das nossas respostas”. Como Clarence Darrow disse, “não são as mais fortes das espécies que sobrevivem, nem as mais inteligentes, mas as mais responsivas á mudança.” 424

Nos adventos das novas transformações do sistema político internacional e do surgimento de novas formas de fazer política, os EUA não podem optar pelo unilateralismo. Só com a ajuda

423 NYE, Joseph S. 2010. “The Future of American Power Dominance and Decline in Perspective” in Foreign Affairs. Vol.89, nº6, 1-12.

424 ROHRLICH, Justin. 2015. “Email to Hillary Clinton Shows Effort to Quash Story About WikiLeaks and Turkey”. (Disponível em:

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dos outros e através do estabelecimento de alianças, é que os EUA terão a possibilidade de se manterem no topo. Os novos desafios que surgem no advento da nova era cibernética escapam às lógicas existentes do núcleo das políticas até então conhecidas. Como já referido anteriormente, o smart power será a forma de se alcançarem os adventos dos novos tempos. Daqui conclui-se que o smart power é essencial para controlar o “rise of the rest” e as preocupações já não se prendem tanto com a manutenção de poder e preservação de hegemonia.425

E, ainda que os Estados continuem a figurar como o ator preponderante na cena e política internacional, o palco ficará cada vez mais repleto de novos atores, bem como se caminhará para um jogo com cada vez menos regras.426

Os EUA continuam a ser a grande potência dominante, mas a crise económica de 2008 colocou o país numa situação delicada, na qual se fazem previsões sobre o seu crescente declínio. O próprio Conselho de Inteligência Nacional427 fez uma projeção de que em 2025, “os EUA vai

continuar a ser o poder preeminente, mas o domínio Americano vai ser em muito diminuído ”428 e,

para além da crise económica referida, o domínio dos EUA pode ser afrontado pelo surgimento de atores não-estaduais que começam a utilizar de forma mais eficaz os domínios virtuais nos quais de movem. Alguns observadores, como Kupchan429; Nye e Zakaria430 creem também que os EUA

começam a perder a sua habilidade em influenciar os eventos do mundo devido às suas próprias fraquezas internas, como são disso exemplo as suas batalhas internas acerca da cultura, o colapso das suas instituições políticas e o facto de a economia ter atingido um ponto de estagnação. Como já referido, um estudo levado a cabo pelo Pew Research Center, comprovou a descredibilidade da população no governo norte-americano.431

As razões elencadas sugerem, portanto, que as divulgações, mais do que provocarem efeitos imprevisíveis e até negativos, são portadoras de um bem comum para a sociedade, pois rejeitam o sigilo praticado pelos governos, os abusos cometidos em países com regimes ditatoriais. Só assim a democracia beneficia da sua expressão máxima, uma vez que só um cidadão

425 NYE, Joseph S. 2010. “The Future of American Power Dominance and Decline in Perspective” in Foreign Affairs. Vol.89, nº6, 1-12. P.12 426 COFFEY, John W. 2011. “The Future of Power” by Joseph S. Nye, Jr.. Book Review Prism 2, no. 4. P.160. (Disponível em:

http://cco.dodlive.mil/files/2014/02/Prism_160-164_Coffey.pdf [Acedido a 25 maio 2015])

427 National Intelligence Council (NIC)

428NYE, Joseph S. 2010. “The Future of American Power Dominance and Decline in Perspective” in Foreign Affairs. Vol.89, nº6, 1-12. P.2 429 KUPCHAN, Charles A. 2012. “The Decline of the West: Why America Must Prepare for the End of Dominance” in The Atlantic. (Disponível em:

http://www.theatlantic.com/international/archive/2012/03/the-decline-of-the-west-why-america-must-prepare-for-the-end-of- dominance/254779/ [Acedido a 25abril 2016])

430 ZAKARIA, Fareed. 2008. “The Rise Of The Rest”. (Disponível em: http://fareedzakaria.com/2008/05/12/the-rise-of-the-rest/ [Acedido a 25abril

2016])

431 Informação constante na página 18 (Pew Research Center. How Americans View Government (Disponível em: http://www.people-

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informado pode ter a consciência das situações políticas do sistema internacional e dos seus Estados.

Os vazamentos levados a cabo pelo WikiLeaks colocaram os EUA sob as luzes dos holofotes. O escândalo Wikigate432 é um momento identificador da luta que poderá vir a ser travada,

quer pelo futuro do liberalismo, quer do Estado. Mais, também representa o momento indicado para pensar criticamente sobre todo o caso WikiLeaks, desde os limites da democracia, liberdade de informação, transparência e responsabilidade, até à violência dirigida pelo Estado quando não consegue impor os limites. Tendo em pano de fundo a geopolítica crítica, torna-se clara a análise das ações dos EUA que, identificando um novo domínio de ação, levaram a cabo ações violentas, as quais confirmam que o Estado reage de forma agressiva quando é atacado nos seus interesses. Por isso é que a Internet, que deu espaço à existência de atores e redes transnacionais, veio trazer novos caminhos e assunções geopolíticas na era contemporânea.

Analisado desta forma, o WikiLeaks surge como uma ferramenta para desestabilizar a hegemonia e a arrogância do poder estatal, nomeadamente dos EUA.

“O WikiLeaks veio demonstrar a possibilidade de que os Estados podem ver a sua soberania exposta (‘opened up’) ao escrutínio público, o que se traduz num aumento de pedidos para transparência e responsabilidade. Ao mesmo tempo, a soberania também se fechou (‘closed down’) num espaço no qual os Estados tentam gerir os fluxos informacionais através de um aumento de medidas e respostas autoritárias, como o cancelamento de websites e do cancelamento do seu acesso a donativos”433.

Os governos, neste caso particular, o governo norte-americano, não pode permitir que a sua imagem seja maculada devido ao vazamento de informações classificadas. Por isso, os EUA empreenderam uma série de medidas contra o WikiLeaks, categorizando-o inicialmente como uma organização terrorista e tenta-se condenar Julian Assange sob o Ato de Espionagem de 1917, sendo que os mais radicais apelaram mesmo à sua execução434. Vemos aqui uma clara

demonstração da realpolitik, em que o interesse próprio, a manutenção da sua influência e imagem se sobrepõem a questões de ordem moral. Para G.L. Anderson, a realpolitik, “assume

432 Wikigate, foi nome atribuído aos vazamentos dos cables diplomáticos dos EUA por parte do WikiLeaks. O nome deriva do conhecido caso que

colocou em cheque da Administração Reagan, o Watergate.

433SPRINGER, Simon et al. 2012. “Leaky Geopolitics: The Ruptures and Transgressions of WikiLeaks” in Geopolitics, 17:681–711, P.683 434 STEINMETZ, Kevin F.2012. “WikiLeaks And Realpolitik” In Journal Of Theoretical And Philosophical Criminology. Vol. 4(1): 14-52

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que todos estão aí para maximizar os seus próprios interesses, e que os Estados estão aí para maximizar também os seus interesses”.435 Os meios para atingir os fins (ideia advogada por

Maquiavel e Hobbes) e o poder pretendido podem ser militares (ciberguerra), económicos e políticos.