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2 O ENCARCERAMENTO DE MULHERES NO BRASIL E O DIREITO A

2.3 O Direito a Convivência Familiar no Estatuto da Criança e do

Considerando que os filhos e filhas das mulheres presas possuem direitos assegurados em relação à convivência com a mãe, mesmo que no cárcere, vislumbra-se a necessidade de destacar as legislações que a amparam, destacando o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e o ECA, art. 6º que explicitam os direitos das crianças quando a mãe estiver sob custódia do Estado.

Neste sentido, devemos observar o art. 9º do ECA (VADE MECUM, 2013, p.1.043) que estabelece que “O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade”.

Assim, quando a mulher estiver encarcerada deve ser oportunizada a possibilidade de permanecer com seu filho junto ao cárcere, haja vista que o ECA assim estabelece, bem como a própria lei de execução penal – LEP, no art. 83, § 2º:(...) “Os estabelecimentos penais destinados à mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamenta- las, no mínimo 06 meses de idade.”

Cabe destacar ainda, que a Constituição Federal no art. 5º, inciso L, aponta que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”.

Ainda, no que tange ao ECA é ele quem apresenta a proteção integral a criança e ao adolescente, sendo por isso consideradas como sujeitos de direitos e deve ser prioridade absoluta para os operadores do direito e para a sociedade de forma geral.

Assim, faz-se necessário observar que o ECA prevê o direito a convivência familiar como norma extremamente prioritária, conforme capitulo III, seção I, arts. 19 ao 52 (VADE MECUM, 2013, p.1.044-1.050).

Desta forma, iniciando-se pela garantia de que a criança será criada por sua família e somente de forma excepcional por família substituta, conforme art. 19 do ECA que segue.

Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

Observa-se que o legislador teve a preocupação de que em primeiro lugar a família será quem prezará pelos cuidados do menor, inclusive não fez distinções entre as condições do pai e da mãe para exercer os cuidados, conforme art. 21 do Eca, que segue.

Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Ainda, destaca-se que aos pais (mãe e pai) incumbe o sustento e que a falta não será capaz de desencadear a perda ou suspensão do poder familiar, conforme segue art. 22 e 23 (caput) do ECA.

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.

Neste sentido, é importante frisar que a convivência familiar é destacada em diversos artigos como forma de assegurar de forma efetiva os direitos das crianças e adolescentes.

Ainda, diante dos institutos legais presentes no ordenamento jurídico, nada mais justo de que fossem cumpridas tais determinações pelo Estado que é o detentor de poder na execução das penas.

Ocorre que na prática isso não acontece e as crianças na maioria das vezes são cerceadas do direito de conviver com a mãe que está privada de liberdade, conforme aponta Rita (2006, p.71):

A situação do atendimento infantil aos filhos de mulheres encarceradas além de ser assunto polêmico, necessita de uma maior visibilidade nas esferas das politicas sociais, criminais e penitenciárias.

Assim, não podemos negar que a situação que o cárcere se encontra de uma maneira geral é por total desinteresse do poder público e no que tange a convivência das crianças com as mães é extremamente limitado e até mesmo não respeitado, embora haja previsão legal expressa.

Ainda, conforme Maldonado (2002)

compreende-se que os primeiros meses após o parto marcam um período importante quanto à formação do vínculo mãe-bebê, podendo determinar a qualidade da ligação afetiva que irá se estabelecer posteriormente. Sendo que este momento é fundamental para o estabelecimento de vínculos afetivos fortes e estáveis, fase em que se estabelece o contato físico, a identificação recíproca e em que são despertados os primeiros estímulos sensoriais e emocionais da criança.

A situação se torna muito especial quando as mães e os bebês estão dentro de uma penitenciária, longe de outras pessoas da família e a separação é imposta pela lei. Desta maneira, torna-se essencial garantir que a relação mãe-bebê seja potencializada para promover condições favoráveis para o desenvolvimento da criança, mesmo que a mulher não possa alimentar seu bebê, a permanência entre mãe e filho deve ser considerada a partir da análise da importância destas relações para a constituição subjetiva e social da criança.

Cabe destacar ainda que a fixação de prazo para que o filho permaneça com a mãe é diferente no território Brasileiro, embora a LEP estabeleça os seis meses, bem como que em apenas três penitenciárias femininas há espaço físico destinado a amamentação e berçário.

