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O Poder dos Media e da Informação como Ameaça à Soberania Estatal: A

Capítulo II: O Transnacionalismo e as Técnicas de Informação e Comunicação como

2.3. O Impacto do Ciberespaço nas RI

2.3.1. O Poder dos Media e da Informação como Ameaça à Soberania Estatal: A

Revolução Informacional

Nos últimos vinte anos, assistiu-se à ascensão e fortalecimento do ciberespaço. Este novo ambiente veio provocar uma verdadeira revolução informacional que veio competir com a soberania estatal. A ideia de que o Estado é o único ator detentor de poderes torna-se obsoleta e não configura o poder que surge nas redes, em especial o poder da informação e dos meios de comunicação.

A informação edificou-se enquanto poder no século XXI. Novos atores, munidos da Internet e informação, conseguem veicular e disseminar notícias e informações que põem em causa governos, políticas externas, reportam situações de violações de direitos humanos, de entre uma vasta panóplia de outras situações. Muitos autores156 consideram, por isso mesmo, a informação

como a arma dos novos tempos e os atores que a usam como entidades capazes de competirem com forças estaduais. É por isto que a informação começou a assumir um papel de relevo nas políticas internacionais, internas e na sociedade civil global, como método propício a causar mudanças.

153BARLOW, John Perry. 1996. “ A Declaration of the Independece of Cyberspace”. (Disponível em: https://www.eff.org/cyberspace-independence) 154 MOROZOV, Evgeny. 2011. “Technology´S Role In Revolution: Internet Freedom and Political Oppression” in The Futurist

155 Ibidem

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Ulugbek157 analisa que a Internet se tornou num império que faz contraponto aos impérios

edificados fisicamente. Os sistemas de informação global passaram a ser o grande aliado de indivíduos, Estados ou organizações, que começaram a fazer uso dos mesmos para empreenderem práticas terroristas. Por isso o autor diz que o papel das tecnologias de informação vieram trazer uma nova forma de terrorismo, o “terrorismo informacional”158. Este terrorismo

informacional encontra as suas principais armas na informação, interpretação e comunicação. A comunicação acaba por ser a arma mais relevante, pois é esta mesma que proporciona ao ator que a use, a criação de imagens e mensagens que lhe convém. Possuir e controlar as vias comunicacionais e informacionais é um poder importante para qualquer ator, pois vai-lhe permitir moldar pensamentos e granjear poder. “A informação é agora um produto, dinheiro e até objeto principal na política”159.

Neste contexto, o WikiLeaks faz parte dos que tentam desafiar os que controlam a informação. E, desta guerra, podem advir duas consequências: a positiva refletir-se-á, se a Internet dotar as pessoas de mais poder; a negativa, por seu turno, levará as pessoas a uma nova era de vigilância.

Como a importância da comunicação tem aumentado de forma desmedida, tal também se repercute no novo estatuto e poder adquirido, bem como nas suas capacidades de influenciar. Para o filósofo francês Foucault, aquele que detém a informação, conquista o poder de moldar, criar e influenciar discursos, comportamentos e respostas. Os cidadãos estão fortemente dependentes da “versão construída pelos media da realidade” 160, o que se traduz numa ganho

enorme para aqueles que veem as suas realidades construídas e, desta forma, retiram os seus ganhos.

O caso do WikiLeaks revela o poder das redes, mas também a face mais escura dos EUA que tentaram construir uma imagem negativa do WikiLeaks, através de lapdogs subservientes. Um facto que comprova esta visão do WikiLeaks e de outras organizações similares que desafiam os

157 ULUGBEK, Rakhmonov. 2012. “Information Terrorism-a New Kind of Terror in the Global Information Arena.” in International Journal of Business

and Social Science. Vol. 3 No. 2. P.311

158 “A informação, interpretação e comunicação são o trio usado neste terrorismo, sendo que a comunicação é o essencial. Ou seja, quem domina

os canais de informação e comunicação, domina/ordena também a direção da informação. A informação á agora um produto, dinheiro e até objeto principal na política. O progresso do terrorismo e do terror está conectado a descobertas científicas. Se o poder físico dantes era uma arma que depois foi substituída por armas, bombas, aviões, etc.. agora começaram a usar-se as últimas descobertas humanas- tecnologias de informação e comunicações. Hoje, descobertas científicas sem comparação, grandes possibilidades tecnológicas e o alastramento da informação está a atingir a escala global, estão a desenvolver-se intensivamente por todo o mundo. Possuir isto, é um capital de grande proveito, pois a informação desempenha um papel central em adotar diferentes tipos de resolução”. (Ver: ULUGBEK, Rakhmonov. 2012. “Information Terrorism-a New Kind of Terror in the Global Information Arena.” in International Journal of Business and Social Science. Vol. 3 No. 2. P.311)

