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A tutela jurídica dos animais não humanos no direito brasileiro: uma análise do habeas corpus da chimpanzé suíça x Zoológico de Salvador

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

ANA LUÍZA FARIAS DOS MARTINS COELHO

A TUTELA JURÍDICA DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS NO DIREITO

BRASILEIRO: UMA ANÁLISE DO HABEAS CORPUS DA CHIMPANZÉ SUÍÇA x

ZOOLÓGICO DE SALVADOR

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ANA LUÍZA FARIAS DOS MARTINS COELHO

A TUTELA JURÍDICA DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS NO DIREITO

BRASILEIRO: UMA ANÁLISE DO HABEAS CORPUS DA CHIMPANZÉ SUÍÇA x

ZOOLÓGICO DE SALVADOR

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior.

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ANA LUÍZA FARIAS DOS MARTINS COELHO

A TUTELA JURÍDICA DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS NO DIREITO

BRASILEIRO: UMA ANÁLISE DO HABEAS CORPUS DA CHIMPANZÉ SUÍÇA x

ZOOLÓGICO DE SALVADOR

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: 15/06/2016.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Profa. Dra. Tarin Cristino Frota Mont’Alverne

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Profa. Ms. Fernanda Cláudia Araújo da Silva

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela sua constante benevolência em minha vida e por sua presença em meu caminho, cuidando para que eu seguisse essa jornada com saúde, amor, força e esperança, provendo todas as graças que culminaram neste feliz e importante momento, junto às pessoas que mais amo.

Aos meus pais, por serem grandes exemplos de superação, dedicação e honestidade e, principalmente pelos constantes esforços que fazem para demonstrar seus carinho e cuidados. Meu pai, Marcelo, por ser o maior exemplo de integridade, inteligência, cultura e perseverança na minha vida, a quem eu admiro profundamente desde criança e que não esconde sua grandeza como ser humano em sua discrição. Minha mãe, Rita de Cássia, por ser a pessoa mais bondosa, gentil e amável que eu conheço, por ser uma mãe preocupada, carinhosa, protetora, paciente, dedicada e com grandes ensinamentos a nos passar todos os dias.

À minha irmã, Maria Cecília, pelo seu companheirismo e por ser, junto ao Slash, grande fonte de alegria, diversão, inocência, descontração e muitos risos em nossa família.

À Helena, por todos os cuidados e atenção que me deu ao longo do meu crescimento, sempre se doando para a minha família e para a nossa felicidade, presente em toda a minha vida com sua constante dedicação.

Aos meus demais familiares, avô, tias e tios, primas e primos, por sempre torcerem por mim e terem esperança pelo meu futuro, olhando por mim com muito carinho.

Ao Renan, pelo amor e parceria inigualáveis, por me encantar e me fazer feliz todos os dias, por me fazer melhor e engrandecer a minha vida. Muito obrigada por acreditar em mim, dar-me forças e motivação para que eu almeje novas conquistas e se esforçar para me ajudar. Os últimos dois anos teriam muito mais difíceis e menos doces sem você. Obrigada por ser essa presença carinhosa, reconfortante e esperançosa no meu dia a dia e por compartilhar sonhos, metas, pensamentos, e, principalmente, sua vida e seu futuro comigo.

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Às minhas amigas e companheiras de faculdade, grandes presentes que ganhei em minha graduação: Amanda, Caroline, Isabela, Isabelly, Natália Oliveira e Natália Pinheiro, um grupo de amizade tão natural, saudável e solidária. Tenho muita gratidão pela sorte que tive em encontrar amigas dedicadas, inteligentes, carinhosas, de personalidade forte, bom caráter e perseverantes, as quais sempre admirei e me espelhei durante nossos anos compartilhando alegrias, conquistas, conhecimento e amizade. Estes cinco anos não teriam sido os mesmos sem vocês. Muito obrigada pela cumplicidade, ajuda e preocupação; por se doarem tão sinceramente e participarem de maneira tão única da minha vida pessoal e acadêmica. Concluo este ciclo com a certeza e a felicidade de que formei laços para a vida inteira e terei seres humanos ímpares e profissionais do mais alto nível como colegas de profissão e amigas de uma vida toda.

Ao meu querido orientador, Professor William Marques, de quem também fui aluna, agradeço pela sua paciência e imensa disponibilidade em atender às solicitações que fiz ao longo da confecção deste trabalho, passando-me confiança desde o primeiro momento. Sem o senhor este trabalho não teria acontecido. Sou muito grata por ter confiado em mim e no meu tema, e pelo encorajamento para que eu escrevesse sobre uma matéria pela qual tenho carinho e interesse. Além disso de tudo isso, obrigada por dividir seus conhecimentos e suas experiências.

Às professoras Fernanda Cláudia e Tarin Mont’Alverne, de quem também fui aluna, por atenderem tão prontamente ao pedido para compor a banca avaliadora da minha monografia.

Aos profissionais responsáveis pelo meu crescimento prático no Direito, nos locais onde estagiei: Dr. Priscila Frota, advogada do escritório ABV Advogados; Dr. Ricardo Rocha, Promotor de Justiça do Estado do Ceará; e Dr. Renato Cruz, Procurador do Estado do Ceará. Obrigada por depositarem confiança no meu trabalho, por dividirem seus conhecimentos e experiências no Direito e, mais que isso, aprendizados de vida.

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“Não te envergonhes se, às vezes, animais estejam mais próximos de ti que pessoas. Eles também são teus irmãos”.

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RESUMO

Este estudo pretende analisar a tutela jurídica dos animais no direito brasileiro, em especial quanto à possibilidade de requerimento em juízo de seus interesses, à luz do processo de Habeas Corpus em favor da chimpanzé Suíça, impetrado em 2005, contra ato ilegal de Diretor do Parque Zoológico da comarca de Salvador. Analisando as evoluções teórico-filosóficas acerca da relação entre seres humanos, Direito e animais não humanos no mundo inteiro, desde a Antiguidade até o século XI, e legislativas no Brasil, pretende-se traçar uma interpretação do dispositivo constitucional do artigo 225, §1º, VII, sob uma visão biocêntrica que abarca os animais não humanos como titulares de direitos. Faz-se a diferenciação e crítica quanto às definições de seres não humanos como bens semoventes, bens ambientais, seres sencientes e sujeitos de direito. Presta-se, portanto, a defender a possibilidade de assegurar-lhes seus interesses em juízo, na condição de partes no processo, mediante a substituição processual pelo Ministério Público. Para tanto, aplica-se o método de investigação científica, calcado em análises bibliográficas, documentais, legislativas e jurisprudenciais de tribunais brasileiros. Finaliza-se, então, afirmando que a utilização de institutos processuais é essencial para determinar a tutela dos animais no direito brasileiro de maneira devida, integral e coerente com a ética animal e os preceitos constitucionais.

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ABSTRACT

This study intends to analyze the legal protection of the animals in the Brazilian Law, especially about the possibility of demanding its interests in court, having the case Suíça vs. Salvador’s Zoo as an example. This case is about a Habeas Corpus in favor of a chimpanzee named Suíça against the illegal acts of the Director of the Zoo, in the city of Salvador, that affected the liberty of the animal. Analyzing the theorical-philosophic evolution towards the relation between human beings, Law and non-human animals in the whole world, since the Acient times until the 21st century, and the legal evolution of Brazilian’s laws, this study intends to interpret the constitutional article 225, §1º, VII, based on a bio centric perception that faces the non-human animals as rights holders. This academic research also intends on distinguishing and criticizing the difference between property, environmental welfare, sentient beings and subjects of rights. It also defends the possibility of assuring their juridical interests in court by the processual substitution of the parts with the Ministério Público. Therefore, it was applied on it the scientific investigation method based on bibliographic, documental, legal and jurisprudential of Brazilian courts analysis. Lastly, it concludes affirming that the use of processual institutes it’s essential to define de protection of animals in Brazilian Law properly attending to the animal ethics and the constitutional principles and commandments.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACP Ação Civil Pública art.

