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2. O DIREITO DE ACESSO À ÁGUA POTÁVEL

2.2 O acesso no ordenamento jurídico brasileiro

2.2.4 O direito de acesso

No ordenamento jurídico brasileiro, a partir de uma interpretação sistemática do conjunto de normas constitucionais e infra constitucionais, é possível reconhecer que a pretensão de qualquer pessoa de ter acesso à água potável é uma posição jurídica tutelada, portanto um direito que pode ser exigível, tanto na forma de acesso pelo sistema alternativo de abastecimento como pelo sistema clássico de serviços públicos de abastecimento280. Nessa última modalidade os titulares do direito de acesso à água potável figuram na condição de usuários dos serviços públicos de abastecimento281.

278

BRASIL. Decreto nº 5.440 de 4 de maio de 2005. Estabelece definições e procedimentos sobre o controle de qualidade da água de sistemas de abastecimento. Disponível

em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5440.htm>. Acesso 27 ago. 2013.

279

BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>, acesso em 18 dez. 2011.

280

O Marco Regulatório nacional aplicável aos serviços públicos de abastecimento de água são as seguintes normas: Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que “Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos”, Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que “Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública”; Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, que “dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos”; Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007, que “estabelece Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico”; Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010, que estabelece normas para a execução da Lei nº 11.445 (Todas as normas estão disponíveis em <www.planalto.gov.br>).

281

Os titulares do direito de acesso no surgimento do sistema clássico de serviços públicos de abastecimento, quando a administração pública exercia de forma direta a prestação desse tipo de serviço público, figuraram na condição de administrados, posteriormente com a delegação, concessão ou permissão desses serviços para empresas públicas ou privadas os titulares desse direito passaram a ser denominados de “usuários”. Recentemente, com a criação do Estatuto do Consumidor, há uma tendência para denominar os titulares desse direito como consumidores.

130 O direito de acesso à água potável pode ser facilmente compreendido quando se fala em uso doméstico. É nesse caso que, preponderantemente, os indivíduos têm contato com a água que irão consumir para satisfazer suas primeiras necessidades de vida. Incluem-se em tal categoria de uso a dessedentação, a alimentação e a higiene pessoal282.

Convém lembrar que o uso que atende às primeiras necessidades exige água de boa qualidade. Seu fornecimento, atualmente, depende da captação e tratamento efetuados pelas empresas de saneamento. Os domicílios rurais, geralmente, beneficiam-se das águas captadas por meio de perfuração de poços, enquanto que os domicílios urbanos dependem, basicamente, dos serviços públicos de abastecimento.

Antes de entrar na discussão a respeito das origens e da realidade que abarca o principal instrumento utilizado, atualmente, para garantir a efetividade do direito de acesso à água potável, que é o serviço público de abastecimento de água, é preciso fazer referências à fase anterior denominada “uso comum”283

. Tratando-se do direito de acesso à água, o instituto jurídico do uso comum, previsto em diversas normas, foi o que antecedeu o instituto do serviço público. Antes da implementação do abastecimento populacional por meio dos denominados serviços públicos, o acesso à água se efetivava com o ato de ir até o poço, lago ou rio para se abastecer.

Essa evolução, verificada no direito de acesso, do “uso comum” (existente naquele período do “ter que ir até o reservatório de água para se abastecer”) até o “serviço público de abastecimento” (com o receber a água nas próprias residências ou locais de trabalho por meio dos serviços de distribuição e abastecimento) ocorreu, de forma mais intensa, a partir da revolução industrial e do crescimento das cidades. Para Maurício Pinto, Noelia Torchia e Liber Martin, as causas que determinaram essa evolução foram os problemas sanitários associados à propagação de epidemias.