159 Ibidem

160 Foucault citado em FRÖLING, Maarten. "Political Transparency and its effects on the Media: A Study of the Eurocrisis" in Transparency in

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Estados são bem evidentes através de estratégias onde as ferramentas digitais são usadas com o propósito de fazer campanhas e trabalho para mudanças culturais e sociais.161

Para Castells e Shirky, as características identificadoras da Internet, como o caso da liberdade de expressão e de associação que permitem, possibilitam o contacto entre as pessoas sem que o Estado possa interferir nas mesmas, o que por estes últimos é visto como um desafio à sua autoridade estatal162, levando-os a adotarem medidas que vão no sentido de tolherem as

liberdades ou de controlarem o ciberespaço. O domínio do ciberespaço é muitas vezes descrito como um bem público, algo quem tem vindo a ser contestado, levando alguns a dizerem que é um bem semipúblico, pois os Estados têm tentado retirar a liberdade da Internet dos cidadãos.

Mas para todos os efeitos, a informação é entendida como soft power- o poder da convicção. Contudo, isto coloca ainda mais problemas que tentam ser mitigados. De entre os problemas, encontra-se a batalha pelo poder existente entre as duas fações dentro do Estado: a do governo e a daqueles que ambicionam a conquista do poder. Quem retirará ganhos desta batalha, será a aquele que tenha um maior domínio técnico e científico. Isto é descrito no artigo de Zobnin:

"De acordo com o serviço secreto alemão, a Agência de Segurança Nacional dos EUA adquiriu acesso à informação codificada do Ministério da Defesa alemão usando o completo conjunto de chaves para o software da Microsoft, o qual eles tinham…”.163

Por exemplo, Julian Assange, fundador do WikiLeaks tem como objetivo primordial para este projeto "a colocação no mundo em rede de publicações não-rastreáveis e análises de documentos que foram reveladas devido a vazamentos de informações.".

Shirky164 realça que os meios de comunicação sociais permitem às pessoas o acesso à

informação, o que conduz a uma consciência partilhada e a uma maior participação política, podendo minar o poder do Estado. Estes ativistas, quer se encontrem em países democráticos ou autoritários, vão procurando concertar esforços que impliquem mudanças165. Mas para Nikonov, a

161 Ver LINDGREN, Simon; LUNDSTRÖM Ragnar. 2011. “Pirate culture and hacktivist mobilization: The cultural and social protocols of #WikiLeaks

on Twitter” in New Media & Society. Vol.13, N.6 13(6)999–1018, Publicado por SAGE. P.1002 Disponível em: http://nms.sagepub.com/content/13/6/999

162CHAUVIN, Justine. “Critically analyse the impact of Internet technology on state power”. International Relations and the Internet. P.3

163ZOBNIN, A.V., 2007. “Information Force in the International Policy: Basic Concepts of Analysis. Space and Time in the World Policy and

International Relations” in the Proceedings of the 4 Convent of RAMI (10 Volumes). Vol. 6. New Trends in the Word Policy. Eds. A.Y. Melvil. The Russian Association of International Research. Eds. Yagya, V.S. and V.S. Denisenko. Moscow: MGIMO-University, pp: 152.

164 SHIRKY, Clay. 2011. “The Political Power of Social Media: Technology, the Public Sphere, and Political Change” in Foreign Affairs. (Disponível

em: http://www.cc.gatech.edu/~beki/cs4001/Shirky.pdf [Acedido a 22 março 2015])

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emergente sociedade de informação é alvo de tentativas de influência por parte dos que usam as noopolíticas. As noopolíticas são entendidas como:

“uma estratégia de informação para a manipulação de processos internacionais de forma a criar uma imagem positiva ou negativa de ideias e valores morais advogados pelos Estados ou blocos de Estados”166.

