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4. Narrativa da experiência vivida na alta competição

5.2 A Tarefa Interpretativa

5.2.4 O Desporto para pessoas com deficiência e os Media

Na sociedade ocidental, historicamente, as pessoas com deficiência têm sido representadas como objetos passivos, alvos de caridade e piedade por parte dos membros “normais” (Thomas e Smith, 2008), aparecendo somente em áreas específicas das notícias (saúde, investigação médica, estado social e benefícios e angariação de fundos), o que traduz a preponderância que a visão médica foi conquistando ao longo destes anos nesta área (Cooke et al 2000).

Na esfera desportiva, a compreensão da deficiência como tragédia pessoal e circunstância adstrita à pessoa com uma limitação física e/ou intelectual, vislumbra-se nas narrações compassivas, que oscilam entre o coitadinho e o herói que superou as suas dificuldades, numa alusão ao estereótipo do supercrip, que ilustramos agora com a experiência vivida (Novais e Figueiredo, 2010; Howe e Silva, 2012). Mais do que isso, até no nicho mediático das publicações que abordam apenas o desporto para pessoas com deficiência, prevalecia à data o estereótipo do supercrip (Hardin & Hardin, 2003).

Em Badajoz, tanto no trabalho do jornal estremenho Hoy, de grande expressão em Espanha, do Badajoz Deportes, como da estação televisiva Canal Extremadura, que tentava acompanhar com periodicidade, entrevi poucas referências que valorizavam a deficiência em detrimento da prestação desportiva. No programa Escúchame – do canal Extremadura - no qual assumi o protagonismo numa das suas edições, agradou-me o enfoque predominante nas minhas competências enquanto atleta, na rotina de treino que seguia e nas atividades paralelas que desenvolvia, nomeadamente a dinamização de um blogue e a frequência do Mestrado em Atividade Física Adaptada, constituindo a deficiência apenas um traço de identidade. Aliás, ao repórter nem sequer interessou saber a origem da minha lesão, mas antes o meu percurso desportivo. Em Portugal, pelo contrário, nas poucas vezes que mereci destaque mediático, a deficiência era o denominador comum do artigo.

A ausência deliberada dos traços que identificam os atletas como pessoas com deficiência e o enfoque nos atletas de cadeira de rodas é outra

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tendência que se deteta no tratamento mediático. Baseando-se na cobertura dos Jogos Paralímpicos de 2000 pela imprensa britânica, creem os autores Nigel Thomas e Andrew Smith que tal insinua uma negação da identidade do indivíduo, fortalecendo-se o padrão de normatividade adjacente ao desporto. Neste sentido, a atleta paralímpica britânica Tanni Grey-Thompson avança com a explicação de que a incidência nos atletas em cadeira de rodas se prende com o facto “de não parecerem muito deficientes” (Thomas & Smith, 2001, p. 58), acrescentando Barnes (1992) que também se pode dever à crónica associação de deficiência a imobilidade. Sobre este tópico, não me é possível fazer qualquer inferência, dado que a minha experiência se restringe a uma só modalidade, na qual a cadeira de rodas é transversal.

No que respeita à referência da deficiência nas provas, a parca ou nenhuma alusão à experiência da deficiência é rotulada ora como positiva, por se focar na prestação desportiva do atleta, ora como negativa, por instilar que os atletas aspiram ou tentam emular caraterísticas de força e integridade física de atletas sem deficiência (Thomas e Smith, 2008), e combater as “imperfeições” do seu corpo (Smith and Sparkes, 2002). Howe (2008), declarando a importância de mencionar a classe funcional do atleta – e por arrasto parcialmente a deficiência - afirma que não será tão surpreendente que a cobertura do jornalismo impresso do desporto para pessoas com deficiência seja desprovida da cultura paralímpica, uma vez que assuntos relacionados com a classificação estão ausentes dos comunicados oficiais de imprensa. No caso do CP Mideba, constatei uma tendência inversa – e positiva - ao descrito por Howe, uma vez que o jornal Hoy imprimia nos seus artigos esporadicamente descrições que contemplavam as nuances da classificação e a necessidade da equipa se reforçar com um jogador de determinada pontuação. Resta saber se por livre iniciativa ou se pela cedência de informação por parte do clube. De qualquer modo, é pouco expectável que sem o incentivo do departamento de comunicação do CP Mideba houvesse tanta atenção sobre a classificação.

Em termos quantitativos, Chang e Crossman (2009) debruçaram-se sobre o tratamento noticioso do jornal sul coreano Chosun Ilbo dos Jogos

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Paralímpicos (JP) e Olímpicos (JO) de 2004, apurando que eram publicados 15,3 artigos e 13 fotografias por dia relativos aos JO e 1,23 artigos e 1,3 fotografias sobre os PG. Em 2012, durante os Jogos Paralímpicos de Londres em 2012, considerados um ponto de viragem a todos os níveis, os cinco principais jornais japoneses não demonstraram uma visão progressista, com parco destaque na capa sobre os JP, constatando-se mesmo total ausência no caso do Nikkan Sports (Thompson, 2013).