282

FACHIN, Zulmar; SILVA, Deise Marcelino da. Acesso à água potável: direito fundamental de

sexta dimensão. Campinas, SP: Millennium Editora, 2011, p. 42. 283

Nesse sentido é a tese apresentada pelos autores de que ocorreu uma evolução da fase do “uso comum” à fase do serviço público de abastecimento no direito de acesso à água (PINTO, Mauricio Esteban; TORCHIA, Noelia; MARTÍN, Liber. El derecho humano al agua:

particularidades de su reconocimiento, evolución y ejercicio. Buenos Aires: AbeledoPerrot,

131 Consequentemente, no período posterior, surge a conformação dos primeiros sistemas modernos de água potável e saneamento284.

O ‘uso comum de água’ pode ser caracterizado como aquele que realiza qualquer pessoa, atributo inerente à sua condição de humano, para beber ou saciar sua sede, banhar-se, lavar a roupa ou qualquer outro objeto, em águas de córregos, poços, rios e lagos. Portanto, esse instituto jurídico do uso comum importa o reconhecimento do direito que tem toda pessoa de satisfazer suas necessidades básicas de água, necessidades que derivam de sua condição humana e cujo desconhecimento ou desrespeito produz o impedimento da compreensão da vida em sociedade285.

O ‘uso comum’ está previsto no Código de Águas brasileiro286

no Título I, denominado “Águas comuns de todos”, com a previsão de que é assegurado o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de águas, para as primeiras necessidades da vida, sendo que o acesso deve ocorrer por meio de caminho público. Caso não houver este caminho, os proprietários marginais não podem impedir o acesso à água, contanto que sejam indenizados do prejuízo que sofrerem com o trânsito pelos seus prédios, tudo conforme art. 34 e 35287 do Código de Águas.

Portanto, mesmo que tenhamos evoluído da fase em que preponderava o ‘uso comum’ para a atual fase dos ‘serviços públicos de abastecimento’, ainda permanece resquícios da fase anterior na legislação brasileira, tudo isso pelo fato de que parte considerável da população brasileira

284

PINTO, Mauricio Esteban; TORCHIA, Noelia; MARTÍN, Liber. El derecho humano al agua:

particularidades de su reconocimiento, evolución y ejercicio. Buenos Aires: AbeledoPerrot,

2008, p. 13.

285

BLANCO, Alejandro Vergara. Derecho de águas. Tomo II. Santiago: Jurícas de Chile, 1998, p.333.

286

BRASIL. Decreto nº 24.643, de 10 de Julho de 1934, que dispõe sobre o Código de Águas. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d24643.htm>. Acesso em 23 dez. 2011.

287

Código de Águas: Art. 34. É assegurado o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de águas, para as primeiras necessidades da vida, se houver caminho público que a torne acessível. Art. 35. Se não houver este caminho, os proprietários marginais não podem impedir que os seus vizinhos se aproveitem das mesmas para aquele fim, contanto que sejam indenizados do prejuízo que sofrerem com o trânsito pelos seus prédios (BRASIL. Decreto nº

24.643, de 10 de Julho de 1934, que dispõe sobre o Código de Águas. Disponível em

132 vive no meio rural em locais sem a presença dos serviços públicos de abastecimento de água potável.

Em Portugal, assim como no Brasil até recentemente, aqueles que detinham o uso da terra, proprietários ou posseiros, usufruíam livremente das águas que a banhavam. Dessa forma, o decisivo era a capacidade de exercer controle sobre a terra e, consequentemente, sobre os recursos que nela existiam, incluindo-se os recursos hídricos. Restrições a essa situação eram somente as normas que regulavam o direito de vizinhança e o “uso comum”.

Nesse sentido, pode ser referido o Alvará de 27 de Novembro de 1804, que “Dá providências a bem da agricultura, a herdades do alemtejo, em Portugal”288

. Esse Alvará procurou conciliar os direitos de propriedade com o direito de acesso à água entre vizinhos, estabelecendo uma série de regras que devem ser observadas para viabilizar o acesso à água. Parte do conteúdo desse Alvará, atendendo solicitação de proprietários de engenhos de açúcar da Bahia, em benefício da agricultura e da causa pública, foi estendido ao Brasil pelo Alvará de 04 de março de 1819, regulamentando a construção e o uso de águas em canais e levadas289.