No entanto, estes atores têm que se munir de informação credível, pois tal é central e essencial para que consigam ter autoridade moral para levarem a cabo a monitorização de questões de interesse transnacional. Organizações como a Amnistia Internacional, marcaram a entrada num novo registo de informações imparciais. Keohane e Nye apontam que a credibilidade pode ser um recurso de poder e a reputação sempre assumiu extrema importância nas políticas externas. E, se transmitir a informação pode ser feito de forma rápida e ágil, a filtragem da mesma assume-se como um processo mais sensível, fazendo com que “representantes políticos prestem mais atenção à criação e destruição da credibilidade da informação, do que com a habilidade de controlar os fluxos informacionais”167.

A Internet contribuiu para alterar todos os cenários e pode ser imparável quando alguém vaza informação que os que detêm o poder querem esconder. A contrainformação e a Internet podem causar o "efeito boomerang".168

Braman, no seu livro Change of State169, define a informação como um recurso, recurso

esse a ser utilizado por quem o possua (pessoas, organizações e até comunidades), independentemente da forma como se acede à mesma e como se aplica. Os meios para a sua obtenção e aplicação é que muitas vezes são alvo de ressalvas devido a causas relacionadas quer com reputação, quer com credibilidade. Silva170 vem dizer ainda que a disputa a que se assiste

nestes domínios não é tanto cibernética mas mais de caráter informacional, pois a credibilidade e reputação apresentam-se como as metas para estes jogos.171

Castells é portanto um defensor da ideia que o Estado tem visto o seu poder ser posto em causa pelo poder crescente e cada vez mais pujante e independente sociedade civil global

166 (Shirky) citado em NIKONOV, Sergey Borisovich.2013 "Information Society in its Function as an Object of Directed Influence of Noopolitics" in

World Applied Sciences Journal 27, p.242 (Education, Law, Economics, Language and Communication):

167KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. 1998. “Power and Interdependence in the Information Age” in Foreign Affairs. (Disponível em:

https://www.foreignaffairs.com/articles/1998-09-01/power-and-interdependence-information-age [Acedido a 20janeiro 2015])

168 (KECK and SIKKINK 1998) citado em CLARK, Howard. 2014. “People Power: Transnational Activism”. (Disponível em:

https://www.opendemocracy.net/civilresistance/howard-clark/people-power-transnational-activism [Acedido a 12 janeiro 2015])

169 BRAMAN, Sandra. 2006. Change of State: Information, Policy, and Power. MIT Press 170

171SILVA, Rafael. “A Disputa Não É Cibernética, É Informacional” in O Debatedouro, Ano 12, Nº 01, Edição 84. Belo Horizonte, Brasil, maio de

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empenhada em causar mudanças (revoluções árabes) e em moldar agendas políticas172. Já autores

como Papic e Noonan173, referem o papel instrumental dos media sociais que podem facultar “a

grupos revolucionários baixar os custos da participação, organização, recrutamento e formação”.174

A sociedade da informação, na qual hoje estamos inseridos, é o culminar da importância da informação desde o seu aparecimento, pois esta é “um artefacto cultural presente em toda a prática social”175. Neste novo século, a informação tornou-se poder. Nikonov refere precisamente

essa ideia, ao dizer que o poder que dantes se encontrava associado às capacidades militares, industriais e até à ciência e física nuclear, foram relegadas para um segundo plano, pois o melhor recurso através dos quais os atores podem aumentar o seu poder, são as tecnologias de informação.