CF CPC

Artigo

Constituição Federal Código de Processo Civil CPP Código de Processo Penal HC Habeas Corpus

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 14

2 DIREITO DOS ANIMAIS: DELIMITAÇÃO CONCEITUAL, CARACTERÍSTICAS E EVOLUÇÃO DE SUA TUTELA JURISDICIONAL. ... 17

2.1 Conceito de Direito dos Animais ... 17

2.2 Construto histórico em torno da relação entre homens e animais não humanos ... 17

2.2.1 Antropocentrismo grego ... 18

2.2.2 Império Romano ... 20

2.2.3 Idade Média ... 20

2.2.4 Iluminismo ... 21

2.2.5 Período pós-moderno. Séculos XIX e XX ... 24

2.2.6 A evolução da proteção aos animais no mundo: um caminho à noção da natureza como sujeito de direitos no Novo Constitucionalismo Latino-americano ... 28

2.2.6.1 Reino Unido ... 29

2.2.6.2 França ... 30

2.2.6.3 Alemanha ... 31

2.2.6.4 Equador ... 32

3 A TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS NO BRASIL ... 35

3.1 Panorama histórico da legislação brasileira em matéria de direitos dos animais ... 36

3.1.1 A proteção dos animais não humanos na Constituição Federal de 1988 ... 39

3.1.2 Novos Projetos de Lei em defesa dos animais não humanos ... 46

3.2 Análise de decisões judiciais de maior repercussão proferidas pelo Supremo Tribunal Federal sobre animais não humanos ... 47

3.2.1 Recurso Extraordinário 153.531-8 (SC): O julgamento da constitucionalidade do costume da “Farra do Boi” ... 47

3.2.2 ADI nº 2.514/SC e ADI nº 1.856/RJ: rinhas e brigas de galo ... 49

3.2.3 ADI nº 4.983-CE: rodeios e vaquejadas ... 51

3.3 Considerações quanto à motivação do legislador e dos julgadores brasileiros quanto à temática da tutela de animais não humanos ... 56

4 AS AÇÕES PROCESSUAIS DO DIREITO BRASILEIRO NA TUTELA JURÍDICA DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS ... 58

4.1 O direito de ação e as condições e elementos da ação ... 59

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4.3 Os institutos processuais utilizados na proteção dos animais não humanos ... 67

4.3.1 Ação Civil Pública ... 67

4.3.2 Ação Popular ... 69

4.3.3 Mandado de Segurança Coletivo ... 70

4.3.4 Mandado de Injunção ... 72

4.4 O caso do Habeas Corpus impetrado em favor da chimpanzé Suíça ... 73

4.4.1 O remédio constitucional do habeas corpus (conceito e natureza jurídica) e suas espécies ... 76

4.4.2 Paciente e impetrante ... 78

4.4.3 Da admissibilidade do Habeas Corpus em favor de Suíça ... 78

4.4.4 Da possibilidade de julgamento favorável do HC em favor de Suíça à luz do ordenamento jurídico brasileiro ... 82

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 86

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1 INTRODUÇÃO

Os animais não humanos são objetos de interesse à Ciência do Direito desde a Antiguidade, participando da vida humana, seja como alimento, caça, ajuda no labor, transporte ou companhia, sendo necessário inseri-los nas normas legais para a adequação e regulamento dos interesses humanos que orbitam na existência destes seres.

As regras jurídicas que permeiam os animais ou o próprio meio ambiente tiveram substanciais mudanças ao longo dos séculos, sendo bastante influenciadas pela Filosofia, pelas expressões culturais de cada país e, principalmente, pelo interesse humano nos benefícios extraídos destas espécies.

Os filósofos da Grécia Antiga, quase que em sua maioria, disseminaram pensamentos que ecoam até os dias atuais acerca da superioridade do homem sobre os demais seres vivos da Terra. Exalta-se a importância de Sócrates, considerado o precursor do Antropocentrismo grego, atribuindo ao ser humano (homem, livre e não estrangeiro) sua função no centro do universo, dispondo dos demais seres humanos e não humanos para atingir seus fins almejados.

Em idêntico sentido, no Império Romano, os animais passaram a ser caracterizados legalmente como coisas e propriedade de quem os guardava. Este últimos eram denominados res mancipi, que poderiam ser apropriados pelos homens, a respeito de animais domésticos e de carga, ao passo que os animais selvagens eram res nec mancipi, impossíveis de tomados como bens pelos romanos.

Durante a Idade Média, com forte presença de doutrinação da Igreja Católica em combinação como Antropocentrismo grego, novamente foi renegada a estes seres a condição de instrumentos do homem, hierarquicamente superior àqueles e a quem Deus teria dado o domínio sobre todas as criaturas do planeta. Destoando dos sobressalientes pensamentos de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, remonta-se apenas São Francisco de Assis, que disseminava a igualdade entre todas as criaturas criadas por Deus.

Os períodos do Renascimento e do Iluminismo se propuseram, mediante seus expoentes filosóficos, a afastar a influência religiosa do entendimento acerca da formação da sociedade, justificando a hierarquia do homem, por si só, por sua superioridade, racionalidade e posição privilegiada no pacto social, excluindo deste os demais seres.

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15 da raça humana perante a degradação ambiental causada por ela própria - e ainda corrente - para alcançar seu desenvolvimento máximo e obter lucros.

A partir destas novas e alarmantes informações, os ordenamentos jurídicos no mundo inteiro passaram a se preocupar e defender a natureza e seus recursos, assegurando proteção jurídica ambiental, em razão da necessidade de conservação e manutenção destes.

A partir disso, ramificaram-se as formas de tutela jurídica dispensadas ao meio ambiente e aos animais, desde a permissão de usufruir destes recursos e tomá-los como propriedade, até ordenamentos que reconhecem direitos inerentes à natureza, à agua e aos animais, por exemplo, equiparando-os aos seres humanos, sob uma nova perspectiva biocêntrica.

Também ao longo dos anos o direito brasileiro vem adequando-se às novas percepções sociais e ambientais da natureza e, consequentemente, dos animais. Estes, entretanto, ainda permanecem como uma matéria nebulosa no ordenamento jurídico do país.

Em razão de os animais terem seus interesses simplesmente inseridos na conjuntura ambiental no Brasil, com uma difícil conceituação entre bens particulares, bens ambientais, bens difusos e titulares de direitos, existem, relativamente à sua relevância, poucas manifestações legais, jurisprudenciais e doutrinárias quanto à existência de uma teoria exclusiva para estes seres.

Há um constante esforço de ativistas e estudiosos do assunto em promover o estabelecimento de Direito dos Animais em definitivo e autônomo, e tratar das questões inerentes a estes seres, desassociando-os do ser humano e do meio ambiente como um todo, tratando de suas individualidades e singularidades enquanto seres sencientes, a fim de provar-lhes um valor intrínseco.

Dito isso, tem-se, então, no direito brasileiro certa relutância para afirmar garantias e interesses dos animais não humanos, diante do paradigma antropocêntrico aqui adotado. Mesmo as legislações que resultam, expressamente, em maior proteção a estes seres são difíceis de serem aplicadas e não são suficientes para prestar a tutela jurídica necessária aos animais, que ainda sofrem negligências sob o trato humano.

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16 Para tanto, é necessário ainda que haja uma reforma de perspectiva não apenas no direito material, como também no direito processual, responsável por possibilitar a afirmação de seus interesses pela via judicial, comprovando os direitos materiais subjetivos.

A fim de estabelecer e ratificar a possibilidade jurídica da persecução processual de interesses de animais não humanos, analisar-se-á, em específico o processo de Habeas Corpus impetrado no ano de 2005, na comarca de Salvador, em benefício da chimpanzé Suíça, contra ato ilegal de Diretor do Parque Zoológico em que se encontrava, restringida de sua liberdade de locomoção.

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2 DIREITO DOS ANIMAIS: DELIMITAÇÃO CONCEITUAL, CARACTERÍSTICAS E EVOLUÇÃO DE SUA TUTELA JURISDICIONAL.

