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CAPÍTULO III. SABERES DOCENTES: HABILIDADES, ATITUDES E CONHECIMENTOS

3.1. O diálogo e os desafios dos processos investigativos-reflexivos

Questões referentes à profissionalização docente têm sido a preocupação, não somente das ciências humanas, sociais ou da educação, mas também daquelas áreas de conhecimento especializado em que se apoiam esses profissionais. Tais preocupações consideram para análise a conjuntura social e política das últimas décadas, no sentido de explicitar como se constrói a prática profissional, e como distinguir nesse emaranhado de conhecimentos, aqueles saberes que conduzem a prática docente.

O que configura a profissionalização de professor, tendo em vista que seu objeto de trabalho constitui-se em um diálogo constante com emoções, valores, sentimentos e formas singulares de experiências humanas, com uma infinidade de objetivos? Em que momento a presença das características da profissão substitui o ofício?

Os padrões de competências da docência constituem desafios determinados pelos vários saberes, dentro de um contexto marcado por paradigmas de renovação do profissionalismo desde a segunda metade do século passado. Os vários debates e análises

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até então, tentam romper ou encontrar os limites característicos da profissão docente sem considerar tal fenômeno, segundo Tardif (2000):

[...]historicamente falando, nos últimos vinte anos, a profissionalização da área educacional se desenvolveu em meio a uma crise geral do profissionalismo e das profissões, inclusive das profissões mais bem assentadas como a medicina, o direito e a engenharia.[...]A crise a respeito do valor dos saberes profissionais, das formações profissionais, da ética profissional e da confiança do público nas profissões e nos profissionais constitui o pano de fundo do movimento de profissionalização do ensino e da formação para o magistério (pp. 8,9).

A complexa realidade dos saberes, dentro do universo da epistemologia da prática, é que permite definir a identidade dos profissionais da docência e ao mesmo tempo compreender as marcas produzidas pelo árduo trabalho do magistério,

[...]pois trabalhar não é somente fazer alguma coisa, mas fazer alguma coisa a si mesmo.[...]Ora se o trabalho modifica o trabalhador e sua identidade, modifica também, sempre com o passar do tempo o seu “saber trabalhar”. De fato, em toda ocupação, o tempo surge como um fator importante para compreender os saberes dos trabalhadores na medida em que trabalhar remete a aprender a trabalhar, ou seja, a dominar progressivamente os saberes necessários a realização do trabalho[...] (Tardif & Raymond, 2000, p. 210).

Voltando ao diálogo, como elemento subjetivo da profissão docente, quando este supõe a construção harmônica dos sujeitos, objetivos e função da escola, cumpre destacar aqui o complexo ambiente escolar, inserido no tecido social e que determina aqueles saberes necessários à profissão docente.

A escola ainda permanece descontextualizada, de todos os fenômenos sociais presentes à sua volta. Petrificada em conceitos que a distanciam de sua tão propalada transformação. A subjetividade capitalista, que busca bem-estar, prazer, autonomia, realização pessoal, não se reconhece na práxis educacional. Esse não reconhecimento torna-se mais visível, especialmente nas relações pertinentes na sala de aula, quando os docentes sentem-se abandonados ao vácuo, muitas vezes incapazes de desconstruírem a si próprios e suas práticas, impossibilitados de discernirem quais caminhos pedagógicos seguirem, para dar conta daqueles saberes necessários para que de fato o conhecimento crítico-reflexivo ocupe a centralidade da práxis.

A reprodução da instrumentalização da prática pedagógica, dentro das abordagens curriculares, a complexidade das ações frente aos educandos, as contínuas mudanças de diretrizes político-pedagógicas, as mudanças nos comportamentos de crianças e jovens, as normas institucionais proveniente de regimentos internos, que dispõem sobre a trajetória de

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discentes e docentes mergulha-os na apostasia, não lhes permite subverter essa condição e consequentemente exercer a docência investigativa, visto que o instrucionismo permanece, como exemplifica Demo (2010) através das tecnologias:

A escola porém, tende a encolher-se em seus usos e costumes, mesmo proclamando a “transformação social”. Por exemplo, foi decantada em prosa e verso a “lousa eletrônica”. Permite maleabilidade acentuada (pode ser gravada se houver na sala ambiente de internet; o que se escreve pode ser deslocado; pode ser apagada e refeita,etc), mas, quase sempre, para sustentar a velha aula. Aproveita-se como confirmação de práticas absoletas, já que serve principalmente para facilitar que o aluno a copie/grave, sem maior esforço em seu computador.[...]O instrucionismo continua o mesmo, ainda que agora inserido no mundo digitalizado (pp. 866-867).

