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VEDAÇÃO DE RETROCESSO NA ESFERA AMBIENTAL: REORGANIZANDO AS IDEIAS

No documento Coleção Jovem Jurista 2013 (páginas 163-167)

Conclusão: Guia de boas práticas

3. VEDAÇÃO DE RETROCESSO NA ESFERA AMBIENTAL: REORGANIZANDO AS IDEIAS

Como se viu, a doutrina trabalha a ideia de vedação do retrocesso ambiental dentro de uma matriz teórica de princípio constitucional53. De fato, seja como

princípio, seja como modalidade de ei cácia de princípio, a vedação do retro- cesso se insere no vocabulário da teoria dos princípios. Resta analisar, portanto, mesmo que de forma breve, o que preceitua esta teoria e como ela dei ne o que é um princípio. A dei nição aqui utilizada será a de Robert Alexy, visto que seu pensamento é encontrado com bastante frequência na literatura brasileira54.

Com efeito, a teoria dos princípios parte da distinção das espécies normativas. Na concepção de Alexy, regra e princípio guardam entre si uma distinção qualitati- va/estrutural, e não de grau, embora este último seja um critério tradicional para a distinção em questão. Os princípios seriam mandamentos de otimização, ou seja, seriam caracterizados pela possibilidade de serem satisfeitos em graus variados e pelo fato de que sua satisfação depende das possibilidades fáticas jurídicas55. Nesse

sentido, “princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior me- dida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”56.

53 É importante dizer que, por conta de limitações de tempo e de espaço, não faz parte do escopo desse trabalho traçar uma análise crítica quanto à natureza jurídica da vedação de retrocesso. Com efeito, presume-se que o aludido instituto pode sim ser trabalhado na teoria dos princípios, conforme entendi- mento majoritário da doutrina. Não obstante, não se descarta a possibilidade de, a partir de uma análise profunda do tema, verii car-se que, na verdade, a vedação de retrocesso não possui natureza de princípio. 54 Cf, e.g., BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro:

Renovar, 2005; SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002; e ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da dei nição à aplicação dos

princípios jurídicos. 4. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2004.

55 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 87-90. 56 Idem.

Ocorre que, muitas vezes, a realização completa de um princípio pode ser impedida pela realização de outro princípio57. Com efeito, quando uma

mesma situação é permitida por um, mas proibida por outro princípio, coni - gura-se, de acordo com a denominação proposta por Alexy, uma colisão entre princípios. Nesses casos, um dos princípios não conseguirá ser realizado na sua maior medida possível e terá que ceder. Não obstante, o princípio cedente não perderá sua validade nem ganhará uma cláusula de exceção. A precedên- cia de um princípio se dá, apenas, sob determinadas condições. Diante de outras condições, a relação de precedência pode ter outro resultado. Por isso é que se diz que princípios têm diferentes pesos e terá precedência aquele que tiver maior peso58.

Neste sentido, o autor alemão conclui que há uma forte conexão entre a teoria dos princípios e a máxima da proporcionalidade em suas três máximas parciais. No que tange à proporcionalidade em sentido estrito, esta rel ete a exigência de sopesamento que decorre da relativização em face das possibilidades jurídicas. As máximas da adequação e da necessidade, por outro lado, decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas59.

Portanto, Alexy entende que princípios não expressam um mandamento dei nitivo, mas apenas prima facie60, podendo, assim, sofrer limitações após o

sopesamento com outros princípios em colisão.

É por isso que a maioria dos autores rejeita por completo a ideia de um princípio da vedação do retrocesso absoluto, uma que vez que, se assim fosse considerado, perderia, na verdade, a sua própria natureza de princípio. Nas palavras de José Vicente dos Santos Mendonça:

claro está que não se pode pensar numa vedação absoluta do retrocesso dos direitos sociais. A Constituição aberta e plúrima, l exível à interpreta- ção/concretização por meio do legislador infraconstitucional — o qual se serve dos cambiantes dados da realidade fática para estabelecer determi- nado padrão de normação — haver-se-ia transformado, à custa da vedação absoluta, numa Constituição dura como pedra (grifos no original)61.

57 SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, no1, 2003, pp. 607-630.

58 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 93 e 94. 59 Idem, pp. 117 e 118.

60 Idem, p. 104.

61 MENDONÇA, José Vicente dos Santos. Vedação do retrocesso: o que é e como perder o medo. In: BINEN- BOJM, Gustavo (coord.). Direitos Fundamentais — Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, vol. XII. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pp. 205-236.

Veja, também nesse sentido, lição de Ingo Sarlet:

não há como sustentar uma vedação absoluta de medidas restritivas na esfera dos direitos sociais prestacionais, já que nem mesmo os direitos

fundamentais sociais expressamente consagrados na Constituição — os quais integram inequivocamente o rol das ‘cláusulas pétreas’ do art. 60, par. 4o, da CF de 1988 são imunes a restrições (grifou-se)62.