A existência do Direito, como ciência social que visa à proteção e à organização de pessoas, comunidades e grandes sociedades, remonta de séculos antes de Cristo, desde a Antiguidade, na Grécia, mas também presente em qualquer sociedade no curso da História que tenha criado regras para convivência pacífica, hierarquia, deveres entre outros.

Sintetizando o surgimento e a finalidade do Direito, Caio Mário da Silva Pereira (2011, p. 04) limita-se em afirmar que esta ciência é o princípio de adequação do ser humano à vida social. Noutras palavras, conforme o famoso brocardo, ubi societas, ibi ius1.

2.1 Conceito de Direito dos Animais

Muito embora o Direito estivesse presente nas mais remotas civilizações, o Direito dos Animais demorou-se em seu desenvolvimento. Não foi até 1792, segundo Singer (2008, p. 02) que se ouviu falar do termo Direito dos Animais, a partir de uma publicação paródica e vexatória de Thomas Taylor, filósofo inglês, chamada “A Vidication of the Rights of the Brutes”, na qual pretende difamar e enfraquecer a publicação feminista de Mary Wollstonecraft, “A Vindication of the Rights of Women”, com a intenção de demonstrar que, se se chegasse ao absurdo de mulheres serem dignas de direitos, os animais, as bestas, também o seriam.

Mais tarde, o termo continuou a ser empregado pelas legislações e publicações que se seguiram ao tratar da condição animal não humana, continuando até os dias de hoje, quando passou a se tratar de leis direcionadas aos animais enquanto dissociados de um meio ambiente geral, ou seja, casos em que não são apenas parte de uma espécie, ou um bem ambiental, mas objetos singulares do Direito, ainda que como propriedades ou “coisa de ninguém”.

O Direito dos Animais abrange as normas relacionadas aos animais não humanos enquanto núcleos da norma, considerados por sua própria existência, e não participantes coadjuvantes de um Direito Ambiental mais abrangente e mais complexo e, portanto, com menos foco nos interesses desses seres.

2.2 Construto histórico em torno da relação entre homens e animais não humanos

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18 Durante este longo lapso temporal, desde o início das primeiras comunidades de homens que criaram e exerceram direitos e deveres para convivência em grupos, clãs, tribos e sociedades, a preocupação da ciência jurídica com os seres não humanos se restringia à sua importância enquanto bens das pessoas (os verdadeiros sujeitos de direito), como caça, alimento e, posteriormente animais de estimação, e instrumentos de obtenção de lucro, a exemplo de animais carga.

Essas criaturas, portanto, foram situadas na “periferia do Direito”, ausentes de tutela jurídica própria e adequada, quase que por toda sua existência, tendo obtido diversos tratamentos conforme as mudanças de pensamentos e paradigmas da Humanidade.

2.2.1 Antropocentrismo grego

Os filósofos gregos do período pré-socrático, como Pitágoras de Samos (580-497 a.C.), fundador da Escola Itálica, bem como os participantes da Escola de Mileto, Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes, compartilhavam uma visão cosmocêntrica de pensamento, na qual o homem, assim como os animais, era parte integrante do Cosmo, do Universo, sem nenhuma autonomia diante deste (SILVA, 2014, p. 02).

Diz-se que Pitágoras tentava incutir em seus seguidores o tratamento respeitoso perante os animais (SINGER, 2008, p. 214), partindo da crença de que as almas dos homens poderiam transmigrar para corpos de animais não humanos. Motivo pelo qual havia se tornado vegetariano. (SINGER, 2008, p. 14).

Da mesma maneira às civilizações anteriores, a exemplo do Egito antigo, cujos documentos relatam tratamento de respeito e reverência dos homens em relação aos animais (RANGEL, 2012, pp. 60 e 61), os pensadores, até então, tinham a concepção de um jusnaturalismo cosmológico, obedecendo a leis da natureza, pensando harmoniosamente homens e animais (DIAS, 2004, p. 1 apud SILVA, 2014, p. 2).

A partir da criação da Ética, por Sócrates (469-399 a.C.), e o desenvolvimento da retórica, os filósofos gregos passam a se concentrar no estudo e no entendimento do homem livre, como ser superior aos demais. Deu-se início, então, a tendência do Antropocentrismo grego, no qual o homem, e por consequência a sociedade, era o centro de tudo, e da qual fazem parte os principais filósofos clássicos; Sócrates, Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a. C.).

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19 desprezando os fatores de honradez e de adequação ao determinar a natureza e a utilidade de cada ser para o desenvolvimento da pólis (SANDEL, 2012, p. 233).

Este raciocínio teleológico baseia-se no télos, ou seja, em um propósito, fim ou finalidade. Cada ser tem, naturalmente, uma finalidade de existência, uma função a ser desempenhada. Assim, Aristóteles desenvolveu uma das mais influenciadoras teorias da justiça na Filosofia, sem, entretanto, conseguir aplicá-la da forma mais justa na sociedade em que vivia. Pelo contrário, foi contrário a certos posicionamentos de seu próprio raciocínio para justificar atos como a escravidão2.

O erro cometido pelo grego recaía na adequação de cada ser conforme as posições sociais já ocupadas na Grécia Antiga e nos preconceitos de sua sociedade, não só para com escravos, mas com mulheres, estrangeiros e demais seres não humanos.

Acerca destes, Aristóteles os descreve como escravos do homem e úteis a ele, pois inferior e desprovido de Razão. Apesar de produzirem sons que possam expressar dor ou prazer, não foram agraciados com a faculdade da linguagem e, portanto, não podem discernir entre bem e mal, justo ou injusto. Por este motivo, os homens (livres, excluindo-se mulheres e escravos) foram criados para associação política e estavam em grau superior aos demais.

Que o homem é um animal político em um grau muito mais evidente que as abelhas e outros animais que vivem reunidos é evidente. A natureza, conforme frequentemente dizemos, não faz nada em vão; ela deu somente ao homem o dom do discurso (lógos). O mero som da voz é apenas a expressão de dor ou prazer, e disso

são capazes tanto os homens como os outros animais. Mas enquanto estes últimos receberam da natureza apenas esta faculdade, nós, os homens, temos a capacidade de distinguir o bem do mal, o útil do prejudicial, o justo do injusto. Com efeito, é isso o que distingue essencialmente o homem dos outros animais: discernir o bem e o mal, e o justo e o injusto, e outros sentimentos dessa ordem [as qualidades ou propriedades de suas ações]. Ora, é precisamente a comunicação desses sentimentos o que engendra a família e a cidade. (ARISTÓTELES, 2010, pp. 56 e 57)

Na contemporaneidade, entretanto, este argumento não é mais compreendido como válido à discussão, tendo em vista quase a totalidade dos ordenamentos jurídicos de países conceder direitos e proteção jurídica a crianças, pessoas com deficiências mentais que impedem o desenvolvimento mental completo, pessoas em coma, em estado vegetativo, sem possibilidade de fala para exprimir vontades e desejos, nascituros entre outros sujeitos de direito despidos de razão e lógos aristotélica.

2 Aristóteles afirmava que, para algo ser justo, deveria ser necessário e natural. Complementava ainda que

algumas pessoas nasceram para serem escravas, portanto, esta condição faria parte de sua natureza e que o trabalho que realizavam era necessário para o desenvolvimento da pólis. Ocorre que, o raciocínio teleológico

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20 Ainda neste esteio, Singer (2008, p. 16) dispõe que, apesar de os animais não humanos não terem desenvolvido uma forma de linguagem tão complexa quanto a dos homens, eles comunicam-se uns com os outros (ou, pelo menos, com os seus iguais) e isto não os impede de demonstrar necessidades, sentimentos e sofrimento, de maneira que a capacidade de utilizar uma linguagem não pode ser relevante ou determinante para a forma como um ser será tratado pelos demais.

Ademais, na mesma obra, o autor, que foi um dos precursores do Great Ape Project, apresenta as descobertas científicas de que chimpanzés podem aprender uma linguagem como dados desmistificadores do pensamento de Aristóteles.

Embora o parâmetro de razão utilizado por Aristóteles para diferenciar homens e animais tenha sido superado, esta noção ainda perpetuou-se por mais de 2000 anos.