E ainda afirma:

A noção de que aluno aprende escutando aula, tornou-se petrificada, não admitindo sequer discussão preliminar. Em parte, isso se deve ao fato de que a maioria dos docentes não saberia fazer outra coisa, não por “culpa” mas por formação deficiente. Condições precárias de trabalho também colaboram em manter o baixo desempenho (Demo, 2010, pp. 867-868).

Quando a imagem do (as) aluno (as) se altera, o principal efeito talvez seja que a imagem docente é reconstruída Arroyo (2004). Neste sentido, as propostas pedagógicas não estão dando visibilidade àqueles saberes que podem aproximar-se das necessidades intelectuais investigativas dos educandos,

As mudanças educativas demandadas pelos educandos amedrontam os docentes não apenas porque mexem no seu controle sobre o trabalho, mas porque ameaçam seus saberes docentes. O fazer docente é alterado, mas também é alterado o conjunto de saberes aprendidos nas situações de trabalho.[...]Os primeiros a perceber que seus saberes ficam interrogados pelos educandos são os docentes. Como se percebessem em sua sensibilidade de trabalhadores que seu trabalho e os saberes e valores de seu trabalho entrarão em jogo (Arroyo M. G., 2004, p. 179).

Como reconhecer, as mudanças que historicamente constroem aqueles alicerces, em que os saberes docentes, ganham dimensões transformadoras, de si próprios e dos educandos? A capacidade de aceitar os embates nos processos de aprendizagem, também demanda a compreensão dos docentes em problematizarem suas práticas e esvaziarem e repensarem seus conceitos, relacionados com a apreensão do conhecimento por eles próprios e seus educandos,

Para os docentes, o grande desafio é aceitar-se “discutível”, em nome do conhecimento sempre discutível. Surgem novas epistemologias – novos modos de lidar com o conhecimento – nem todas alvissareiras, mas que se vão impondo e desconstruindo a velha academia. [...]Antes de proclamar-se inovador, é imprescindível saber inovar-se, ou seja, aplicar-se a si mesmo a desconstrução. Sem falar que este procedimento pode ser

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doloroso ao extremo contradita a história docente que tende a ver-se como indiscutível (Demo, 2010, pp. 866-868).

O embate retira docentes e educandos da comodidade, reaviva e constrói saberes, causa inquietude, espanto, ansiedade, determina a inclusão de todos em processos investigativos embricados de reflexão e criatividade, onde os atores compreendem as trajetórias de cada um e as ressignificam para si próprios e os outros, desta forma, reaprendem a escutar e ver.

Isso implica em diálogo que possa transgredir: a rotina laboral da escola com seus horários de entrada e saída, início e término de aulas, a fragmentação do conhecimento em disciplinas, a convivência com as mudanças extremas nos comportamentos dos jovens, conceitos arcaicos de conhecimento, e trazer para o interior desses, a riqueza subjetiva própria da condição humana, que não pode ser ignorada.

Repensar o “fazer pedagógico” respeitando o tempo, o espaço, a autonomia como construtores das identidades e consequentemente dos saberes que dialogam no espaço escolar, seria uma instigação necessária,

[...] rever o pensamento pedagógico e docente, inverter suas categorias, incorporar uma visão totalizante do ser humano. Uma maior sensibilidade e escuta para com os educandos em suas concretudes biológicas, sociais, étnicas, raciais, culturais, poderá ser um caminho para o repensar pedagógico e docente (Arroyo M. G., 2004).

Nessa perspectiva, seria possível interferir, para que as transformações acontecem nos diferentes campos teóricos-metodológicos, que caracterizam os saberes docentes e desta forma aprofundar as discussões da especificidade da profissão

3.2. Experiências de vidas, vivências pedagógicas na educação de jovens e adultos

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