Segundo os dados colhidos pela Pastoral Carcerária nas unidades prisionais do Espírito Santo (Penitenciária Estadual Feminina), Distrito Federal (Penitenciaria Feminina), Bahia, Amapá há informações que as crianças podem permanecer até seis meses com suas mães. No Rio

Grande do Sul (Penitenciária Feminina Madre Pelletier), as crianças podem permanecer até os 3 anos de idade, já no Rio de Janeiro (Instituto

Materno Infantil), até 12 meses. No Estado do Amazonas, as mães podem ficar com os filhos apenas 15 dias após o seu nascimento e em Pernambuco até 10 meses.

A maioria dos presídios não está preparada para o abrigo de crianças, assim, a amamentação, muitas vezes é feita nas celas. Na pesquisa da Pastoral Carcerária foram encontrados apenas três Estados que

informaram existir esse espaço nas instalações das penitenciárias

femininas: Espírito Santo (Penitenciária Estadual Feminina), Distrito Federal (Penitenciária Feminina do estado) e Amapá (Penitenciária Feminina do Estado). O Estado de São Paulo tem uma unidade direcionada especificamente para amamentação. Pará (Penitenciária do estado), e

Amazonas (Complexo Penitenciário Humaitá) informaram que não apresentam berçários em suas unidades prisionais femininas. (Fonte: Relatório das Mulheres Encarceradas no Brasil, 2007, grifo nosso).

Assim, conforme se observa no relatório destacado acima o Estado do Rio Grande do Sul é que dispõe do maior tempo em que as mulheres encarceradas podem ficar junto com os filhos, até os 3 anos de idade.

Ainda, o mesmo relatório aponta que após o período determinado para que os filhos permaneçam com as mães, o local onde estes ficarão é em muitas vezes incerto e não há politicas públicas que resguardam o direito do menor de forma eficaz, conforme segue.

Importante salientar que muitas vezes é incerto o destino dessas crianças e o vinculo familiar não se sustenta ao longo do tempo em que a mãe está detida. Nesse sentido, a Assembléia Geral da ONU, na Resolução 58/18358, recomendou que se direcionasse maior atenção às questões das mulheres que se encontram na prisão, inclusive no tocante às questões referentes aos seus filhos. Foi indicado no Relatório da Subcomissão de Promoção e Proteção de Direitos Humanos que alta porcentagem de mulheres presas são mães e se encarregam de cuidar dos filhos, porém, de modo geral, não há políticas públicas adequadas no tratamento das presas. O relatório indicou que 87% das detentas brasileiras têm filhos, sendo que 65% delas não mantêm relacionamento com os pais das crianças (são mães solteiras), do que se pode depreender que a maior responsabilidade recai sobre as mulheres. De fato, em São Paulo, onde está abrigada, aproximadamente, 41% da população carcerária feminina do país, no último censo de 2002- sobre a gravidade e complexidade de garantias relacionadas ao assunto, especialmente a delicadeza das relações entre mães e filhos, mulheres e relações afetivas- foi observado que, na Penitenciária Feminina da Capital, 83% das mulheres declararam ter filhos, dos quais 59% viviam com a família da reclusa; o marido (ou ex-marido) conservou a guarda apenas em 6% dos casos.

Nessa esteira, a Fundação Nacional de Assistências aos Preso (FUNAP) informa que apenas 20 % das crianças ficam sob a guarda dos pais quando a mãe é presa, enquanto quase 90% dos filhos de presos homens permanecem sob os cuidados da mãe. A taxa de abandono, internação em orfanatos e mesmo nas unidades de internação de crianças abandonadas corresponde a 1/5 dos filhos das presas. Recente pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB) em 79 presídios brasileiros, entre outubro e dezembro de 2005, demonstra que leis que asseguram os direitos de mulheres e de crianças são desrespeitadas na maior parte das unidades prisionais brasileiras e que 290 crianças nascidas de mães presidiárias vivem em cadeias no Brasil. (Fonte: Relatório das Mulheres Encarceradas no Brasil, 2007).

Assim, diante de tantas constatações é inevitável perceber que o Brasil e seus estados são deficientes no atendimento das necessidades das mulheres encarceradas, pois mesmo havendo previsão normativa para que as crianças

permaneçam convivendo com suas mães, as mesmas não são efetivamente cumpridas, o que acaba por afetar diretamente o direito a convivência familiar e a dignidade de milhares de mulheres presas e, consequentemente, a de seus filhos.

2.4 Dignidade da pessoa humana e os reflexos familiares do encarceramento

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