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Conceituam-se como pressupostos processuais os elementos presentes no procedimento quanto à sua existência e validade e condições de eficácia. Há críticas a esta nomenclatura quanto ao significado de pressuposto, ou seja, requisito prévio de algo, que deveria referir-se apenas às questões de existência do processo, e não de seu desenvolvimento e eficácia (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 266).

52 Partilham do mesmo entendimento: José Orlando Rocha de Carvalho, Barbosa Moreira e Rodrigo da Cunha

63 Feita esta ressalva, admite-se, entretanto, que a nomenclatura já está difundida tanto na doutrina quanto na jurisprudência brasileira, motivo pelo qual se utilizará a expressão pressupostos processuais em lato sensu, englobando seus três ramos.

Analisando a classificação mais utilizada e difundida na doutrina brasileira, elaborada por José Orlando de Rocha Carvalho, tem-se que os pressupostos de existência, ou seja, aqueles necessários para que se considere existente e apreciável em juízo a relação jurídica processual: a existência da demanda (o ato de pedir em si, a solicitação ao Poder Judiciário, e não seu conteúdo), um órgão investido de jurisdição (competente para apreciar a matéria, a relação processual) e capacidade de ser parte (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 268).

Ao falar-se em ações judiciais em favor de animais não humanos, a problemática de aceitação dos juristas não recai sobre os dois primeiros pressupostos apresentados, mas quanto à capacidade de ser parte. Em demandas que apreciam o interesse do meio ambiente, ou, mais especificamente, de animais não humanos pode-se verificar que há, de fato, uma demanda requestada, bem como há um juízo competente para apreciar a matéria em questão.

A capacidade de ser parte, por sua vez, é a personalidade judiciária, atribuída àqueles que tenham personalidade material, que possam ser sujeitos de direito de uma relação jurídica de direito material, a exemplo de pessoas naturais, jurídicas, nascituros, condomínios, tribos, comunidades indígenas, sociedades não personificadas, espólio, massa falida, herança jacente entre outros (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 269).

O sujeito de direito, que é capaz de ser parte, é o ente que detém a titularidade de um direito e de sua relação jurídica (GORDILHO; SILVA, 2012, p. 344), o destinatário de uma norma garantidora. Não importa, para tanto, a personalidade jurídica, há entes que não são pessoas (nascituro, condomínio, sociedades não personificadas), mas são titulares de direitos.

Para Caio Mário da Silva Pereira (2011, p. 247) todo ser humano é sujeito de direitos, a titularidade destes é inerente à sua condição humana. Entretanto, a complexidade da vida civil e a necessidade de conjugação de esforços para atingir objetivos de interesse social determinaram a equiparação de certos agrupamentos de indivíduos ao próprio homem, conferindo a entes abstratos uma personalidade jurídica, com aptidão para adquirir e exercer direitos e obrigações.

Deu-se, assim, a criação da pessoa jurídica. Entretanto, o autor elenca requisitos necessários para que esta ficção jurídica ocorra: a vontade humana criadora, a observância de condições legais de sua formação e a liceidade de seus propósitos (PEREIRA, 2011, p. 248).

64 Gordilho e Silva (2012, p. 347) apontam a pessoa jurídica como atributo criado pela ordem jurídica incidente sobre determinados fatos, qualificando-os como jurídicos, a fim de atender necessidades de tráfego social.

Pelo exposto, resta claro que, em síntese, o único óbice para se alcançar o status jurídico de sujeito de direitos é a boa vontade do legislador.

Partindo para o caso dos animais não humanos, porém, este status parece tê-los sido conferido desde 1934, através do Decreto nº 24.645, ainda vigente e que se orienta por uma surpreendente, principalmente para época, visão biocêntrica (BENJAMIN, 2011, p. 85), que confere a estes o direito de terem seus interesses assistidos em juízo pelos membros do Ministério Público e de associações protetoras dos animais53.

