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O DIAGNÓSTICO DO PROBLEMA

No documento Coleção Jovem Jurista 2013 (páginas 141-144)

Conclusão: Guia de boas práticas

1. O DIAGNÓSTICO DO PROBLEMA

No dia 18 de janeiro de 2013, três Ações Diretas de Inconstitucionalida- de (ADIs) foram ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no Supremo Tribunal Federal (STF). As ações, que receberam os números ADIs 4901, 4902 e 4903, têm por objetivo a declaração de inconstitucionalidade de diversos dispositivos do novo Código Florestal (Lei no 12.651 de 25 de maio de

2012) e da Lei no 12.727 de 17 de outubro de 2012, responsável por suas alte-

rações. Um dos principais argumentos das ações, que ainda não foram julgadas, é a existência de violações ao “princípio da vedação do retrocesso ambiental”.

Antes de mais nada, vale, mesmo que de maneira breve, entender o objeto de cada uma dessas ações. Na ADI 4901, os temas questionados estão principal- mente ligados às áreas de reserva legal. A PGR condena a redução e a dispensa de constituição da reserva legal, bem como a previsão de compensação destas áreas sem que haja identidade ecológica entre as áreas compensadas. Também é objeto do questionamento da PGR a permissão de plantio de espécies exóticas para recomposição da reserva legal6. Os dispositivos impugnados são: parágra-

fos 4o, 5o, 6o, 7o e 8o do art. 12; parágrafo 1o do art. 13; art. 15; art. 28; parágrafo

3o do art. 66; parágrafo 2o do art. 48; parágrafo 5o, II e II e parágrafo 6o do art.

66; art. 67; e art. 68, todos da Lei 12.651/12.

A ADI 4902 questiona previsões que tratam da recuperação de áreas des- matadas, como a anistia de multas que isenta de responsabilidade quem desma- tou até o dia 22 de julho de 2008. Segundo a PGR, o novo Código Florestal permite que novas áreas sejam desmatadas sem que desmatamentos anteriores sejam recuperados. Além disso, também é objeto desta ação a possibilidade de consolidação de danos ambientais decorrentes de infrações anteriores a 22 de julho de 20087. A ADI 4902 impugna os seguintes dispositivos: parágrafo 3o

do art. 7o; parágrafos 4o e 5o do art. 59; e arts. 60, 61-A, 61-B, 61-C, 63, 67 e

78-A, todos da Lei 12.651/12.

A ADI 4903, por sua vez, questiona os conceitos de utilidade pública, in- teresse social, nascente e leito regular, além dos dispositivos que trazem a dei ni- ção de área de preservação permanente (APP). São os dispositivos impugnados: art. 3o, VIII, IX, XVII, XIX e parágrafo único; art. 4o, III, IV, parágrafos 1o, 4o,

5o e 6o; art. 5o; parágrafo 2o do art. 8o; art. 11; e art. 62.

No bojo da argumentação das três ações é possível encontrar semelhantes alegações de inconstitucionalidade dos dispositivos mencionados por violação

6 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=228842. Último acesso em 06 abril 2013.

ao que os autores das ADIs chamam de “princípio da vedação do retrocesso ambiental”. Especii camente na ADI 4901, encontra-se, entre outros, que “a re- dução das áreas de reserva legal (...) constitui retrocesso ambiental”8. Já na ADI

4902, cita-se, a título de exemplo, a passagem que ai rma que “o § 4° e o § 5° do art. 59 e o art. 60 da Lei 12.651/12 violam (...) os princípios da vedação do re- trocesso em matéria socioambiental”9. Por último, destaca-se na ADI 4903 que

“a exclusão da proteção das nascentes e dos olhos d’água intermitentes, assim como das nascentes que não dão origem a cursos d’água (...) constitui evidente retrocesso na legislação ambiental”10.

Além disso, nas petições iniciais das três ações é possível encontrar a se- guinte ai rmação: “além de afrontar os deveres fundamentais, as normas im- pugnadas violam o princípio da vedação de retrocesso social, pois, de forma geral, estabelecem um padrão de proteção ambiental manifestamente inferior ao anteriormente existente”.

Essa argumentação com base no “princípio da proibição do retrocesso” gera uma série de perguntas não respondidas pelos autores das ações. Por que a redução das áreas de reserva legal constitui retrocesso ambiental? Aliás, o que é retrocesso ambiental? Existe alguma hipótese de redução de reserva legal que não viole o princípio da vedação do retrocesso? O mesmo vale para a exclusão da proteção das nascentes e olhos d’água: em que medida isso é um evidente retrocesso na legislação ambiental? Como dei nir que um padrão de proteção ambiental é manifestamente inferior ao anteriormente existente?

Merece ainda destaque a ADI 4529, ajuizada em dezembro de 2012 tam- bém pela Procuradoria-Geral da República, que questiona os arts. 3o, XII e 24,

VII e XI, da Lei Complementar no 38/95 (instituidora do Código Ambiental

do Estado do Mato Grosso), em face da Resolução CONAMA no 01/86. Ba-

sicamente, a discussão gira em torno do licenciamento ambiental de empreen- dimentos hidrelétricos com potencial entre 10 e 30MW. O Código Ambiental do Mato Grosso dispensou, para esses empreendimentos, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Ocorre que a Resolução CONAMA no 01/86, diploma fede-

ral que cuida do assunto, considera que empreendimentos hidrelétricos acima de 10MW devem elaborar o EIA.