2.2.2 Império Romano

O apogeu do Império Romano ocorreu em virtude de um longo período de guerras, conquistas e batalhas de forma cruel e sangrenta. Esta essência bélica influenciou até mesmo a forma de entretenimento lançada aos cidadãos romanos. Comumente conhecida como a política do “Pão e Circo”, os eventos que reuniam boa parte da população romana tinham profundo teor violento, principalmente durante a perseguição de cristãos, quando homens eram colocados em arenas para duelar com animais selvagens famintos, ou estes lutavam entre si até a morte.

O historiador Lecky (apud SINGER, 2008, p. 215) detalha que, em um único dia, na inauguração do Coliseu, por Tito, quinhentos animais foram mortos. Com o Imperador Nero, ainda, quatrocentos tigres foram postos para lutar contra touros e elefantes, entre outros relatos, sob o regozijo da população.

Neste período, no âmbito jurídico, os animais não humanos passaram a ser considerados legalmente como res, coisas, equiparados ao mesmo status jurídico de materiais e objetos inanimados.

Os animais eram divididos em duas classes: res mancipi, da qual faziam parte os animais de tração e carga, além de animais domésticos, agrupando aqueles que poderiam ser apropriados pelos seres humanos, fazendo parte de sua propriedade pessoal; e res nec mancipi, que se trata dos animais silvestres, selvagens, impossíveis de serem bens de cidadãos romanos (SILVA, 2014, p. 7).

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21 No período pós-cristão, chamado Idade Média, entre os séculos V e XV, ainda houve forte reverberação dos preceitos antropocêntricos na sociedade europeia, na qual a Escolástica medieval era fortemente influenciada pela filosofia grega clássica (RANGEL, 2012, p. 63), convergindo-a com os ensinamentos bíblicos, sob interpretações de que o homem seria superior aos demais seres criados por Deus, e, por isso, devesse dominá-los conforme seu interesse.

Para Santo Agostinho (354-430), filósofo cristão, o próprio Cristo disseminava que não haveria motivos para se poupar a matança de animais e a destruição das vegetações, pois não haveria entre estes e os homens quaisquer direitos em comum (SINGER, 2008, p. 217), mas sim absoluta hierarquia destes sobre os demais seres terrestres.

São Tomás de Aquino (1225-1274) também partilhava do mesmo entendimento que seu antecessor, preponderante à época, de que o homem, porque criados à imagem e semelhança de Deus, deveriam ter os demais seres ao seu dispor, dominando-os, invocando a “ordem natural das coisas” (SILVA, 2014, p. 10).

Em sentido contrário à visão antropocêntrica cristã de que Deus havia criado o mundo tão somente para ser usufruído pelo homem, São Francisco de Assis (1182-1226), o qual chamava os animais por “irmãos” e “irmãs”, adotou isoladamente uma perspectiva cósmica da religião cristã, na qual tinha profunda compaixão e reverência por todas as criações divinas, animais, pequenos ou grandes, plantas, rios e astros (RANGEL, 2012, p. 64). Percebe-se, assim, que, com exceção dos ensinamentos apartados de São Francisco de Assis, até o século XV, não houve grande evolução quanto aos direitos dos animais desde a Antiguidade, muito em razão da grande influência filosófica grega durante os séculos.

2.2.4 Iluminismo

Após o período histórico e artístico do Renascimento, no qual houve a reafirmação da posição de protagonismo do homem no Universo, com o desenvolvimento do pensamento humanista, surgiram as primeiras ideias de cunho iluminista no século XVII, as quais conquistaram a Europa ocidental de maneira definitiva no século XVIII.

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22 4). Justificava sua complexidade superior aos objetos de criação humana, apenas porque criados por Deus. (SINGER, 2008, p. 227).

Em sua concepção, o que diferencia os animais dos humanos é que estes são dotados de consciência, embora ambos sejam feitos da mesma matéria. Na busca pela origem dessa consciência nos animais não humanos, Descartes ignorou, então, a possibilidade de ser originada a partir da matéria. Passou a responsabilizar uma dimensão espiritual que só existiria no ser humano: a alma. Acreditava que os animais não humanos não poderiam ser dotados de alma ou dimensão espiritual, e, por esta razão, incapazes de sentir emoções como dor, prazer ou qualquer outro.

A perpetuação deste pensamento serviu como propulsor de diversas práticas de crueldade realizadas em animais, a exemplo da vivissecção, executada pelo próprio filósofo durante seus estudos e pesquisas (SILVA, 2014, p. 12), bem como da ampla difusão de experimentação médica e científica com animais à época e nos anos seguintes, cujos resultados em prol da Humanidade serviam como justificativas para tais atos.

As atrocidades realizadas contra animais são vividamente descritas pelos testemunhos de um experimentador, Nicholas Fontaine, que, no século XVII, trabalhava no seminário jansenista de Port-Royal:

Batiam nos cães com perfeita indiferença e zombavam dos que sentiam pena das criaturas como se elas sentissem dor. Diziam que os animais eram relógios; que os gritos que emitiam quando golpeados não passavam do ruído provocado por alguma molinha que haviam acionado, mas, que o corpo, como um todo não tinha sensibilidade. Pregavam as quatro patas dos pobres animais em tábuas para praticar vivissecção e observar a circulação de sangue, tema que era motivo de muitas discussões. (FONTAINE, 1739, 2, p. 52-53 apud SINGER, 2008, p. 228).

Na sequência dos pensadores iluministas, o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), também defendia a supremacia do homem sobre os demais animais, justificando essa hierarquia no estado de selvageria, ou estado de natureza, regido pela lei do mais forte. Em seu pacto social, Hobbes transfere o poder a um monarca único e absoluto. Os animais não humanos, entretanto, não fazem parte da sociedade proposta pelo filósofo, visto que não detêm a compreensão da sociedade e da linguagem (RANGEL, 2012, p. 65).

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23 Rousseau, a seu turno, em sua concepção de estado de natureza, descreve o homem como “bom”, cultivando o convívio harmônico com a natureza e os animais. Embora esta harmonia não gerasse um cenário de igualdade entre os seres, o filósofo francês pregava a benevolência dos humanos aos demais (SINGER, 2008, p. 229). Rousseau reconhecia a sensibilidade dos animais, sua capacidade de sofrer e, por esta razão, os seres humanos teriam deveres em relação aos animais, ainda que estes não fizessem parte do contrato social (SILVA, 2007a, p. 8).

Em 1785, Immanuel Kant (1724-1804), com a publicação de sua obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, influenciado pela visão antropocêntrica que perdurou até então, sedimenta o que Silva (2007a, p. 7) chama de “o paradigma moderno adotado pelo Direito” em relação aos animais, iniciado com Hobbes, Spinoza, Locke e Rousseau, entre outros, quanto a um contrato social no qual apenas os seres humanos participam.

Kant utiliza-se da racionalidade humana para separar homens e animais e critica o utilitarismo de Bentham, ao dispor que esta racionalidade é que deve guiar a moralidade humana e não o nível de felicidade, baseada na dor ou no prazer que aquele irá sentir com alguma prática. (SANDEL, 2012, p. 139 e 140). Em sua concepção, quando se age conforme considerações empíricas, não se faz livremente, mas como escravos de nossos apetites e desejos.

Sendo assim, entendia que os animais, desprovidos de racionalidade, agiam apenas baseados em seus instintos, faltando-lhes também liberdade e moralidade, o que os definiam como inferiores aos animais humanos.

Em suas aulas sobre ética, Kant palestrava a seus alunos que, porquanto destituídos de autoconsciência, os animais existiam apenas como meios para o fim que é o homem e, por isso, este não tem deveres para com aqueles (SINGER, 2008, p. 230).

Contrapondo o pensamento kantiano, ao fim do século XVIII, Hume (1711-1776) defende que também os animais não humanos extraem da observação boa parte de seus conhecimentos e, desde seu nascimento, familiarizam-se com objetos externos e resultados de interação que os levam a adquirir experiência. Advoga ainda que mesmo os seres humanos, por muitas vezes, não são guiados pelo raciocínio quanto às interferências externas (HUME, 2004, p. 148).

