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3.1 Conceitos Gerais

3.1.4 Águas

3.1.4.1 O Direito à Água como Direito Fundamental

A água é um bem indispensável à vida, e como tal, integra o rol dos bens ambientais protegidos pela Constituição brasileira de 1988, nos artigos 20, III e 26, I, que definiram a dominialidade sobre os bens da União e dos estados, respectivamente. Os recursos hídricos, por sua vez, foram objeto de anotação constitucional no art. 21, XIX, regulamentado pela lei 9.433/97, que criou a política nacional de gerenciamento dos recursos hídricos.

A água, portanto, integra o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, indispensável para a sadia qualidade de vida da nossa geração e das gerações futuras. Na doutrina de Paulo Affonso Leme Machado78, essa mesma opinião é defendida: “a água é um dos elementos do meio ambiente. Isto faz com que se aplique à água o enunciado no caput do art. 225 da Constituição Federal...”

Outrossim, sendo a água indispensável à sobrevivência, é extensão do direito à vida. Paulo Affonso Leme Machado79, ao analisar essa questão acrescenta que a       

76

GRANZIERA. Maria Luiza Machado. op. cit., p. 36.

77

Ibidem. p. 27-44.

78

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Recursos Hídricos. Direito Brasileiro e Internacional. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 24.

7979

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reafirma, por isso, a garantia à inviolabilidade do ‘direito à vida’ (art. 5.º, caput).

Se, por um lado, a água proporciona muitos usos, anotam Studart et alii80, tais como abastecimento, diluição, habitat para plantas e animais, por outro, a sua simples presença na paisagem, seja em forma de lagos ou de rios, faz bem ao homem. Isto quer dizer que a água tem um valor intrínseco.

Uma outra dimensão que coloca o direito à água como um bem fundamental é a sua dimensão econômica. Aldo C. Rebouçaset alii81, fazem uma descrição do contexto hidroclimático relacionado diretamente com a dimensão econômica da água.

Nas regiões com excedente hídrico, os cursos de água, encharcados ou pantanais são perenes, as águas subterrâneas são fartas, consolidando- se uma idéia geral de abundância e de inesgotabilidade. Nas regiões com déficit hídrico, ao contrário, as águas podem tornar-se, local e ocasionalmente, escassas, resultando na idéia de esgotabilidade, fator limitante à vida e ao desenvolvimento das atividades antrópicas.

O desenvolvimento da humanidade ocorreu nesses dois contextos hidroclimáticos, resultando em distintas percepções, atitudes, instrumentos legais, institucionais e de gerenciamento das águas. Todavia, a partir da Revolução Industrial, o crescimento desordenado e localização das demandas, associado aos processos de degradação da qualidade da água, vem engendrando sérios problemas de escassez – quantitativa e qualitativa – e conflitos de uso, até mesmo nas regiões naturais com excedente hídrico.

É estratégico para a manutenção da vida e para o desenvolvimento sustentável a inserção do direito à água como indispensável ao desenvolvimento econômico. Dados das Nações Unidas82 informam que, até 2025, um terço dos países terá seu desenvolvimento freado pela falta de água. Em1990, já eram 28, com um total de 335 milhões de habitantes.

      

80

STUDART, Ticiana M. Carvalho e Nilson Campos. Gestão de Águas in Gestão de Águas. Princípios e

Práticas. . Porto Alegre: ABRH, 2001, p. 66.

81

REBOLÇAS, Aldo da Cunha. BRAGA, Benedito. TUNDISI, José Galizia. (orgs.). op. cit., p. VI.

82

FREITAS, Vladimir Passos de. (coord.). Águas. Aspectos Jurídicos e Ambientais. Curitiba: Juruá Editora, 2001, p. 18.

Ademais, a água é um bem insuscetível de apropriação privada exatamente porque é indispensável à vida, anota José Afonso da Silva83, sendo, por isso, bem de uso comum, tanto que ninguém pode, conclui o supracitado autor, licitamente, impedir que o sedento sorva a água tida como de domínio particular. Essa dimensão de imprescindibilidade do bem jurídico água é anterior ao próprio direito, observa Granziera84, sendo, portanto, elemento intrínseco a sua sobrevivência.

Por sua vez, Paulo Affonso Leme Machado85 assevera que a existência humana – por si só – já garante ao ser humano o direito a consumir água e ar. Citando Riccardo Petrella, conclui: “Água é direito à vida, portanto, negar água ao ser humano é negar-lhe o direito à vida. Sendo que o direito à vida é anterior aos outros direitos.”

Como direito fundamental, o acesso à água independe do pagamento para o consumo e abastecimento em caráter insignificante, ou seja, não será objeto de cobrança o consumo humano: o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural; as derivações, captações e lançamento considerados insignificantes e as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes, (ex vi lei 9.433/97, art. 12, § 1.º, II).

Sobre o fato de não estar incluído – o direito a água – no rol do Art. 5.o. da CF/88, ao analisar o Direito Constitucional Fundamental português, J. J. Gomes Canotilho86 observa que a solução dada pela Constituição Portuguesa foi criar um regime geral de direitos fundamentais e um regime específico de direitos, liberdades e garantias de natureza análoga87. Na distinção do constitucionalista de além-mar, um regime geral dos direitos fundamentais “é um regime aplicável a todos os direitos       

83

SILVA, José Afonso da. op. cit. p. 85.

84

GRANZIERA, Maria Luiza Machado. op. cit., p. 232.

85

MACHADO, Paulo Affonso Leme. (2002).op. cit., p. 13.

86

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição 4. Edição. Coimbra: Almedina, 2000, p. 407.

87

Ibidem, p. 407: Um regime específico dos direitos, liberdades e garantias, é uma disciplina jurídica da natureza particular, consagrada nas normas constitucionais, e aplicável, em via de princípio, aos ‘direitos, liberdades e garantias’ e aos direitos de ‘natureza análoga’.

fundamentais, quer sejam consagrados como ‘direitos, liberdades e garantias’ ou como ‘direitos econômicos, sociais e culturais’, e quer se encontrem no ‘catálogo dos direitos fundamentais’ ou fora desse catálogo, dispersos pela Constituição”; comparativamente, é o caso, pois, do direito fundamental à água.