Na mesma linha, observa Herman Benjamin:

claro, não se trata aqui de pretender conferir caráter absoluto ao prin-

cípio da proibição de retrocesso, sendo um exagero admitir tanto a

liberdade irrestrita do legislador, como, no âmbito de sua autonomia legislativa, vedar-lhe inteiramente a revisibilidade das leis que elabora e edita. O princípio da proibição de retrocesso não institui camisa de força ao legislador e ao implementador, mas impõem-lhes limites não discricionários à sua atuação (grifou-se)63.

Tendo em vista que a doutrina trata da vedação do retrocesso dentro de um quadro teórico preenchido pela teoria dos princípios — que rejeita por completo a existência de princípios absolutos —, era mesmo de se esperar que se posicionasse conforme acima demonstrado.

Ocorre que na aplicação da vedação do retrocesso ambiental restam coni - gurados dois tipos de conl itos diferentes. Primeiro, um conl ito entre a vedação do retrocesso e o princípio democrático, comum a qualquer direito fundamen- tal ou social — por isso, não é o principal objetivo deste trabalho analisa-lo. O que se pretende aqui pensar é em um segundo conl ito, muito mais complexo e peculiar ao direito ambiental, qual seja, aquele no qual dois direitos fundamen- tais de hierarquia constitucional entram em colisão. O problema aqui parece ser mais grave: como conciliar a restrição dos princípios colidentes sem incorrer em retrocesso? Como se viu na teoria de Alexy, não é possível admitir que um sempre prevaleça, é necessário analisar as condições fáticas e jurídicas do caso concreto para determinar a relação de prevalência. Nessa esteira, não se pode atribuir maior relevância ao direito ambiental, tampouco permitir que ele pre-

62 SARLET, Ingo Wolfgang. O Estado Social de Direito, a proibição do retrocesso e a garantia fundamental da

propriedade. In: Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, no 17, 1999, pp. 111-132.

63 BENJAMIN, Antonio Herman. Princípio da proibição de retrocesso ambiental. In: Senado Federal. Prin-

cípio da proibição de retrocesso ambiental. Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscali-

zação e Controle. Brasília, 2011, pp. 55-72. Disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/ id/242559/1/000940398.pdf. Último acesso em 21 abril 2013.

valeça em todas as colisões. O operador do direito deverá, em cada caso, decidir qual princípio prevalecerá por meio do exame de proporcionalidade.

Segundo preceitua Gustavo Binenbojm e ensina a maioria da doutrina, o postulado da proporcionalidade funciona como verdadeiro instrumento da ponderação. Nas suas três etapas, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, “a proporcionalidade guiará o itinerário lógico a ser percor- rido (...) com vistas à máxima realização dos interesses em jogo e a causação do menor sacrifício possível de cada um deles”64.

No entanto, não é bem assim que se opera a vedação do retrocesso na seara ambiental. A doutrina e a jurisprudência parecem não enxergar a existência des- se complicado conl ito entre direitos fundamentais. Há uma evidente cegueira para a possibilidade de restrições recíprocas, na medida em que as colisões de direitos fundamentais são encaradas como potencial de retrocesso apenas para o direito ambiental. O exame de proporcionalidade, portanto, é feito unilate- ralmente, o que acaba por privilegiar, sem qualquer embasamento jurídico, o direito ambiental em detrimento de qualquer outro que esteja em colisão.

Por que há tamanha dii culdade de se enxergar o aludido conl ito na seara ambiental? Uma hipótese plausível é a de que o direito do meio ambiente, no debate jurídico brasileiro, está intrinsicamente ligado ao direito à vida. Assim, falar na proteção do meio ambiente é o mesmo que falar, em primeiro plano, na proteção do direito à vida. E não só da vida das presentes, mas também das futuras gerações. Veja alguns exemplos na doutrina:

e mesmo que custos, até elevados, estivessem associados ao princípio da proi- bição de retrocesso ambiental (o que não é o caso, repita-se), como se trata de resguardar as bases da vida, e, amiúde, salvar, literalmente, vidas huma-

nas, em nada se justii caria economizar aqui para gastar acolá... (grifou-se)65.

o Direito Ambiental contém uma substância estreitamente vinculada ao mais intangível dos direitos humanos: o direito à vida, compreendido como um direito de sobrevivência em face das ameaças que pesam sobre o Planeta, pelas degradações múltiplas do meio onde estão os seres vivos (grifou-se)66.

64 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e consti-

tucionalização. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 107.

65 BENJAMIN, Antonio Herman. Princípio da proibição de retrocesso ambiental. In: Senado Federal. Prin-

cípio da proibição de retrocesso ambiental. Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscali-

zação e Controle. Brasília, 2011, pp. 55-72. Disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/ id/242559/1/000940398.pdf. Último acesso em 21abril 2013.

66 PRIEUR, Michel. Princípio da proibição de retrocesso ambiental. In: Senado Federal. Princípio da proi-

Coni ra, também, exemplos na jurisprudência:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL — DIREITO AM- BIENTAL— AÇÃO CIVIL PÚBLICA — COMPETÊNCIA DA JUS- TIÇA FEDERAL — IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL — PEDIDO GENÉRICO — ARBITRA- MENTO DO QUANTUM DEBEATUR NA SENTENÇA: REVI- SÃO, POSSIBILIDADE — SÚMULAS 284/STF E 7/STJ.

(...)

6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da

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