O art. 6º da lei das águas de Portugal, Decreto nº 5.787-III, de 10 de maio de 1919, garantia o direito de acesso às águas290. Ao comentar tal Decreto, Fernando Pires de Lima enfatiza que “o regime a que estão sujeitas

288

Texto na íntegra do Alvará de 27 de novembro de 1804. Disponível em <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l4pa1020.htm>. Acesso em 03 jan. 2012.

289

Alvará de 04 de março de 1819. Disponível em

<http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l4pa1022.htm>. Acesso em 03 jan. 2012.

290

Art. 6º. Para os seus gastos domésticos todos podem utilizar a água das fontes, poços e reservatórios públicos a êsse uso destinados, bem como a das correntes de domínio público, quando para elas haja acesso por terreno, estrada ou serventia pública, guardadas as prescrições dos regulamentos e posturas municipais. § 1º. Não havendo acesso à corrente senão por terrenos particulares, serão seus donos indemnizados do prejuízo que possa causar- lhes o trânsito pelos seus prédios. § 2º. Esta servidão só se dará verificando-se que as pessoas ou a povoação que a reclamam não podem haver água doutra parte, sem grande incómodo ou dificuldade (Lei das águas (Decreto nº 5.787-III, de 10 de maio de 1919). Disponível em <http://www.inag.pt/inag2004/port/divulga/legisla/pdf_nac/DomPubHidrico/Dec5787_IIII_1919.P DF>. Acesso em 04 jan. 2012)

133 as águas públicas e que, de resto, é o regime de todas as coisas públicas, é o de que a todos é permitido usá-las” 291

.

A regulação do uso comum d’água não fez mais do que reconhecer que o direito de satisfazer as necessidades humanas básicas é uma prerrogativa de todos, sem distinção alguma, sejam ou não proprietários, ribeirinhos, concessionários, nacionais, estrangeiros, etc. Todas as pessoas têm o direito de servir-se de água de que necessitam para sua subsistência292.

O Estado moderno passou por uma evolução na qual o direito incorporou novas instituições para satisfazer necessidades essenciais individuais de importância coletiva, consolidando-se o serviço público de abastecimento de água potável como um mecanismo estatal para assegurar a satisfação do direito de acesso. É claro que atualmente ainda vigoram normas que regulam o uso comum, tendo efetividade, principalmente, nas regiões não abarcadas por redes públicas de abastecimento.

Por fim, a constatação de que o instituto jurídico do “uso comum’ e do “serviço público” surgem a partir da compreensão de que “o acesso à água é uma necessidade humana que não pode ser desamparada pela ordem jurídica”293

. Portanto, entendo que o acesso à água potável sempre foi reconhecido por todos como uma necessidade humana que deve ser satisfeita para viabilizar a manutenção da vida. A partir da positivação das necessidades humanas como direitos, surge, inicialmente, o instituto jurídico do ‘uso comum’ e, posteriormente, a regulamentação jurídica do acesso à água por meio dos serviços públicos de saneamento básico.

No Brasil é preocupante a realidade apresentada pelos dados estatísticos do saneamento básico. Os níveis de cobertura das redes de água e esgoto são divulgados pelo Sistema Nacional de Informação sobre

291

LIMA, Fernando Pires de. Lições de direito civil : da propriedade das águas. compil. Armando Ramos de Paula Coelho. - Coimbra : Casa do Castelo, 1939, p. 52.

292

IRUJO, Antonio Embid (coord). Diccionário de derecho de aguas. Madrid: Iustel, 2007, p.949.

