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1. ÁGUA POTÁVEL: CONCEITO, CLASSIFICAÇÕES E IMPORTÂNCIA

1.2 Águas: algumas classificações

1.2.1 Quanto à forma

A água pode ser encontrada na Natureza sob a forma de mares, rios, lagos, chuva, aquíferos, lençóis freáticos, nuvens, nevoeiro, orvalho, neve, geada, granizo e tantas outras formas.

Uma classificação intensamente utilizada, principalmente por limnólogos30, é a classificação das águas quanto à forma em que se encontram disponíveis para os diversos usos, sendo as principais as águas superficiais e as subterrâneas, no entanto, outras formas também podem proporcionar o uso desse importante recurso, como as águas da chuva e as águas em forma de vapor.

As águas doces superficiais representam uma pequena parcela de toda água existente no planeta31. Compõem esse ambiente hídrico superficial os estuários de águas doces, os rios, os ribeirões, as ribeiras, os riachos, os córregos, as fontes, as nascentes, os aquedutos, os poços, os açudes, os lagos, as lagoas e tantas outras formas de disposição de porções de água.

Há uma intensa troca entre os diversos ambientes armazenadores de água superficial. Essa mobilidade entre os compartimentos hídricos superficiais ocasiona uma dificuldade no estabelecimento de suas reservas, dificultando generalidades tanto em termos quantitativos quanto em termos qualitativos.

Até meados do século XX, os estudos sobre rios tinham abordagem basicamente hidrológica, com objetivos primordialmente econômicos: a obtenção de energia elétrica; a retificação de cursos e a construção de eclusas para a navegação. Estudos com abordagem ecológica, portanto com enfoque sistêmico de rio, passaram a ser desenvolvidos desde então.

30

A Limnologia é o estudo das reações funcionais e produtividade das comunidades bióticas de lagos, rios, reservatórios e região costeira em relação aos parâmetros físicos, químicos e bióticos ambientais (LAMPERT, Winfried; SOMMER, Ulrich. Limnoecology: the ecology of lakes

and streams.New York: Oxford University Press, 1997, p. 382) 31

Apenas 0,3 % da quantidade total de água doce da Terra está concentrada em lagos, reservatórios e sistemas fluviais (TUNDISI, Jose Galizia. Água no século XXI: enfrentando a

escassez. 2. ed. São Carlos: RIMa, IEE, 2005, p. 7 e SHIKLOMANOV, Igor. World fresh water resources. In: GLEICK, Peter H. Water in crisis: a guide to the world’s fresh water resources,

33 Sistemas de rios têm sido dramaticamente alterados em suas características em todo o mundo. Essas alterações têm sido provocadas diretamente pela construção de represas, reservatórios, retificação e canalização de cursos, e, indiretamente, pelo uso continuado e inadequado do solo e a descarga de grandes quantidades de efluentes orgânicos e inorgânicos nas regiões mais populosas e/ou industrializadas32.

Na sua acepção semântica, rio significa: “Curso de água natural, de extensão mais ou menos considerável, que se desloca de um nível mais elevado para outro mais baixo, aumentando progressivamente seu volume até desaguar no mar, num lago, ou noutro rio, e cujas características dependem do relevo, do regime de águas, etc.” 33

Juridicamente, conforme observa Antônio de Pádua Nunes, apud Paulo de Bessa Antunes, o conceito de rio difere daquele que é fornecido pela linguagem comum: “Podemos considerar rio o curso de água que é apto para navegação ou flutuação, bastando que essa aptidão exista em algum trecho nos termos do art. 6º do decreto-lei nº 2.281, de 5/9/40. Se assim não for, a corrente deverá denominar-se córrego, ribeirão, riacho, arroio etc”34

.

O conceito de rio, para Pinto Ferreira, é “o curso de água doce corrente, permanente e contínuo, movendo-se entre margens e sobre um leito ou álveo, terminando no mar, em lago ou em outro rio.”35

Os estuários representam uma fronteira entre os meios marinho, terrestre e fluvial, comunicando com a área oceânica correspondente à zona litoral. Um estuário é um corpo de água costeiro, semi-fechado, o qual possui uma ligação livre com o mar aberto e no interior do qual a água do mar se dilui de forma mensurável, com água doce proveniente de drenagem terrestre.