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24 discriminadora, propondo o tratamento igualitário aos animais, com fito de minimizar dor e o sofrimento de todos os seres.

Este dever chamado de dever da não-maleficência, posteriormente adotado por diversos estudiosos sustenta-se no “princípio da dorência” que traz em sua obra, no qual propõe a interação com os animais fundada nos mesmos critérios adotados pelos homens em relações entre si: igualdade, justiça e coerência (FELIPE, 2006, p. 211).

Embora tenha fundado anteriormente a doutrina utilitarista, com a qual defende que a moral se baseia na persecução do homem aos seus sentimentos, da hegemonia do prazer sobre a dor3 (SANDEL, 2012, p. 48), não foi tão somente no ano de 1789 que Jeremy Bentham (1748-1832) publicou, na Inglaterra, sua obra “Uma introdução aos princípios da moral e da legislação”, defendendo, entre outras ideias, que a Ética jamais será aprimorada enquanto o ser humano excluir os animais dotados de sensibilidade da aplicação do “princípio da igualdade na consideração moral”, admitindo que aqueles também sejam capazes de sentir dor (SILVA, 2007a, p. 253).

Silva (2007a, p. 253 e 254) orienta que Primatt e Bentham deram início a uma conscientização mais profunda da comunidade científica acerca dos direitos dos animais e dos limites da teoria contratualista perpetuada sem criticidade no meio das ciências.

2.2.5 Período pós-moderno. Séculos XIX e XX

Após os avanços realizados quanto à consideração dos animais não humanos ao fim do século XVIII, no período pós-modernista ficou demonstrada a influência de novos pensamentos, principalmente na comunidade europeia.

Em 15 de maio de 1809, Lorde Erskine apresentou ao Parlamento Britânico a primeira proposta de lei visando à proteção dos animais. O projeto foi aprovado na Casa dos Lordes, mas rejeitado na Casa dos Comuns (FELIPE, 2008, p. 98).

Já em 1821 foi proposta no Reino Unido uma lei contra maus-tratos aos animais4 (mais especificamente, aos cavalos), embora só tenha sido aprovada no ano seguinte, após mudanças em seu texto para que parecesse mais uma norma de proteção aos bens dos fazendeiros do que aos animais em si.

3 Segundo o pensamento utilitarista de Bentham, objetivo final da moral é maximizar a felicidade. E isso só

provém da superação da dor pelo prazer. Neste sentido, a felicidade é a utilidade e a coisa certa (moral) a ser fazer é sempre aquela que trará prazer e felicidade ou que evitará dor e sofrimento. Essa teoria foi abertamente rechaçada por Immanuel Kant.

4 A lei foi proposta pelo fazendeiro irlandês Richard Martin, membro do Parlamento, participante da criação da

(26)

25 Outro grande fator de influência para a quebra do paradigma antropocêntrico foi a publicação de “A Origem das Espécies”, por Charles Darwin, em 1859 e, principalmente, a obra “A Origem do Homem”, em 1871, na qual demonstra a evolução da espécie humana integra a mesma classe evolutiva de outros animais, comprovando cientificamente a inexistência do profundo abismo que até então se acreditava haver entre seres humanos e os demais animais (SINGER, 2008, p. 232).

O expoente do Direito neste período foi Henry Salt (1851-1932) que, em 1892, publicou o livro “Animal Rights”, onde, a partir dos argumentos de Primatt, defendeu a inclusão de todos os animais no âmbito da comunidade moral (SILVA, 2007a, p. 255).

Dadas as evoluções nas descobertas científicas na transição do século XVIII para o século XIX, em especial neste último, gradualmente se deu, em definitivo, a superação do paradigma mecanicista, bem como perdeu força o paradigma moral de Rousseau e Kant, quanto à exclusão dos animais da comunidade social e moral (RANGEL, 2012, p. 70).

Já no século XX, o choque de paradigmas ficou evidente com o crescimento e a força de novos grupos científicos em prol da defesa dos animais, contra a crueldade empregada a eles, bem como quanto à mudança em relação ao paradigma da perspectiva jurídica da posição dos animais, iniciando as primeiras defesas a favor da adequação de animais não humanos como sujeitos de direitos.

Os mais importantes estudiosos, neste sentido, são conhecidos como o “Grupo de Oxford”, do qual faziam parte, em especial, Richard D. Ryder, Peter Singer, Stanley e Roslind Godlowitch, John Harris e Andrew Linzey. Este grupo defendia a inexistência de relação direta do consentimento de valor moral a um ser com a sua aparência ou racionalidade. Para eles, os critérios de valoração dependem da capacidade de distinguir e preferir experiências, conforme os interesses de cada espécie (SILVA, 2007a, p. 259). A análise crítica que dirigem aos pensadores contratualistas reside na percepção que tinham do mundo, que refletia diretamente de suas experiências individuais, do momento histórico em que viviam e da educação científica a que foram expostos.

Richard Ryder, influenciado pelas obras de Primatt, Bentham e Salt, publicou, em 1965, “The right of Animals”, um dos primeiros trabalhos do século XX a definir as diretrizes da luta política do movimento em prol dos direitos dos animais.

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26 peso aos interesses semelhantes de todos que são atingidos por nossos atos (NOIRTIN, 2010, p. 134).

Refutando as opiniões contrárias à igualdade dos animais não humanos aos seres humanos, que insistem em apontar diferenças substanciais entre espécies que tornam impossível a aplicação de direitos e atitudes iguais a todos, Singer (2008, p. 4), a partir de seu princípio, explica que a igualdade não se trata do oferecimento de tratamento idêntico a todos, pois se deve respeitar e atender às particularidades dos diferentes mesmo dentro da raça humana, mas representa a consideração igual aos interesses de cada um.

Uma das grandes denúncias do autor quanto ao tratamento dos animais está no especismo inserido na sociedade atual. Apesar de os movimentos e ideais de proteção dos animais estarem vivendo seu grande momento, cada vez mais difundidos em meios de comunicação, é comum o enfoque de maior preocupação a certas espécies de animais com as quais os seres humanos têm mais contato. Animais de estimação, por exemplo, são alvos de maior consideração de interesses e preocupação pelas pessoas e pelas legislações do que animais que são utilizados para consumo alimentar humano, havendo clara preferência e hierarquia entre uns e outros.

Apesar de, em “Libertação Animal”, Singer defender o vegetarianismo e o veganismo, a obra é um dos principais documentos em favor do movimento do bem-estar animal, o qual se trata da defesa da proteção e dos direitos dos animais, admitindo, no entanto, o uso de animais pelos seres humanos, desde que sejam tratados humanitariamente, evitando sofrimentos desnecessários (NACONECY, 2009, p. 239), tese que causa desconforto a vários ativistas e estudiosos da matéria.

Em oposição ao bem-estarismo animal, surgiu a teoria do abolicionismo animal, capitaneada principalmente por Tom Reagan, que cuida da luta pela eliminação de todas as formas de aprisionamento, exploração e privação de liberdade praticada por seres humanos (FELIPE, 2008, p. 95), visto que o uso de animais não é, de qualquer forma, justificado, porquanto precisa ser abolido.

Reagan (apud RANGEL, 2012, p. 74) cria o conceito de animal como “sujeito -de-uma-vida”, detentores de direitos subjetivos fundamentais como à vida e à liberdade. Em sua concepção, existem valores comuns a todas as espécies. Dessa maneira, os animais não humanos têm de ser considerados igualmente aos demais quanto aos seus valores inerentes (DIAS, 2008, p. 149).

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27 fins de outro e de não ser propriedade de alguém. Naconecy (2009, p. 239) explica que se trata, então, de um proto-direito: o direito de ter outros direitos.

A crítica de Francione ao legal welfarismo (bem-estarismo) reside na prática que se utiliza de confrontação de interesses humanos e interesses animais para chegar a um resultado de que o sofrimento animal é justificável ou não frente aos interesses dos homens. Porém, nesta perspectiva, os interesses animais acabam como secundários, desimportantes (DIAS, 2008, p. 147).