Para Nikonov, a sociedade de informação teve como intuito criar uma sociedade civil que, sendo mais esclarecida e interventiva, tem o poder de criar um novo domínio de justiça global, bem como de democratização. Mas Nikonov repara que, ao contrário daquilo que seria o expectado, a sociedade de informação está “agora a tornar-se numa marioneta de forças políticas que lutam pela obtenção do poder e a informação, ela própria, a constituir-se como a arma principal.”176

Castells indica ainda que esta sociedade em rede é impulsionadora da formação de opiniões públicas e na influência dos processos de decisão da vida política, pois a informação permite-lhes escolher e traçar caminhos. Castells diz-nos que:

"Uma característica central da sociedade em rede é a transformação da área da comunicação incluindo os media. A comunicação constitui o espaço público, ou seja, o espaço cognitivo em que as mentes das pessoas recebem informação e formam os seus pontos de vista através do processamento de sinais da sociedade no seu conjunto... Os sistemas de comunicação mediáticos criam os relacionamentos entre instituições e organizações da sociedade e as pessoas no seu conjunto, não enquanto indivíduos, mas como recetores coletivos de informação, mesmo quando

172 Castells citado em Chauvin, Justine. “Critically Analyse The Impact Of Internet Technology On State Power” in International Relations and the

Internet. P.4

173 Papic e Noonan citados em Chauvin, Justine. “Critically Analyse The Impact Of Internet Technology On State Power” in International Relations

and the Internet. P.4

174 Ibidem

175 AZEVEDO, Marco Antônio de. 2006 . “Informação E Segurança Pública: A construção do conhecimento social em um ambiente comunitário”.

P.80. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de doutor em Ciência da Informação.

176 NIKONOV, Sergey Borisovich.2013 "Information Society in its Function as an Object of Directed Influence of Noopolitics" in World Applied Sciences

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a informação final é processada por cada indivíduo de acordo com as suas próprias características pessoais. É por isso que a estrutura e a dinâmica da comunicação social é essencial na formação da consciência e da opinião, e a base do processo de decisão política."177

Este autor desenvolve, neste quadro, o conceito de "comunicação de massa auto comandada"178, pois tal espelha o quanto a difusão de informações permitidas pelos avanços

tecnológicos, escapam ao controlo das informações que nos chegavam por canais tradicionais, fossem institucionais ou governamentais.

"É comunicação de massa porque é difundida em toda a Internet, podendo potencialmente chegar a todo o planeta. É autocomandada porque geralmente é iniciada por indivíduos ou grupos, por eles próprios, sem a mediação do sistema de media. (...) Uma vez que a política é largamente dependente do espaço público da comunicação em sociedade, o processo político é transformado em função das condições da cultura da virtualidade real."179

E são estas mesmas condições que permitem a estes atores desferir golpes e atentados à soberania dos Estados, dando conta das mudanças que se têm processado no sistema vestefaliano. Estas novas esferas de ação fogem do controlo dos Estados e dão aso a que estes últimos descubram e desenvolvam novas estratégias que consigam controlar estas esferas de ação.

Kissinger afirmou ao jornal alemão Die Welt :

"A ordem Vestefaliana está no estado de uma crise sistémica. A não- interferência nos assuntos internos de outros países tem sido negligenciada em nome do conceito de intervenção humanitária global.. não só os EUA, mas também muitos países europeus ocidentais o fizeram… os princípios da mundo Vestefaliano… estão a passar."180

177CASTELLS, Manuel. 2006. “A Sociedade em Rede Do Conhecimento à Acção Política”. P.23 (I Parte - Conferência promovida pelo Presidente da

República)

4 e 5 de Março de 2005 | Centro Cultural de Belém

178 MACEDO, Caio Sperandéo de.2012. "Sociedade em Rede e Cidadania" in Revista FMU Direito. São Paulo, ano 26, n.38, p.61 179 Ibidem

180 (Henry Kissinger Interview. Die Welt. 05/05/2003) citado em NIKONOV, Sergey Borisovich.2013 "Information Society in its Function as an Object

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Braman e Pinheiro181 têm vindo a trabalhar no sentido de se desenvolver uma

transformação entre o Estado Burocrático para o Estado Informacional, ou seja, o poder estaria representado no seu expoente máximo através de informação, abandonando a sua conceção estrutural original. E se este Estado Informacional parece ainda uma realidade distante, vozes erguem-se a seu favor, partilhando a ideia de que a sociedade informacional seria uma extensão, continuidade do Estado. González de Gómez diz que o Estado Informacional representa:

“manifestações do esforço conceitual para reformular, no cenário contemporâneo, as possibilidades e os limites de autonomia do Estado, a partir do crescente questionamento da previsibilidade, inteligibilidade e controle de seu domínio de intervenção, incluindo o próprio domínio da informação”.182