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2 OLHARES PÓS-COLONIAIS

2.1 O discurso do desenvolvimento

Seriam significantes de um mundo subdesenvolvido, ou “terceiro mundo”, a superpopulação, a ameaça da fome, da pobreza, e do analfabetismo. Tais campos de significado facilitariam a dominância de uma noção exclusivamente ocidental e eurocêntrica, que marginaliza e desqualifica concepções diferentes (ESCOBAR, 1995). Para Escobar (ESCOBAR, 1995, p. 5-10), o discurso do desenvolvimento produz um componente geopolítico, um poder espacial que se demonstra em expressões como Norte e Sul26, Primeiro e Terceiro Mundo, centro e periferia, e que se vincula com a criação de diferenças, subjetividades e ordens sociais. Na obra “Encountering Development: The making and

unmaking of the Third World” (Encontrando desenvolvimento: o fazer e

refazer do Terceiro Mundo), de 1995, Escobar disserta sobre o discurso do desenvolvimento e suas imbricações com a noção de terceiro mundo, tendo por objetivo aceder a uma era de pós-desenvolvimento, que exigiria resistência das comunidades no campo dos signos. Ademais, o momento da obra é especialmente interessante, devido à coincidência de período com o estudo de caso proposto.

No tom da crítica pós-colonial, Escobar propõe que o

discurso do desenvolvimento insurge no período pós-II Guerra

Mundial, e é uma das faces contemporâneas da modernidade.

O discurso do desenvolvimento imprime em seus sentidos que

as sociedades do chamado terceiro mundo devem ter como

modelo inquestionável a Europa e os Estados Unidos. Envolve

conhecimentos realizáveis como práticas, conceitos e teorias

que contemplam um sistema de poder, que leva as pessoas a se

reconhecerem enquanto desenvolvidas (localizadas no Primeiro

Mundo) e subdesenvolvidas (localizadas no Terceiro Mundo)

(ESCOBAR, 1995, p. 10-12).

Mulheres, camponeses e meio ambiente teriam passado por um

26 Atualmente, cabe destacar que as distinções entre Norte e Sul apontam

para uma divisão menos geográfica do que simbólica e política (MARTINS; BARROS, 2011), situando o primeiro no campo de um pensamento dominante, para usar o termo de Grosfoguel, proveniente do sistema mundo europeu/euro-norte-americano/moderno/capitalista/colonial/patriarcal, e pensamento do sul para o conjunto de reflexões alternativas.

processo de “desenvolvimentização” (developmentalization). Especificamente no campo ambiental, insurge a noção de desenvolvimento sustentável. Escobar (1995, p. 193) concorda com a emergência de significância para desenvolvimento sustentável a partir do Relatório Nosso Futuro Comum, ou Brundtland. Os redatores do Nosso Futuro Comum, para o autor, seriam meros comissários do Banco Mundial, fortalecedores de uma modernidade que exige que todos compartilhem de uma vida produtiva.

Um importante aspecto discursivo do relatório é a ênfase no gerenciamento dos problemas globais. Tal ênfase seria uma forma de manter os modelos de desenvolvimento e crescimento da modernidade ampliados para o globo como um todo, e a responsabilidade pelo gerenciamento seria predominantemente de homens brancos ocidentais. Para Escobar, o Relatório Brundtland sistematizaria a assunção de que a mão branca do Ocidente salvaria a Terra. É importante reconhecer que, assim como o próprio capital, também o discurso pode gerar transformações nas condições de produção, e que desenvolvimento sustentável é uma das tentativas de articular capitalismo e modernidade, ao ressignificar a própria Terra, a vida humana e a natureza (ESCOBAR, 1995, p. 202-203). Tal visão de mundo se consolidaria mediante sua aceitação por movimentos sociais e culturas locais.

Uma consequência dessa concepção seria tomar como dada a escassez de recursos. Afinal, uma das finalidades do desenvolvimento sustentável seria o encontro de formas mais eficientes do uso de recursos, sem, entretanto, colocar em risco a sobrevivência, numa busca por produzir mais com menos. Nessa linha, haveria a necessidade apenas de pequenos ajustes para que o sistema econômico entrasse em uma era de desenvolvimento que soe como ambientalista, sem considerar que o padrão econômico não conseguiria levar em conta o meio ambiente sem uma grande reforma (ESCOBAR, 1995).

As comunidades étnicas e camponesas das florestas tropicais passaram a ser tratadas como donas de seus territórios – mas apenas a partir de quando assumem a tratá-los, e a si mesmos, como reservas de capital. Os projetos referentes à biodiversidade e manejo sustentável, na lógica do capital e do desenvolvimento sustentável, passariam a ser um negócio de suas responsabilidades, e um negócio de economia mundial. A lógica por trás dos discursos de desenvolvimento sustentável e da biodiversidade é o uso racional do ambiente, a conquista da natureza (ESCOBAR, 1995).

Em um embate ao neoliberalismo, faz-se necessário articular com movimentos mais amplos por justiça, redistribuição de recursos

econômicos e ecológicos, propondo alternativas e resistindo às tendências de essencialização da diferença e de individualização (ESCOBAR, 1995, p. 133). A noção de biodiversidade enquanto recursos genéticos a serem protegidos através da propriedade intelectual é incompatível com a concepção mais relacional de que a natureza é mais do que uma “entidade lá fora, mas sim está profundamente arraigada às práticas coletivas dos humanos, que se veem como seres integralmente conectados a ela” (ESCOBAR, 2005, p. 137).

Conforme Escobar (2005), a diferença cultural não se mostra apenas na diversidade, mas também nos efeitos distributivos das predominâncias culturais e de suas lutas. A partir dessa perspectiva, o individualismo, por exemplo, pode ser concebido enquanto uma prática cultural, que é de origem liberal, pautada por direitos burgueses relacionados à propriedade. Sendo o individualismo predominante, as visões relacionais do mundo retrocedem. Tal prática cultural seria incompatível com os direitos coletivos por território e recursos naturais; ou com o caráter coletivo dos conhecimentos tradicionais; e tampouco com uma representação coletiva e autonomia cultural e política (ESCOBAR, 1995, p. 131).

Os processos discursivos do desenvolvimento sustentável legitimariam o capital através de complexas articulações. Para fazer frente ao discurso dominante, seria necessário dar visibilidade às comunidades, às culturas locais, aos movimentos sociais para que resistam aos incursos dos sistemas de significado propostos pelas novas formas de organização do capital e, ao mesmo tempo, construam estratégias e alternativas de racionalidades produtivas (ESCOBAR, 1995). Nessa direção, o incentivo do autor é para as alternativas ao desenvolvimento, antes de desenvolvimentos alternativos.