293

PINTO, Mauricio Esteban; TORCHIA, Noelia; MARTÍN, Liber. El derecho humano al agua:

particularidades de su reconocimiento, evolución y ejercicio. Buenos Aires: AbeledoPerrot,

134 Saneamento (SNIS)294 e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sendo que os dados utilizados neste trabalho são os divulgados pelo SNIS em 2012, referentes ao ano de 2011 e pelo Atlas de Saneamento 2011 do IBGE, que divulga dados coletados em diferentes momentos.

A totalização de dados referentes a 4.975 municípios atendidos com abastecimento de água demonstra que os índices médios nacionais de atendimento da população total (urbana + rural) identificados pelo SNIS em 2011 foram de 82,4% para abastecimento de água e de 48,1% para coleta de esgotos. Considerando somente a população urbana, os dados evidenciam uma melhora no atendimento pelos serviços de água, com índice médio nacional igual a 93%, enquanto que na coleta de esgotos esse índice foi de 55,5%. Portanto, é possível verificar que de cada 100 pessoas que vivem nas cidades, ainda há cerca de 7 que não têm garantido o direito de acesso à água potável fornecida pelos serviços de abastecimento.

No Atlas de Saneamento, publicado pelo IBGE, consta que são 33 municípios que declararam, em 2008, a inexistência de Rede de abastecimento de água. Porém, segundo os resultados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – (PNSB 2008)295, no caso do sistema de esgotamento sanitário, a situação revela-se preocupante, pois verifica-se a falta de rede coletora de esgoto em 2.495 municípios, distribuídos pelas Unidades da Federação.

Na PNSB 2008, além dos dados sobre os serviços de saneamento, existem informações relativas às principais soluções alternativas quando da ausência de redes básicas de saneamento, no caso do abastecimento de água e esgotamento sanitário. No primeiro, a ausência de rede de distribuição de água é compensada por um número variado de alternativas, como chafariz, poço particular, carro-pipa, corpo d’água, cisternas, bica, etc. Foram identificados 794 municípios no País onde, independentemente da existência de rede geral de abastecimento, ocorreu a distribuição de água por outras

294

Os diagnósticos de saneamento, desde o ano de 1995, encontram-se disponíveis no endereço eletrônico do Serviço Nacional de Informação em Saneamento. Disponível em <www.snis.gov.br>. Acesso em 04 jan. 2014.

295

IBGE. Atlas de saneamento 2011. Disponível em

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/atlas_saneamento/default_zip.shtm>. Acesso em 04 jan. 2014.

135 formas. Ao adicionar os 33 municípios onde não há rede geral de abastecimento, verifica-se que a ocorrência de fornecimento de água por formas alternativas atingiu o patamar de 827 (14,9%) municípios brasileiros.

Portanto, os dados apresentados demonstram, sem o rigorismo das ciências exatas, mas com a relevância que um tema das ciências sociais tem, que um considerável número de pessoas que residem no Brasil não tem garantido o direito de acesso à água potável para suprir as suas necessidades. Há carência de serviços públicos de abastecimento, tanto daqueles considerados “clássicos”, das redes com água canalizada, como daqueles em que o fornecimento de água ocorre por formas alternativas.

Os serviços públicos de abastecimento d’água no Brasil historicamente estiveram a cargo do Poder Público que executa tais serviços por meio de empresas estatais. No entanto, a partir de 1990, com início do programa de desestatização das empresas públicas, implementado pela Lei nº 8.031 de 12 de abril de 1990296, reforçado pela nova Lei das Concessões, Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995297, esses serviços passaram a ser executados em vários municípios brasileiros por empresas privadas no regime de concessão de serviços públicos.