32

SCHWARZBOLD, Albano. O que é um rio. Revista Ciência & Ambiente, Santa Maria: UFSM, vol. 1, n. 21, jul/dez. 2000, p. 58.

33

Dicionário Aurélio Eletrônico, Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

34

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 6ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. 426.

35

F E R R E I R A , P i n t o . C o m e n t á r i o s à C o n s t it u iç ã o Br a s i l e ir a . 1 . v . S ã o P a u l o : S a r a i v a , 1 9 8 9 , p . 4 7 2 .

34 Os estuários têm sido considerados dos habitats naturais mais produtivos do mundo, representando áreas vitais de alimentação de muitas espécies de aves, de reprodução de muitas espécies de peixes, assim como locais de pesca costeira.

Além disso, desde longa data, os estuários assumiram um papel extremamente importante em termos de atividades humanas, quer como locais de navegação quer como locais preferenciais para a instalação de cidades e funcionamento de portos. A maioria dos estuários encontra-se, atualmente, sujeita a grande pressão, atuando como repositórios de efluentes industriais e domésticos, como localização preferencial para parques industriais ou, também, como zonas utilizáveis para criação de terrenos destinados a atividades agrícolas.

As águas superficiais também se apresentam em forma de “lagos” que são os responsáveis pelo abastecimento de mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo. No entanto, mais da metade dos lagos do planeta estão em perigo devido à contaminação e a grande exploração, provocadas pelos despejos domésticos e industriais e pela extração excessiva por meio de bombeamento para a irrigação. Essas constatações foram divulgadas na IX Conferência Internacional sobre Conservação e Monitoramento de Lagos36, realizada no Japão em 2001, resultado de levantamentos que incluem mais de cinco (5) milhões de lagos e outras fontes de água doce do planeta.

No Brasil, apesar da vastidão do território, há poucos lagos. Eles podem ser agrupados em três categorias: lagos costeiros, formados pelo fechamento de uma restinga ou cordão arenoso (caso das lagoas dos Patos, Mirim e Rodrigo de Freitas); lagos fluviais ou de transbordamento, originados pelo transbordamento de cursos fluviais (como o Manacapuru, no Amazonas) e lagos mistos (lagoa Feia, no Rio de Janeiro).

Lago e lagoa são duas definições extremamente importantes para a legislação protetora dos recursos hídricos. Em sua acepção comum, o

36

IX Conferência internacional sobre Conservação e Monitoramento de Lagos, realizada no Japão, em Shiga, onde se encontra o Lago Biwa, responsável pelo abastecimento de milhões de pessoas. Disponível em <http://www.aguaonline.com.br/edição=85>. Acesso em 08 dez. 2008.

35 vocábulo lago, originado do latim lacu, é sinônimo de extensão de água cercada de terras. Já lagoa é vocábulo que também tem a sua origem no latim, provindo de lacona, segundo o Dicionário Aurélio Eletrônico, é um lago pouco extenso. No Brasil é corrente chamar lagoa a qualquer lago37.

As águas superficiais em Portugal, pela relevância que têm para o seu povo e para o País, tem sido uma preocupação constante. As bacias hidrográficas dos rios luso-espanhóis (Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana) constituem cerca de 2/3 do território de Portugal Continental, integrando 56% dos recursos hídricos superficiais portugueses. Especial atenção deve ser prestada ao tratamento dos Acordos existentes nesse domínio entre Portugal e Espanha. “A forte dependência de Portugal dos caudais fluviais afluentes de Espanha é um motivo suplementar para que sejam envidados todos os esforços no sentido da realização de planos de gestão únicos para cada bacia hidrográfica luso-espanhola”38

.

Fonte ou nascente são dois vocábulos que foram durante muito tempo objeto de viva controvérsia entre autores e na jurisprudência dos tribunais portugueses. Mario Tavarela Lobo, utilizando-se dos ensinamentos de Dias Ferreira, afirma que a diferença consiste fundamentalmente em que, “na linguagem ordinária e no uso comum, a palavra nascente emprega-se para designar a água que brota naturalmente do solo, enquanto que a fonte pressupõe algum trabalho para o aproveitamento das águas”39

.

Ribeira, ribeiro ou regato, expressões utilizadas com mais frequência em Portugal, no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea40, significam “pequeno curso de água, de menores dimensões que o rio”. São sinônimos de riacho e córrego, expressões utilizadas na literatura brasileira.

37

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 6ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2002, p. 427.