O jurista expõe que, de um modo geral, os animais não são protegidos por seu valor intrínseco, mas enquanto os seus interesses são benéficos para os homens (FRANCIONE, 2007, p. 13), até onde há convergência de ideais, ideias e resultados.

Embora não tenha sido adotado pelos governos, em abril de 1989, o Partido Verde Alemão redigiu para as Nações Unidas (ONU) um documento denominado de Proclamação dos Direitos dos Animais, com base em alguns princípios abolicionistas, que muito bem definem a maneira de pensar desse movimento (DIAS, 2007, p. 114).

(...)

ARTIGO SEGUNDO:

Considerando que os animais, exatamente como os homens, esforçam-se por proteger suas vidas e as de suas espécies, e que demonstram interesse em viver, eles também têm direito à vida. Isto posto, não podem ser classificados como objetos ou semoventes, juridicamente.

ARTIGO TERCEIRO:

Considerando que os animais são iguais aos homens em sua capacidade de sofrer, sentir dor, interesse e gratificação, estas capacidades precisam ser respeitadas. (....)

ARTIGO QUINTO:

As diferenças existentes entre homens e animais, relativamente à inteligência e capacidade de falar, não justificam a desconsideração à grande similaridade de suas funções vitais básicas.

ARTIGO SEXTO:

A classificação dos animais em animais de estimação, de caça e de trabalho, de acordo com os interesses e preferências humanas, gerando diferentes categorias de direitos, precisa ser eliminada, sob pena de infringir os princípios de justiça estabelecidos no Artigo II.

(...)

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28 O movimento criado, em 1980, pelo médico suíço Hans Ruchie (DIAS, 2008, p. 141), entretanto, teve pouco desenvolvimento na área jurídica por pretender elevar a categoria dos animais, como seres de valor e dignidade próprios, não menores que os humanos e que não devem ser diminuídos por suas diferenças. Assim, esbarra-se em diversos interesses econômicos da sociedade que, devido ao forte poderio financeiro e político, evita o crescimento desse pensamento em muitos países, além da forte cultura de aproveitamento de animais pelo homem, em todo o mundo.

2.2.6 A evolução da proteção aos animais no mundo: um caminho à noção da natureza como sujeito de direitos no Novo Constitucionalismo Latino-americano

Como fica claro a partir das análises realizadas anteriormente às teorias que tratam de direitos dos animais, há um evidente eixo geográfico no mundo onde estas ideias e movimentos são produzidos e disseminados, quais sejam: continentes da Europa e da América do Norte.

Muito embora alguns povos orientais, africanos e indígenas, entre outras culturas, tenham, ao longo dos séculos, relações mais harmônicas, saudáveis e avançadas ao tratarem dos animais5, aborda-se neste trabalho o pensamento ocidental, em virtude de sua influência predominante e quase absoluta no Direito brasileiro, bem como no Direito Internacional.

O Direito ocidental apresentou maiores avanços em relação à proteção dos animais, muito porque esses países foram ou ainda são os maiores responsáveis pela crueldade e desrespeito em massa direcionados a milhares de espécies animais. Os avanços legais e filosóficos representam apenas uma reação necessária após os danos causados à natureza, neste caso em específico, à fauna.

Atualmente, os países latino-americanos que participam da construção do Novo Constitucionalismo Latino-americano conseguiram, em boa parte, livrar-se de algumas amarras do pensamento ocidental quanto ao consumo e à superioridade humana, produzindo leis e teorias compatíveis e harmônicas com a natureza, resgatando ensinamentos de povos indígenas ancestrais, anteriores às colonizações europeias, e criando o mais avançado movimento em relação aos direitos dos animais.

Nas Constituições do Equador e da Bolívia, datadas, respectivamente, de 2008 e 2009, o chamado Bem Viver, a visão ecocêntrica do ordenamento jurídico e os direitos

5 A exemplo dos povos egípcios, que cultuavam os felinos, dos indianos, que ainda cultuam e respeitam os

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29 conferidos os demais seres vivos e à própria natureza como um todo, como uma entidade, uma instituição, foram elevados ao patamar de direitos fundamentais, tanto para a natureza quanto para os homens, e princípios constitucionais (MORAES; MARQUES JÚNIOR, 2013, p. 44).

Estas características configuraram mudança substancial nas teorias de constitucionalismo, rompendo com ideologias euro e antropocêntricas, sendo responsáveis pela quebra de um paradigma constitucional ocidental, por isso tamanha a importância destes movimentos latino-americanos.

2.2.6.1 Reino Unido

A respeito do que já foi destacado anteriormente, o Reino Unido tornou-se a nação pioneira a aprovar uma lei, que tenha sido documentada, em favor da proteção de animais. Trata-se da British Anticruelty Act, promulgada no ano de 1822, protegendo cavalos, ovelhas, bovinos entre outros animais de grande porte de valor aos fazendeiros, sob o pretexto, tão somente, de proteção à propriedade destes.

O criador desta lei, Richard Martin, posteriormente, fundou a Society fort the Preservation of Cruelty to Animals, em 1824, provavelmente a primeira associação de proteção aos animais de que se tem notícia. A SPCA foi criada para que Martin e alguns outros defensores da causa dos animais reunissem provas de crueldade e ajuizassem ações em sua defesa (SINGER, 2004, p. 231).

Dentre as diversas leis existentes hoje no Reino Unido, uma das mais importantes é a Protection Animal Act, de 1911, com diversas emendas de atualização. Esta norma lista os tipos penais relativos à crueldade contra animais, entre os quais estão atos de tortura, agressão e enfurecimento do animal, patrocínio ou assistência a brigas entre animais e outros, e suas sanções (RANGEL, 2012, p. 76).

Algumas leis específicas tratam de briga de galo (Cock Fighting Act 1952), licenças para zoológicos (The Zoo Licensing Act, 1981), embora grande parte seja voltada aos animais domésticos, a respeito da Abandonment of Animals Act 1960, The Breeding of Dogs Act 1973, The Breeding of Dogs Act 1991 e The Breeding and Sale of Dogs (Welfare) Act 1999.

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30 devem ser mantidos e tratados, a respeito: luminosidade a qual estão expostos, espaço, disponibilidade local de água e ração, dentre outros.

2.2.6.2 França

Embora famosa, assim como a Inglaterra, pela caça amplamente realizada nos séculos passados, a França foi um dos países pioneiros na promulgação de leis contra a crueldade animal. O primeiro registro legal é da Lei de Grammont, de 1850, na qual foi estipulada penalidade de multa e prisão para quem promovesse maus-tratos a animais em público.

Após isso, outros poucos institutos normativos franceses foram aprovados, a exemplo, em relação à identificação de animais domésticos carnívoros, quanto à sua transferência de propriedade, proibição da eutanásia sistemática aos animais abandonados (Lei Nallet, 1989); normas em relação a matadouros rurais, ligadas unicamente à saúde pública (Código Rural); disposições penais contra condutas de crueldade e maus-tratos aos animais (Código Penal francês, Livro 5, Título II). (RANGEL, 2012, p. 78).

A legislação de proteção animal na França, portanto, ainda que participante da vanguarda europeia acerca da matéria, não foi palco de grandes avanços em favor dos direitos dos animais, pelo contrário, as normas do país são marcadas por uma extrema contradição com suas práticas.

Ainda que os maus-tratos e a crueldade contra seres não humanos sejam expressamente combatidos, com sanções de privação de liberdade e altas multas pecuniárias, a França se mantém como um dos países em que a “tradição” de touradas e rinhas continua legalizada, desde que em localidades onde se mantiveram ininterruptamente até hoje. Para estes eventos de grandes maus-tratos a touros e galos, excepcionalmente, não são aplicadas as leis dispostas acima.

Persistindo os cenários destoantes, recentemente, em 28 de janeiro de 2015, os parlamentares realizaram uma mudança no art. 515-146 do Código Civil Francês, na qual os animais deixaram de ser considerados “coisas” ou bens, para passarem ao status jurídico de seres sencientes, ou seja, passíveis de sentir dor, dotados de sensibilidade, a qual deve ser considerada.