Apesar disso, a cobertura mediática dos Jogos Paralímpicos tem vivido um crescimento exponencial, desempenhando um papel de destaque em combater as perceções negativas perante as pessoas com deficiência (Brittain, 2012). Prova cabal da mudança foi a transmissão do Channel 4, estação oficial do evento no Reino Unido, que garantiu 500 horas de cobertura, vistas por 39.9 milhões de espetadores (Channel 4, 2012). Uma pesquisa levada a cabo pela BDRC Continental e pela YouGov – empresas que realizam estudos de mercado - revelou que dois terços dos espetadores (65%) sentiram que a cobertura teve um impacto favorável na perceção face às pessoas com deficiência; mais de 4 em cada 5 adultos (82%) concordaram que os atletas com deficiência eram tão talentosos quanto os atletas sem deficiência, número que ascendia a 91% entre os que acompanharam a transmissão do Channel 4; cerca de 2/3 dos espetadores (69%) fizeram, pela primeira vez, o “esforço” de assistir aos Paralímpicos, enquanto metade viram os Jogos pela primeira vez. 67% dos inquiridos afirmaram ainda ter assistido a mais do que esperavam (Channel 4, 2012). Um exemplo paradigmático foi o ênfase massificado concedido à medalha de ouro conquistada pela ciclista britânica Sarah Storey, na imprensa britânica, que lhe dedicou várias capas (Webborn, 2013). Na mesma linha, Howe (2008) refere que o estilo de jornalismo começa a afastar- se das manchetes “doces” que celebram o triunfo sobre a deficiência para um formato mais focado no desporto.

Na minha estadia na Estremadura, os órgãos de comunicação social locais e regionais pareciam acompanhar a dinâmica vanguardista, com cobertura contínua e centrada na performance desportiva. Inclusivamente, vai mais além do que as outras regiões, gozando o CP Mideba do privilégio de ver

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alguns dos seus jogos transmitidos pela televisão com comentários, câmaras de várias perspetivas e todos os “adornos” próprios da atividade, assim como reportagens de outros momentos do percurso do clube como a apresentação da equipa no início da época em conferência de imprensa. Outra questão que me chamou à atenção, ainda que se reporte à escala nacional, foi a transmissão de um magazine sobre a Champions Cup, Liga dos Campeões de BCR, no canal temático desportivo Teledeporte, pertencente à televisão pública espanhola TVE, iniciativas de louvar e valorizar tendo em conta o panorama internacional exposto.

Em contraste, a presença do desporto para pessoas com deficiência nos círculos mediáticos em Portugal é ainda diminuta e dista dos melhores exemplos. Um estudo que se debruçou sobre a cobertura do periódico Jornal de Notícias dos anos de 1996 e 2000, coincidentes com Jogos Paralímpicos, concluiu que houve progresso entre as datas, mas a informação continuava distante do modelo do atleta dito “normal”. Constatou-se que quanto menos visível a deficiência, maior a probabilidade da notícia ser ilustrada com uma fotografia do atleta, indiciando que a sociedade não concebia num atleta a condição de pessoa com deficiência que lhe está inerente. Em contrapartida, os melhores resultados e recordes assumiam preponderância, o que se enquadra com a lógica do desporto moderno, onde impera o paradigma do homem sem limites (Pereira et al. 2006). Mais recentemente, Novais e Figueiredo (2010) compararam a cobertura efetuado por periódicos online portugueses e brasileiros dos Jogos Paralímpicos de Pequim, realizados em 2008, centrando a sua atenção nas medalhas de dois atletas de cada um dos países. No geral, verificou-se uma fraca utilização de termos relativos à vitória, mostrando a baixa expectativa da sociedade e dos jornalistas em relação ao atleta com deficiência. O caso português destacou-se pela negativa ao apresentar a maior parte dos artigos que reforçam as baixas expectativas (67%), como a menor quantidade de referências que reforçam as altas expectativas (20%). Os autores afirmam em jeito de conclusão que o sucesso dos atletas Paralímpicos foi banalizados pelos media, que se focaram somente nos resultados, “esquecendo” a alusão à experiência dos atletas, repercussão

Comentado [A2]: Ao ler percebi que falta aqui referencia a Portugal. como estão os media em Portugal. Deixo aqui duas referencias: (e envio)

Pereira, A. L., Silva, M. A., & Pereira, O. (2006). O valor do atleta com deficiência. Estudo centrado na análise de um periódico português. Revista

Portuguesa de Ciências do Desporto, 6(1), 65-77.

Pereira, O., Monteiro, I., & Pereira, A. L. (2011). A Visibilidade da Deficiência – Uma revisão sobre as Representações Sociais das Pessoas com Deficiência e Atletas Paralímpicos nos media impressos. Revista da Faculdade de Letras da

Universidade do Porto, XXII, 199-217.

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da medalha e bastidores. Essa circunstância parece sugerir um esforço em encobrir a deficiência e reputá-la a um mero produto biológico e não sociocultural.

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Considerações Finais