38

VIEIRA, José Manuel Pereira. Gestão da Água em Portugal. Os Desafios do Plano Nacional

da Água. In Revista Engenharia Civil da Universidade do Minho, nº 16, Janeiro de 2003, p. 9. 39

LOBO, Mário Tavarela. Manual do direito das águas. Vol 2. 2. Ed. Rev. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 7.

40

CASTALEIRO, João Malaca (coord). Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, 2001, p. 3.256.

36 Água Subterrânea, na definição do Dicionário de Direito Ambiental, “é a água que se encontra abaixo no nível freático”41

, compreendendo-se esse como sendo a distância entre a superfície e a zona saturada em água do solo.

Aquífero é o “solo, rocha ou sedimento permeável, capaz de armazenar água subterrânea”42. Na definição de Mario Wrege, “os aquíferos são os meios armazenadores e condutores, em quantidades apreciáveis, de água subterrânea”43. No Atlas da água consta que aquífero “são imensos reservatórios de água, localizados no subsolo de áreas com rochas porosas”44

As águas subterrâneas estão tendo uma real valorização a partir de um período muito recente, pois o aumento da população mundial, com o consequente incremento das áreas agricultáveis e da produção industrial, demandou o crescimento exponencial da exploração dos recursos hídricos. Como resultado desse processo, aliado à variedade de efeitos causados pelo desenvolvimento global, as águas superficiais dos rios e lagos tornaram-se insuficientes e degradadas. Assim, a procura por meios que substituíssem as reservas ineficientes ou deterioradas foi altamente incentivada, surgindo pesquisas de verificação do potencial hídrico dos aquíferos.

Uma das pesquisas de grande relevância é o mapa hidrogeológico da América do Sul que foi elaborado com patrocínio da UNESCO, dentro do seu Programa Hidrológico Internacional – PIH45

. Foi por meio desse mapa, lançado oficialmente durante o 30º Congresso Internacional de Geologia, que o aquífero Guarani ficou claramente identificado.

O Aquífero Guarani46, conhecido como Sistema Botucatu, também já foi batizado de aquífero Gigante do Mercosul, tem a atual denominação por

41

KRIEGER, Maria da Graça. et al. Dicionário de direito ambiental: terminologia das leis do

meio ambiente. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1998, p. 36. 42

KRIEGER, 1998, p. 51.

43

WREGE, Mário. Nocividades das atividades agrícolas sobre as águas subterrâneas. In: Congresso sobre manejo alternativo de recursos hídricos, 1994, Florianópolis. Anais...Florianópolis: Imprensa universitária da UFSC, 1994, p. 47.

44

CLARKE, Robin; KING, Jannet. O Atlas da Água. 1ª.ed. São Paulo: Editora Publifolha, 2005, p.26.

45

O mapa hidrogeológico da América do Sul foi lançado na China, Beijing, de 4 a 14 de agosto de 1995 (ÁGUA EM REVISTA, 1995, p. 79-82).

46

37 sugestão do geólogo uruguaio Danilo Anton, sob o argumento de que “guarani” é uma homenagem aos povos indígenas que habitavam a região e de que essa denominação integra os quatro países que o aquífero atinge (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). Esse aquífero é um dos maiores reservatórios de água doce do mundo, sua extensão é de 1,3 milhão de Km², correspondente às áreas da França, Inglaterra e Espanha47.

Sua água doce é extremamente pura e própria para o consumo humano e suas reservas são recarregadas continuamente por meio da infiltração direta das águas de chuva, porém, já foram feitas afirmações de que: “há lençóis que não se renovam, constituindo bacias estanques do subsolo”48

. O Aquífero Guarani tem grande importância como fonte hídrica de alta qualidade para suprimento de água potável em cidades, para a utilização na indústria, para exploração como estâncias hidrotermais e para irrigação na agricultura. Esse aquífero armazena um volume de água estimado em 40 mil quilômetros quadrados, suficiente para atender a população do Brasil por 3.500 anos49. No entanto, a utilização das águas subterrâneas na indústria e no abastecimento público, nas últimas décadas, apresenta uma tendência de crescimento no Brasil, o que é preocupante, haja vista o risco de poluição do aquífero Guarani e as consequências desconhecidas de uma utilização em larga escala.