Além disso, o artigo 225, §1º, VII da Constituição brasileira de 1988 parece conferir, ao menos, uma posição mínima dos animais perante o Direito: a de não serem submetidos a tratamentos cruéis e práticas que coloquem em risco sua função ecológica e a preservação de sua espécie (GORDILHO et al., 2006, p. 275).

Em verdade, lembre-se que o dispositivo é regido em conformidade com o antropocentrismo geracional, porém, como explica Antônio Herman Benjamin (2011, p. 87) a tutela das gerações futuras não necessariamente invalida o reconhecimento de que seres da natureza, animados e inanimados, merecem um status próprio, muito além da coisificação presente no Código Civil brasileiro.

O dever de não maltratar e de não dispor de crueldade no tratamento dos animais conduz ao direito reflexivo dos animais de não serem vítimas de maus-tratos e crueldade. É incoerente afirmar um dever para os humanos e, paralelamente, negar o direito correspondente para o seu titular (GORDILHO, 2008, p. 1596). Nos dizeres de Edna Cardozo Dias (2006, p. 121): é justamente o fato de o ser humano ter deveres perante aos animais não humanos que transformam estes em sujeitos de direito. A impossibilidade de impor deveres jurídicos a estes não pode ser suficiente para negar a titularidade de seus direitos.

Assim como as pessoas naturais incapazes civilmente, os animais não humanos estão biologicamente impossibilitados de praticar atos da vida civil. Isto não quer dizer, todavia, que deixem de sentir dor, sofrimento e que não necessitem de um mínimo existencial, assegurado pela CF/88, para que também desfrutem de uma qualidade de vida sadia, demandando muito menos que os seres humanos.

53 Art. 2º § 3º Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais.

65 No que tange aos animais introduzidos em ambiente predominantemente humano, convivendo com pessoas naturais, ou em fazendas, santuários, zoológicos, dentre outros, a responsabilidade sobre danos provenientes destes seres recai sobre os seus respectivos guardiões, de maneira que há previsões de obrigações quanto a estes seres neste sentido, para garantir a segurança da coletividade.

Quanto aos animais selvagens, a segurança pública é de competência do Poder Público, responsável também pela conservação das áreas ambientes, esta garantida com a proteção de seu habitat natural, mantendo-o ecologicamente equilibrado, para que os animais não tenham necessidade de buscar abrigo ou alimentos em localidades habitadas por humanos, e evitando a aproximação e perturbação dos homens nestes ambientes.

Não havendo a precaução por parte do Poder Público, recai a este a responsabilidade por eventuais danos; infringindo normas e adentrando em espaços reservados aos animais silvestres e proibido a humanos, se houver danos, é caso de culpa exclusiva da vítima; por fim, se, ainda que o Poder Público e a coletividade tenham feito tudo em seu alcance para promover um meio ambiente equilibrado e a segurança para homens e animais, haja um evento danoso a alguém, tratar-se-á de caso fortuito ou força maior, por ser um resultado impossível de ser previsto, proveniente da natureza.

Gordilho e Silva (2012, p. 351) defendem, a partir da classificação de pessoas de Fábio Ulhôa Coelho, a elevação ao entendimento de animais como sujeitos de direito não humanos (jurídicos, morais) despersonificados, para que, consequentemente, pudessem entrar em juízo pleiteando direitos em nome próprio.

Por tudo o que já foi exposto, percebe-se que há total incompatibilidade do Código Civil de 2002 com os demais mandamentos brasileiros, constitucionais e infraconstitucionais, no que cabe ao tratamento jurídico dos animais não humanos, o que acaba influenciando negativamente na utilização de outras normas de direito a favor destes.

Ao reproduzir dispositivos de maneira semelhante ao do Código Civil Italiano, o CC/2002 acabou por se distanciar da legislação já produzida no Brasil a respeito de animais e do meio ambiente. Parece-nos que, na conjuntura na qual foi elaborado, o mais razoável seria admitir os animais não humanos como uma categoria única, intermediária (GORDILHO; SILVA, 2012, p. 357) diferenciando-os de coisas e bens, como o fez o Código Civil Alemão54 ou tratá-los como os seres sencientes que os são, assim como o Código Civil Francês.