6Art. 515-14. du Code civil - Les animaux sont des êtres vivants doués de sensibilité. Sous réserve des lois qui

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31 A mudança legislativa referenciada representa importante conquista para a proteção dos direitos dos animais, representando também uma quebra de paradigma quanto ao tratamento legal de seres não humanos.

A adoção da ética senciêntrica, segundo Felipe (2009, p. 15) representa a ênfase na capacidade de sentir dor como parâmetro para entrar na comunidade de seres dignos de consideração moral. Apesar de mais avançada, esta visão ainda é bastante criticada por privilegiar a sensibilidade mental, ao passo que a corrente biocêntrica preza pela consideração do valor inerente na vida de cada ser para definir os sujeitos morais dignos de proteção jurídica.

Infelizmente, ainda que represente um progresso na legislação de animais, o novo conceito adotado não foi suficiente para tornar ilegais as práticas de rinhas e touradas na França.

Da mesma maneira, a Espanha é um dos países que possui rigorosas leis quanto aos animais domésticos, exigindo treinamento do tutor e do animal e registros deste, pagamento de tributo sobre o mesmo e, inclusive, estipulando fortes sanções em combate ao abandono de animais domésticos, entretanto, mantêm a liberação das touradas em certas regiões do país.

2.2.6.3 Alemanha

A Alemanha, há muitos séculos, é um país-referência no que tange à proteção legal dos animais, e, em um período não muito distante, em 17 de maio de 2002, tornou-se o primeiro país da União Europeia a incluir a proteção aos animais em sua Lei Fundamental, após aprovação pela maioria absoluta dos votos do parlamento alemão (RANGEL, 2012, p. 80).

Após a mudança, o texto do art. 20a da Lei Fundamental alemã passou a ter a seguinte redação:

Artigo 20 a

[Proteção dos recursos naturais vitais e dos animais]

Tendo em conta também a sua responsabilidade frente às gerações futuras, o Estado protege os recursos naturais vitais e os animais, dentro do âmbito da ordem constitucional, através da legislação e de acordo com a lei e o direito, por meio dos poderes executivo e judiciário. (Tradução livre).

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32 propriedades ou objetos inanimados, elevando os animais a uma categoria única e sui generis entre coisas e pessoas.

§ 90a Animais

Animais não são coisas. Eles são protegidos por leis especiais. Eles são governados pelas normas das coisas, com modificações necessárias, exceto quanto às disposições contrárias.7

Além disso, a primeira legislação de proteção dos animais na Alemanha deu-se em 1871, aproximadamente 50 anos após a primeira legislação neste sentido, no Reino Unido, punindo aquele que agredisse ou maltratasse um animal publicamente.

A proteção de não humanos teve um maior crescimento a partir de 1933, com a tomada do poder pelo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães.

Embora tenha praticado desastrosos atos contra a raça humana, sob diretrizes de preconceito, perseguição e extermínio de judeus, negros, homossexuais e outros grupos, os nazistas beneficiaram os direitos dos animais, a exemplo dos testes e experiências científicas realizados em animais. A vivissecção de animais foi abolida por um decreto de Hermann Göring, ministro de Estado de Hitler, logo em 19338, mas este e outros experimentos foram implementados brutalmente em humanos nos campos de concentração.

No mesmo ano, foi promulgado o “Ato de Proteção Animal no Reich”, o qual listava diversas proibições de uso de animais, por exemplo em obras cinematográficas e outros eventos, que levasse à dor ou ferimentos em animais.

Além dessa lei, foram promulgados um decreto que introduzia a “Proteção Animal” como disciplina no currículo escolar, a Lei da Caça, que restringia a caça esportiva, ambos em 1934, o “Ato da Conservação da Natureza do Reich”, em 1935, dentre outras normas favoráveis aos animais.

Em julho de 1972, porém, o “Ato de Proteção Animal” foi revogado completamente, promulgando-se um novo, com o objetivo de regular a responsabilidade humana na vida e no bem-estar dos animais.

2.2.6.4 Equador

7 Bürgerliches Gesetzbuch (BGB) § 90a Tiere- Tiere sind keine Sachen. Sie werden durch besondere Gesetze

geschützt. Auf sie sind die für Sachen geltenden Vorschriften entsprechend anzuwenden, soweit nicht etwas anderes bestimmt ist.

8 Informações disponíveis em: http://listverse.com/2011/01/31/top-10-things-the-nazis-got-right/ e

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33 Com o advento das Constituições Brasileira, de 1988, e Colombiana, de 1991, estudiosos do Direito Constitucional passaram a notar um novo tom quanto ao texto do constitucionalismo latino-americano, muito mais voltado para o continente em si, do que para as lições de constitucionalistas europeus ou norte-americanos (WOLKMER, 2011, p. 153).

O chamado terceiro ciclo desse Novo Constitucionalismo é marcado pelas Constituições vanguardistas do Equador, de 2008, e da Bolívia, de 2009, desenvolvidas com base na cosmovisão indígena dos povos andinos. Uma das marcas principais destas Cartas Magnas e sua maior inovação é a construção legal do conceito de natureza, a partir de panorama biocêntrico.

Nas palavras de Acosta (2010, p. 01), um dos responsáveis pela redação da Constituição do Equador de 2008, a concepção de Natureza deve ser revisada e reinterpretada integralmente, sob pena de colocar em risco o próprio ser humano. Neste sentido, a Constituição equatoriana inova, reconhecendo a existência de Direitos da Natureza, ao qual se dedica um capítulo inteiro da Carta Magna, em especial seu artigo 71.

Art. 71. A natureza ou Pacha Mama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem direito a que se respeite integralmente a sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos.

Toda pessoa, comunidade, povoado, ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza. Para aplicar e interpretar estes direitos, observar-se-ão os princípios estabelecidos na Constituição no que for pertinente.

O Estado incentivará as pessoas naturais e jurídicas e os entes coletivos para que protejam a natureza e promovam o respeito a todos os elementos que formam um ecossistema.9

Em seu preâmbulo, celebra ainda “a natureza, a Pacha Mama, de que somos parte e que é vital para nossa existência” e invoca a “sabedoria de todas as culturas que nos enriquecem como sociedade”.

Desta feita, o Novo Constitucionalismo Latino-americano deu início à adequação da Natureza como sujeito de direitos, desvencilhando-se dos demais ordenamentos jurídicos ocidentais e iniciando um novo movimento, com uma perspectiva diferente, acerca do Direito Ambiental e também do Direito dos Animais. No entender de Acosta (2010, pp. 17 e 18):

9 Art. 71.- La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete

integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos.

Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad podrá exigir a la autoridad pública el cumplimiento de los derechos de la naturaleza. Para aplicar e interpretar estos derechos se observaran los principios establecidos en la Constitución, en lo que proceda.

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34

Na Constituição equatoriana de 2008, ao reconhecer os Direitos da Natureza, isto é, entender a Natureza como sujeito de direitos, e somar-lhe o direito de ser restaurada quando foi destruída, se estabeleceu um objetivo na humanidade. Igualmente transcendente foi a incorporação do termo Pacha Mama, como sinônimo de Natureza, enquanto reconhecimento de plurinacionalidade e interculturalidade. (...)

A libertação da Natureza desta condição de sujeito sem direitos ou de simples objeto de propriedade, exigiu e exige, então, um esforço político que a reconhece como sujeito de direitos. Este aspecto é fundamental se aceitamos que todos os seres vivos têm o mesmo valor ontológico, o que não implica que todos sejam idênticos.

Dotar a Natureza de Direitos significa, então, estimular politicamente sua passagem de objeto a sujeito, como parte de um processo centenário de ampliação dos sujeitos do direito, como recordava já em 1988 Jörg Leimbacher, jurista suíço. A questão central dos Direitos da Natureza, de acordo com o mesmo Leimbacher, é resgatar o

“direito à existência” dos próprios seres humanos. Este é um ponto medular dos

Direitos da Natureza. Insistamos até o cansaço que o ser humano não pode viver à margem da Natureza. Portanto, garantir a sustentabilidade é indispensável para assegurar a vida do ser humano no planeta. Esta luta de libertação, enquanto esforço político, começa por reconhecer que o sistema capitalista destrói suas próprias condições biofísicas de existência. (tradução livre do autor)

Até então, trata-se da legislação mais benéfica, abrangente e protetiva vigente no mundo, com a mudança radical não só de penalidades ou de crimes contra a natureza, mas modificando seu o próprio status jurídico em seu ordenamento, demonstrando a igualdade dos recursos naturais, flora e fauna, com os demais sujeitos de direito, através da mesma consideração entre os interesses destes agentes diversos. Porém, com uma finalidade em comum: a sustentabilidade e a sobrevivência de todos, natureza e humanos.