As águas subterrâneas, ao contrário do que se imagina, vêm sendo atingidas por várias formas de poluição, cada vez com maior intensidade50. Entre as formas de contaminação que atingem os aquíferos estão os cemitérios51, os postos de gasolina52, os agrotóxicos53, os depósitos de lixo, as

47

ÁGUA EM REVISTA. Revista técnica e informativa da CPRM. Brasília: CPRM - Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, ano III, n. 5, ago/1995, p. 79.

48

Afrânio Carvalho apud FREITAS, Vladimir Passos de. Sistema jurídico brasileiro de controle

da poluição das águas subterrâneas. In: 5º Congresso Internacional de Direito Ambiental,

jun/2001, São Paulo. Anais...São Paulo: Instituto Planeta Verde, 2001, p. 223.

49

GRAF, Ana Claudia Bento. Água, bem mais precioso do milênio: o papel dos estados. Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal. Brasília, n. 12, ano IV, set/dez. 2000b, p. 34.

50

PES, João Hélio Ferreira. O Mercosul e as águas: : a harmonização, via Mercosul, das

normas de proteção às águas transfronteiriças do Brasil e Argentina. Santa Maria: UFSM,

2005, p. 33.

51

SILVA, Leziro. Cemitérios: fonte potencial de contaminação dos aquíferos livres. Revista Saneamento Ambiental, n. 71, nov/2000, p. 41.

38 usinas de açúcar, os curtumes, os frigoríficos, as fossas sépticas e os poços rasos e profundos, que são construídos, operados e abandonados sem tecnologia adequada.

Em Portugal as águas subterrâneas passaram a ser objeto de tutela jurídica de forma claramente expressa a partir da vigência do Decreto-Lei n.º 208/2008, de 28 de Outubro54, que estabelece o regime de proteção das águas subterrâneas contra a poluição e deterioração, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/118/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro e dando também cumprimento ao disposto no artigo 47.º e no n.º 3 do artigo 102.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água).

A norma lusitana considera a água subterrânea um recurso natural valioso que, enquanto tal, deve ser protegido da deterioração e da poluição química. Essa proteção é particularmente importante no que respeita aos ecossistemas dependentes da água subterrânea e à utilização dessa para o abastecimento de água destinada ao consumo humano. A água subterrânea representa as massas de água doce mais sensíveis e importantes da União Europeia, sendo uma fonte essencial de abastecimento público de água potável em muitas regiões, devendo ser protegida de forma a evitar a deterioração da qualidade, a fim de reduzir o nível do tratamento de purificação necessário à produção de água potável. Por isso, estão definidos no Decreto- Lei n.º 208/2008, de 28 de Outubro, que se deve realizar o procedimento para avaliação do estado químico das massas de água subterrânea; identificar as eventuais tendências significativas e persistentes para o aumento das concentrações de poluentes, grupos de poluentes e indicadores de poluição presentes nas massas ou grupos de massas de água subterrânea identificados como estando em risco, e definir o ponto de partida para a inversão dessas

52 O jornal ABAS/informa, abril/2001, p. 5, publicou matéria denominada “Aquíferos

contaminados por gasolina”.

53 O jornal O Estado de São Paulo, de 04.06.2001, p. B8, publicou a matéria “Maior manancial

está sob reservatórios do Brasil” fazendo referências à poluição por agrotóxicos.

54

PORTUGAL. Decreto-Lei n.º 208/2008. Estabelece o regime de protecção das águas subterrâneas contra a poluição e deteriora-

ção. Disponível em: < https://dre.pt/application/dir/pdf1s/2008/10/20900/0756907575.pdf>. Acesso em 28 set. 2013.

39 tendências; e, ainda, que se devem tomar medidas para prevenir ou limitar a introdução de poluentes na água subterrânea.

A legislação vigente em Portugal é avançada, assim como parte considerável da legislação ambiental em vigor na União Europeia, no entanto, a efetividade dessas normas nem sempre corresponde à realidade normativa. Em Jurisprudência Comunitária Publicada em 04-04-2009, documento nº 28937, referente a ‘Acção intentada em 28 de Janeiro de 2009 — Comissão das

Comunidades Europeias/República Portuguesa (Processo C-37/09)’, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias(2009/C 82/31) utilizou como argumento relevante para Condenar a República Portuguesa nas despesas o fato da Administração portuguesa não ter tomado, durante muitos anos, as disposições necessárias para impedir os detentores de resíduos não identificados de descarregarem e abandonarem resíduos nas pedreiras desativadas, além de não ter tomado as medidas necessárias para impedir a introdução nas águas subterrâneas de substâncias tóxicas e prejudiciais.