66 Seja como for, diante da legislação brasileira, do tratamento jurisprudencial presente no País e na evolução do pensamento da coletividade, não se pode negar que já se deu o início à mudança de paradigma antropocentrista no Direito.

Ainda que não se aceite esta classificação, é inevitável o entendimento de que os interesses dos animais, sobretudo quanto aos maus tratos e crueldade, estão devidamente protegidos em juízo, inerentes ao seres da fauna, conforme a lei, pela ação do Ministério Público, muito embora aparentem, formalmente, o teor de direitos ambientais, intergeracionais ou do próprio homem de meio ambiente equilibrado e sadia qualidade de vida.

Ultrapassada esta celeuma, encaminha-se à análise dos requisitos de validade dos pressupostos processuais. Estes, a seu turno, devem estar presentes em cada ato processual singularmente, para que se reportem válidos dentro do processo. A ausência de um dos requisitos invalida o ato, e pode ser sanada, mas não compromete o processo como um todo, a não ser que perdurem ao longo de todo ele, ou sua existência.

Dividem-se em requisitos de validade objetivos (respeito ao formalismo processual, inexistência de perempção, litispendência, respeito à coisa julgada anterior e outros) e subjetivos (competência e imparcialidade do juízo e capacidades processual e postulatória das partes) (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 268).

Novamente, a fim de desestimular a aplicação de instrumentos processuais no interesse de animais não humanos, são questionados os requisitos de caráter subjetivo, relativo às partes. É mister, portanto, apresentar as diferenciações das capacidades apresentadas.

A capacidade processual, requisito de validade no processo, diferentemente da capacidade de ser parte, é a aptidão para promover atos processuais em juízo de maneira eficaz (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 271). Explana Ana Conceição Barbuda Ferreira (2011, p. 336) ser a capacidade processual responsável pela atribuição a um indivíduo, ou ente, de estar em juízo por si próprio, defendendo seus próprios interesses.

Por fim, a capacidade postulatória é tão somente a capacidade técnica de postular em juízo, pertencente aos advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, ao Ministério Público, aos advogados públicos e, em alguns casos excepcionais definidos em lei, a pessoas não advogadas, como nos casos dos Juizados Especiais (até vinte salários mínimos), causas trabalhistas e no habeas corpus (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 274).

Da mesma maneira em que ocorre com outras pessoas e entes, aos animais não humanos não são reconhecidas a capacidade processual e a capacidade postulatória, no

67 entanto esta condição não pode levar à impossibilidade de se defender seus interesses em juízo. No direito processual brasileiro são admitidas duas formas: a legitimação extraordinária (substituição processual) e a representação processual.

Faz-se necessário, portanto, apresentar uma distinção entre ambos. A substituição processual, exceção ao artigo 18 do CPC/201555, caracteriza-se por transferir a capacidade processual do substituído para o substituto, de maneira que este age em nome próprio para interesse alheio. Não há correspondência total entre a situação legitimante e a situação jurídica a ser apreciada pelo juízo, muito embora seja possível que o objeto litigioso também seja de interesse do substituto, mas não obrigatoriamente (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 240).

O representante processual, por sua vez, não é parte, ingressa em juízo em nome alheio, defendendo o interesse alheio, a fim de suprir a incapacidade processual da parte, titular do direito material (SILVA, 2009a, pp. 328-329) 56.

A legitimidade conferida legalmente ao Ministério Público, associações, aos guardiões dos animais entre outros (pode haver outros legitimados, dependendo da ação judicial a ser utilizada) para agir em juízo em matéria de interesses ambientais, de direitos difusos ou de animais não humanos é a extraordinária, é substituição processual, pleiteando em nome próprio o interesse da coletividade, de um grupo de pessoas, do meio ambiente ou dos animais.

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