No ano de 2010, os dados da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON)298 indicavam que as empresas privadas do ramo atendiam 13,9 milhões de pessoas, em 216 municípios. Em agosto de 2014, os dados divulgados pela ABCON demonstravam que as empresas privadas estão presentes em 297 municípios, atendendo 27 milhões de pessoas. Atualmente, os serviços de abastecimento d’água (saneamento básico) são prestados, ainda, na maior parte dos Municípios, por operadores públicos: há mais de 20 Companhias

296

Posteriormente essa lei foi revogada pela Lei nº 9.491, de 09 de setembro de 1997, que “Altera procedimentos relativos ao Programa Nacional de Desestatização”. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9491.htm>. Acesso em 05 dez. 2013.

297

BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal”. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987cons.htm>. Acesso em 05 dez. 2013.

298

Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON). Disponível em <http://www.abcon.com.br/perf_03.php>. Acesso em 04 ago. 2014.

136 Estaduais de Saneamento Básico (CESBs) que atendem aproximadamente 3.300 Municípios e 1.800 sistemas municipais autônomos.

Antes desse processo de transferência parcial dos serviços públicos à iniciativa privada, constatava-se a existência de duas fases distintas na prestação dos serviços públicos de abastecimento d’água. Na primeira fase que vai até 1967 os serviços são prestados basicamente pelos municípios. Na segunda fase que vai de 1967 a 1990 ocorre a centralização, na União, das políticas de saneamento, com a promulgação da Lei nº 5.318, de 26 de

setembro de 1967, que Instituiu a Política Nacional de Saneamento e criou o

Conselho Nacional de Saneamento. Posteriormente, a partir dessa lei surge o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) e o incentivo para que fossem criadas nos Estados as Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs) para atuarem em diversos municípios, executando os serviços públicos de abastecimento e esgotamento sanitário de acordo com as políticas formuladas em nível nacional299.

A competência para organizar e prestar os serviços públicos de abastecimento, de acordo com o Art. 30, inciso V da Constituição300, é dos municípios. Por outro lado, a Constituição atribui aos Estados a possibilidade de instituir regiões metropolitanas constituídas por agrupamento de Municípios a fim de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum (art. 25, parágrafo 3º)301. Considerando que o serviço de captação, de tratamento e de distribuição de água é de interesse comum de Municípios limítrofes e, ainda, que os serviços nas regiões metropolitanas representam a maior parte do faturamento do setor de saneamento, isso tem gerado conflitos entre Estados e Municípios pela

299

Karine Silva Demoliner é autora da tese de que a segunda fase inicia no ano de 1970. (DEMOLINER, Karine Silva. Água e saneamento básico: regimes jurídicos e marcos

regulatórios no ordenamento brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 111-113). 300 BRASIL. Constituição Brasileira de 1988: “Art. 30. Compete aos Municípios: [...] V -

organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”

(BRASIL. Constituição Brasileira de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 30 set. 2013).

301

BRASIL. Constituição Brasileira de 1988: “Art. 25(...), § 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”.

137 titularidade desses serviços. Os Estados procuram definir a prestação desses serviços por meio das Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs) e os municípios utilizam-se da prerrogativa de ser o poder concedente para firmar contratos de concessão desses serviços às empresas privadas302.

Desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, a questão da competência acerca da titularidade para prestação ou delegação dos serviços públicos de abastecimento de água tem gerado disputas entre Municípios e Estados. Ao ser elaborada a Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007, essa polêmica também esteve presente a ponto de constar no projeto de lei original a titularidade exclusiva dos Municípios para os serviços de saneamento sobre as regiões metropolitanas; no entanto, a solução consensual encontrada pelos legisladores foi esperar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1842/RJ303 e deixar na Lei nº 11.445 apenas cláusulas gerais e a expressão “titular dos serviços”, nos Arts. 8º e 9º, quando faz referências ao ente executor ou concedente dos serviços públicos de água e esgoto.

Portanto, entendo que o direito de acesso exercido pela forma clássica dos serviços públicos de abastecimento pode também ser regulamentado por meio de legislação municipal. É o município o ente federativo competente para delegar ou conceder os serviços públicos de fornecimento de água para