No Brasil o tratamento jurídico que é dispensado às águas subterrâneas é insignificante. A constituição Federal de 1988 refere-se a elas no art. 26, inc. I, para afirmar que elas se incluem entre os bens dos Estados55. Em outros dispositivos a Carta Magna fala em águas de forma genérica.

No plano infraconstitucional a Lei nº 9.433, de 08.01.199756, que institui a política nacional dos recursos hídricos, está voltada para as águas superficiais e faz breve referência às águas subterrâneas nos artigos 12, inciso II57, e 49, inciso V58, para prever a outorga de direitos de uso de recursos hídricos subterrâneos e considerar infração o seu uso sem autorização.

55 BRASIL. Constituição Brasileira de 1988. Título III, Capítulo III “Dos Estados Federados”: Art.

26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obra da União. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 30 set. 2013.

56

BRASIL. Lei n. 9.433 de 8 de janeiro de 1997. Institui a política nacional de recursos hídricos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9433.htm>. Acesso em 30 set. 2013.

57

Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo poder público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos:...II – extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo;

40 O Código de Águas (Decreto nº 24.643, de 10.07.1934)59, nos artigos 96 a 101, fazia referências às águas subterrâneas, porém para proteger os conflitos de vizinhança. Além disso, o art. 96 foi revogado pela Lei nº 9.433, de 08.01.1997 (Lei de Recursos Hídricos) ao caracterizar a água como bem público de uso comum e ao impossibilitar a apropriação das águas subterrâneas, passando a ser possível usá-las se houver outorga do órgão público (conforme art. 12, inciso II, da Lei 9.433, de 08.01.1997).

As demais leis federais brasileiras nada dispõem sobre proteção jurídica dos aquíferos. O jurista Vladimir Passos de Freitas entende que: “sendo omissa a legislação federal é na legislação estadual que se disporá sobre a matéria”60. No entanto, ressalta ele que “há quem sustente que pertençam à União as águas subterrâneas que ultrapassam as divisas de um Estado-membro. Tal interpretação, todavia, não convence, pois o constituinte não fez distinção entre as águas...”61

.

Édis Milaré, referindo-se ao domínio das águas na Constituição de 1988, comenta os artigos 20, inciso III e 26, inciso I, sobre as águas subterrâneas, concluindo que: “em suma, são da União as águas interiores superficiais que não se contenham no território de um Estado. As águas subterrâneas são sempre estaduais, independentemente da extensão do aquífero”.62

No que respeita ao domínio das águas e à competência para legislar sobre elas, José Afonso da Silva afirma que: “não é muito coerente atribuir aos Estados o domínio de águas superficiais e subterrâneas, (...), sem lhes

58

Art. 49. Constitui infração das normas de utilização de recursos hídricos superficiais ou subterrâneos:...V – perfurar poços para extração de água subterrânea ou operá-los sem a devida autorização;

59

BRASIL. Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Institui o Código de Águas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d24643.htm>. Acesso em 31 jul. 2008.

60

FREITAS, Vladimir Passos de. Águas – aspectos jurídicos e ambientais. Curitiba: Juruá,

2000, p. 224.

61

FREITAS, 2000, p. 224.

62

MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed.Revista dos Tribunais, 2001,p. 388.

41 reconhecer a competência para legislar, ainda que fosse suplementarmente sobre águas” 63

.

Quanto a esse tema o entendimento que manifestei em outro momento64 é de que o constituinte brasileiro se equivocou ao relacionar as águas subterrâneas como de domínio dos Estados (art. 26, I) e não da União (Art. 20), considerando a existência de águas subterrâneas transfronteiriças. O artigo 20 da CF/88 aduz que rios e lagos que banham mais de um Estado são bens da União, no entanto, as águas subterrâneas mesmo que transcendam mais de um Estado ou de um País (águas transfronteiriças), a competência é estadual conforme artigo 26 da CF/88. Assim é inegável que o domínio sobre os recursos hídricos subterrâneos deve ser da União e não dos Estados. É inaceitável que somente legislações estaduais façam a proteção jurídica compatível com a importância das águas subterrâneas transfronteiriças.

Penso que por conta desse equívoco do constituinte brasileiro, em