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Ao tratar da adequação de ações judiciais aos animais não humanos é mister, incialmente, que se disponha o conceito e a natureza jurídica da ação. Didier Júnior (2013, p. 225) explica que a ação, também conhecida como demanda, é um ato jurídico que desencadeia o processo e define o objeto litigioso.

A ação é formada por três elementos principais que auxiliam em sua identificação, que Fiorillo (2012, p. 652) denomina de “dados de identidade de uma ação”: as partes, ou seja: o(s) autor(es) e o(s) réu(s), são os sujeitos processuais que participam do contraditório durante o processo, defendendo seus direitos e interesses diante do Estado-juiz; a causa de pedir, os fatos constitutivos e fundamentos jurídicos que levam ao pedido elaborado na ação, a motivação do autor, suas razões para tirar o Judiciário da inércia e tentar influenciar no livre conhecimento do julgado (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012, pp. 292-293); e, enfim, o pedido: provimento a ser seguido pelo Estado-juiz, a pretensão material do autor, o objeto mediato e imediato de toda a demanda (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 477).

O que possibilita a realização deste ato (a ação), em verdade, chama-se direito de ação. Este é um direito fundamental de conteúdo complexo, pois formado por uma diversidade situações jurídicas, “que garantem ao seu titular o poder de acessar os tribunais e exigir deles uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva” (DIDIER JÚNIOR, 2013, pp. 225-227).

Entretanto, nem sempre foi este o entendimento adotado pelos juristas no que tange ao direito de ação. A escola clássica ou imanentista, expoente de pensadores da ciência jurídica desde o Direito Romano, com Celso e Ulpiano, até o século XIX, através de Savigny, tratava a ação como o direito de pedir em juízo o que lhe é devido. Não havia, assim, a distinção entre o direito de ação e o direito material, traduzindo o processo como uma mera extensão deste último, impossível de existirem separadamente (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012, pp. 279-280).

60 Foi apenas com Windscheid, na Alemanha do século XX, que se iniciou a dissociação doutrinária do direito de ação e do direito (material) lesado. Sustentava o jurista alemão que da ação surgiam dois novos direitos: o do ofendido em se valer da tutela jurídica do Estado e o direito do próprio Estado de eliminar a situação que provocou a lesão do sujeito detentor do direito principal (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012, p. 280). A partir da disseminação e da aceitação deste pensamento, foram criadas novas teorias que propagaram a noção da autonomia do direito de ação, ou seja, de sua existência independentemente do direito subjetivo material lesionado anterior, a exemplo da teoria de Chiovenda, de que o direito de ação se trata de um direito potestativo (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 228).

Na atualidade, segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2012, p. 284), restaram, no Brasil, duas correntes distintas: a de que o direito de ação é o direito ao exercício da atividade jurisdicional e a de que é o poder de exigi-lo. Os que sustentam a segunda opinião ignoram a possibilidade de existência de uma relação jurídica sem que haja conflito de interesses entre os participantes. Isto posto, não havendo interesses conflitantes entre o Estado-juiz e o demandante, entende-se que não subsistiria relação entre autor e Estado, apenas um poder daquele em solicitar a jurisdição estatal.

Para a doutrina dominante, porém, o direito de ação é um direito subjetivo perante o Estado e o seu fornecimento do serviço jurisdicional, em razão de seu interesse em prestá- lo, de modo que não necessariamente deve haver conflito de interesses para se consubstanciar a obrigação do Estado em oferecer seu serviço como Estado-juiz (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012, pp. 284-285).

A natureza jurídica do direito de ação é, segundo a corrente majoritária no Brasil, de direito subjetivo abstrato autônomo e instrumental, não vinculado a nenhum direito material, pois sua função é permitir o ingresso em juízo de qualquer direito material, não importa qual seja a sua natureza (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 226).

Disto compreende-se que, para que haja o direito de ação, não é necessária sua decorrência de um direito material específico, porém a titularidade de um direito material gera, ainda que independentemente, o direito de ação para a apreciação do direito material em juízo. Não pode ser negada, portanto, a qualquer ser que detém direitos, a faculdade de defendê-los diante do Poder Judiciário. Não faria sentido conferir direitos a alguém se a este não é dada a chance de postulá-los e protegê-los.