A Constituição equatoriana chega a este alcance, pois fundamentada em um constitucionalismo plurinacional comunitário (FERREIRA, 2013, p. 406), mediante “um catálogo de direitos que rompe tanto com o geracional (...) quanto o eurocentrado” (FERREIRA, 2013, p. 405), reconhecendo em sua Carta a categoria de direitos do buen vivir, os quais não versam apenas sobre os homens, mas sobre a natureza como um todo, englobando tudo o que pode influenciar para o bem-estar no País.

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35

3 A TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS NO BRASIL

Enfrentam-se diversas questões indefinidas ou mal resolvidas referentes à tutela dos animais não humanos no Brasil que impedem a evolução da matéria do país. A primeira delas trata da própria (in)adequação destes seres no direito brasileiro, ou a forma desordenada na qual isto foi feito durante os anos.

A própria definição de animal, conforme Castro (2009, p. 160) é um termo metajurídico e causa confusões pelas inúmeras espécies que abarca. No tópico seguinte demonstrar-se-ão as diversas mudanças legislativas concernentes ao status jurídico dos animais no Brasil, desde o século XX, que demonstram a total incerteza do legislador quanto à designação e ao tratamento coerentes àqueles, por vezes excluindo espécies de certos dispositivos e, em outras, abrangendo os seres em sua totalidade.

Nesse esteio, ainda, não se tratam de conceitos aceitos ou devidamente determinados as classificações dos animais não humanos em doméstico ou domesticados, animais de companhia, silvestres, selvagens entre outros e quanto a pertencerem ou não à fauna brasileira, em quais momentos essa interpretação extensiva é aceita e as consequências dessas diferenciações, ou se é ético propagar o tratamento diferenciado entre as espécies de animais.

Assim, no exercício interpretativo das leis brasileiras, pela doutrina ou pelos tribunais, podem-se encontrar diferentes posicionamentos relativos ao tratamento das espécies em virtude da incoerência e ausência de unificação na interpretação das normas legais brasileiras, dificultando, inclusive, a sua eficácia.

Um segundo ponto relevante é a constante vinculação do Direito Ambiental ao Direito dos Animais, muito em razão desta indefinição do animal não humano no ordenamento jurídico brasileiro, levando-o a uma posição genérica de bem ambiental, sem associá-lo a questões que lhes são intrínsecas e os diferenciam dos demais bens ambientais ou recursos naturais: a capacidade de sentir dor física, sofrer tormentos psicológicos, realizar associações cognitivas e emocionais, entre outros.

Por décadas estudiosos e ambientalistas vêm estudando e debruçando-se nestas questões de direitos inerentes aos animais, na tentativa de formação de princípios e fundamentos para a criação de um novo ramo jurídico e da teoria dos direitos dos animais (SILVA, 2013. p 11688).

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36 demandam e uma discussão mais ampla dos seguimentos relativos a esta vertente jurídica, e, consequentemente, levando à obstaculização da disseminação desses estudos e à propagação do desconhecimento populacional e da comunidade jurídica e científica.

Buscando aproximar-se da definição dos cenários legislativo e constitucional brasileiro no que tange à tutela dos animais não humanos atualmente, analisar-se-ão os principais textos legais referentes à temática, bem como as decisões judiciais de maior importância para a definição de uma linha interpretativa dessas legislações.

3.1 Panorama histórico da legislação brasileira em matéria de direitos dos animais

Ainda que, em sua maioria, tenha sido elaborada com o fito de proteção a propriedades particulares, à saúde dos cidadãos ou outras motivações antropocêntricas, de cunho econômico ou outro interesse exclusivamente humano, o Brasil possui uma atividade legislativa que trata do Meio Ambiente e dos animais não humanos que data desde o período do Brasil Colônia, bem como do Império.

Com o propósito de realizar uma análise mais sucinta, permitiu-se tratar neste trabalho mais especificamente das leis brasileiras criadas após a República, que são consideradas, doutrinariamente, como marcos históricos para o Direito dos Animais e o Direito Ambiental, ou seja, com maior apelo, relevância para a matéria.

Inicialmente, presta acentuar que, na vigência do Código Civil de 1916, o tratamento jurídico dado aos animais não humanos era o mesmo de bens móveis, visto que suscetíveis de movimento próprio, sendo nomeados pela doutrina de bens semoventes.

O primeiro texto legal que continha norma protetiva aos animais não humanos de abrangência nacional foi o Decreto de nº 16.590/24, que tratava, em verdade, de regulamentação às “Casas de Diversões Públicas”, passou a proibir a concessão de licenças de funcionamento a estabelecimentos que promovessem “corridas de touros, garraios, novilhos, brigas de galo e canários e quaisquer outras diversões desse gênero que causem sofrimento aos animais” (RANGEL, 2012, p. 84), e restou revogado em 1991.

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37 conduta em seu art. 3º e apenando-a com multa e privação de liberdade10, trazendo como agravantes, inclusive, os castigos realizados na cabeça, pernas ou ventre dos animais11.

Esta norma é considerada um marco da proteção aos animais ainda pelo fato de definir que estes são tutelados pelo Estado12 e assistidos em juízo pelo Ministério Público e membros de sociedades protetoras de animais13.

Ainda que representasse uma evolução quanto ao cuidado dos animais não humanos, inclusive em seu art. 1º, utilizando da expressão “todos os animais” para anunciar aqueles tutelados pelo Estado, o Decreto, conforme seu art. 1714, tinha intenção de se referir apenas aos quadrúpedes, ou bípedes, domésticos ou selvagens, excetuando-se os “daninhos”.

Por animais “daninhos” entendem-se os ratos, insetos e outras espécies que causam pragas em lavouras e plantações e transmitem doenças. Ou seja, desprezava-se qualquer espécie que não fosse economicamente benéfica ou emocionalmente associável (como os animais de estimação) aos humanos.

Já em 1941, a Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei nº 3.688), também vigente, previu os maus-tratos contra animais como condutas penalmente tipificadas, em seu art. 6415, utilizando-se das definições de maus-tratos do Decreto nº 16.590/34.

Em 1967, foram promulgados o Decreto-lei nº 221/67, que regulamentava a pesca no Brasil, e a lei nº 5.197/67, a chamada Lei da Caça ou Lei de Proteção à Fauna, que revogou o Código de Caça (Decreto-lei nº 5.894/43) e o Código de Pesca (Decreto-lei nº 794/38). A Lei de Proteção à Fauna, em particular, regulamentou a atividade de caça no País, proibindo o exercício da caça profissional16 e o comércio de espécimes e produtos derivados de caça

10 Art. 2º - Aquele que em lugar público ou privado, aplicar ou fizer maus tratos aos animais, incorrerá em multa

de 20$000 a 500$000 e na pena de prisão celular de 2 a 15 dias, quer o delinqüente seja ou não o respectivo proprietário, sem prejuízo da ação civil que possa caber.

11 Art. 8º - Consideram-se castigos violentos, sujeitos ao dobro das penas cominadas na presente Lei, castigar o

animal na cabeça, baixo ventre ou pernas.

12 Art. 1º - Todos os animais existentes no País são tutelados do Estado.

13 Art. 2º, § 3º - Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos

legais e pelos membros das Sociedades Protetoras de Animais.

14 Art. 17 - A palavra animal, da presente Lei, compreende todo ser irracional, quadrúpede, ou bípede, doméstico

ou selvagem, exceto os daninhos.

15 Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:

Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.

§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao publico, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.

§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.

Referências

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