8 Petição inicial da ADI 4901, parágrafo 55. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pagina- dor.jsp?docTP=TP&docID=3356327. Último acesso em 06 abril 2013.

9 Petição inicial da ADI 4902, parágrafo 80. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pagina- dor.jsp?docTP=TP&docID=3356303. Último acesso em 06 abril 2013.

10 Petição inicial da ADI 4903, parágrafo 83. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pagina- dor.jsp?docTP=TP&docID=3356309. Último acesso em 06 abril 2013.

Entre outros argumentos, a PGR alega que “a legislação mato-grossense, à vista do parâmetro federal, coni gura, também, evidente retrocesso”. Para em- basar sua argumentação, cita trabalho doutrinário de Ingo Sarlet e Tiago Fens- terseifer no sentido de que a i nalidade da vedação do retrocesso é preservar o bloco normativo já construído no ordenamento jurídico para impedir a supres- são ou a restrição de direitos fundamentais. Segundo os autores, especii camen- te em relação ao meio ambiente, devem ser proibidos os retrocessos que tornem a norma menos rigorosa no que tange a parâmetros de proteção ambiental. E é só. Na petição inicial não há detalhamento acerca do conceito de retrocesso ambiental, de suas hipóteses coni guradoras, muito menos de explanação que comprove que o caso em questão é mesmo de retrocesso.

De maneira geral, a vedação do retrocesso pode ser interpretada como ver- dadeiro limite à atuação do legislador. Isso porque não poderá ser editada nova legislação que retire do patrimônio jurídico dos indivíduos determinado pata- mar de proteção de um direito fundamental já garantido por lei anterior. O legislador, portanto, i ca vinculado não ao conteúdo de decisões do constituinte, hierarquicamente superior, mas ao conteúdo de decisões de um legislador que o antecedeu. Além de representar limitação à atuação do Poder Legislativo, a aplicação da vedação do retrocesso pode trazer consequências graves para a socie- dade de hoje, que vai ser regulada por leis editadas há anos. O ordenamento ju- rídico pode i car engessado com leis que não mais fazem sentido nos dias atuais. Justamente para não incorrer nesses problemas é que a vedação de retroces- so deve ser dei nida com critérios objetivos, de maneira a permitir que se saiba as situações nas quais deve e as situações nas quais não deve ser aplicada.

Na esfera do meio ambiente há um problema especíi co. O direito ambien- tal, em grande parte dos casos, está em constante e intenso conl ito com outros princípios materiais de igual relevância constitucional, como, por exemplo, o direito de propriedade, o desenvolvimento econômico e a livre iniciativa, só para citar alguns. Avançar na proteção ambiental, portanto, pode signii car re- troceder na proteção destes, que, como direitos fundamentais que são, também estão abarcados pela vedação do retrocesso. Esta parece ser a questão mais pro- blemática da utilização da vedação do retrocesso pelo direito do meio ambiente, visto que não há porque acreditar que o retrocesso ambiental deva prevalecer sobre outros retrocessos. Portanto, falar em “retrocesso” é falar de qual retro- cesso: do direito ambiental ou de eventual direito conl itante? Em havendo conl ito, deve-se, necessariamente, considerar todos os direitos fundamentais envolvidos. Para ilustrar o mencionado conl ito, coni ra-se o seguinte caso con- creto: um dos dispositivos questionados pela ADI 4903 ajuizada pela PGR é o

art. 5o, da Lei 12.651/12, que reduz o tamanho das áreas de preservação per-

manente no entorno de reservatório artii cial d’água. Na vigência da antiga le- gislação, essas APPs eram de 30 metros para os reservatórios localizados em área urbana e de 100 metros para os localizados em área rural. Com a promulgação da nova lei l orestal, essas APPs passaram a ser de, no mínimo, 15 e 30 metros, respectivamente. Diante dessa redução, a PGR alega que houve violação à ve- dação do retrocesso ambiental. Não é demais repetir que aludida alegação veio desacompanhada de maiores detalhes acerca da explicação do instituto, de suas hipóteses coni guradoras, bem como de indicadores capazes de medir o que é retrocesso. Nesse caso, há um evidente conl ito entre o direito ambiental e o direito de propriedade, ambos direitos considerados fundamentais e protegidos pela obrigação de não retroceder. Avançar na proteção ambiental signii caria restringir o direito de propriedade, assim como avançar na promoção do direito de propriedade signii caria restringir a proteção ambiental.

Sendo assim, é necessário avaliar, em cada caso concreto, qual é o retro- cesso mais importante, ou seja, qual retrocesso deve ser efetivamente proibido diante de determinadas condições jurídicas e fáticas. Não se pode permitir que sempre se dê mais importância ao retrocesso ambiental, pois não há como dizer,

a priori e em todo e qualquer caso imaginável, que necessariamente estamos

diante de um direito mais importante que deve sempre prevalecer.

Diante desse cenário, surgem alguns questionamentos: o que conta como retrocesso? Como é possível identii cá-lo? É retrocesso para onde? Saber quais são as delimitações conceituais do instituto ora tratado se torna questão ainda mais relevante na seara ambiental, tendo em vista os conl itos acima exemplii cados.

No documento Coleção Jovem Jurista 2013 (páginas 141-144)