61 Por esta razão é que a Constituição Federal de 1988 elegeu o direito de ação como garantia47, assegurando às partes a resposta do Estado e o contraditório, além do direito de influenciar no livre convencimento do juiz, tudo mediante o devido processo legal (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012, p. 285).

Muito embora seja uma garantia constitucional, o direito de ação pode ser regulado conforme condições impostas pelo legislador ordinário na confecção de leis processuais, como o fez nos Códigos de Processo Civil de 197348 e 20154950, por exemplo. A exigência é estipulada de maneira que a falta de qualquer das condições resulta na extinção do feito.

Ensina a Teoria Geral do Processo brasileiro que são três as condições da ação51: a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e legitimidade ad causam.

A possibilidade jurídica do pedido exige que aquilo que foi requerido na ação, de qualquer natureza, seja viável, possa ser apreciado e aceito em nosso ordenamento jurídico, eliminando a solicitação que não atenda este pressuposto, seja pela ausência de norma no mesmo sentido, seja pelo choque com preceitos de direito material ou princípios legais (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 238).

O interesse de agir, por sua vez, repousa em cada demanda de forma concreta. Não há como identificar, em abstrato, se, de fato, há o devido interesse da parte em participar do processo e no seu êxito, mas apenas ao analisar a situação narrada na ação em questão. A partir desse aclaramento é que se define se há correlação direta de influência entre o autor da ação e o resultado que busca com ela, bem como entre o sujeito e o direito subjetivo com o qual fundamenta o instrumento processual (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 246).

O exame do interesse de agir se realiza conforme a avaliação de dois fatores importantes: a necessidade do pronunciamento judicial para obter a satisfação do alegado

47 Art. 5º XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; 48 Art. 3o Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade.

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (...)

Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

49 Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.

50 Fredie Didier Júnior (2015, p. 2), um dos responsáveis pela elaboração do Código de Processo Civil de 2015,

explica que a nomenclatura “condições da ação” é doutrinária e relacionada à Teoria Geral do Processo. Optou- se por retirá-la do novo Código e dividí-las dentro dos dois únicos tipos de questões apreciadas em juízo: de admissibilidade e de mérito. Assim, o interesse de agir e a legitimidade ad causam passaram a fazer parte do juízo de admissibilidade da ação, ao passo que a possibilidade jurídica do pedido agora será avaliada no mérito do processo.

62 (unânime na doutrina) e o segundo é variável, alguns juristas elencam a adequação e outros a utilidade (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 246).

Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2012, p. 289) defendem a adequação como pressuposto, em virtude de que o provimento jurisdicional requisitado pelo autor tem de ser apto a corrigir a situação lesada apresentada, sob pena de não haver motivo para sua existência. A medida, ou seja, a ação, a via e o rito escolhido para o exercício do direito de ação devem ser hábeis a solucionar a demanda para que a ação, enquanto processo, seja digna de subsistência.

Fredie Didier Júnior52 (2013, pp. 246-247), a seu turno, afasta a adequação das condições da ação, alegando que não cabe a discussão de procedimento nesta etapa, além de defender que estes defeitos na escolha procedimental podem ser sanados durante o processo, consoante o princípio da fungibilidade, por exemplo. O autor defende a utilidade, então, como essencial ao interesse de agir. É útil o processo sempre que puder propiciar o resultado pretendido pelo demandante, quando a natureza do instrumento escolhido for condizente, apta a tutelar o direito objeto do feito.

Tem-se também, como condição da ação, a legitimidade ad causam das partes, um vínculo direito entre as partes do processo e a situação jurídica afirmada, comprovando uma relação jurídica entre os dois polos da demanda, determinando-a como uma legitimidade bilateral (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 238). A legitimidade define a possibilidade de as partes gerirem o processo em matéria de direito que lhes faz jus. A priori o sujeito autorizado tratar da ação é o próprio titular do direito material em questão (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012, p. 290), no entanto, há hipóteses legais em que a legitimidade pode ser atribuída a outrem, como no caso da tutela jurídica dos animais não humanos e de todo o meio ambiente, exercida processualmente pelo Ministério Público.

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