• Nenhum resultado encontrado

Redes: elos e articulações das ações coletivas

1 DAS FRONTEIRAS PERMEÁVEIS: SOCIEDADE CIVIL

1.3 Redes: elos e articulações das ações coletivas

COLETIVAS

Em outra via, pode ser conveniente observar o que chamamos aqui de sociedade civil transnacional através da perspectiva das redes. Desde um olhar antropológico, redes são relações nodais, presentes no tecido social que servem de elo às relações interpessoais, em conexões que atravessam ainda instituições e segmentos sociopolíticos (SCHERER-WARREN, 1999). Para além das redes locais, territorializadas, há articulações traçadas conforme o comprometimento dos indivíduos, de acordo com o compartilhamento de valores, identidades e culturas. Cada vez mais, os avanços tecnológicos permitem que as comunicações se realizem de forma instantânea e em longa distância. Nesta direção, as ações coletivas se complexificam e passam a ser organizadas em redes que não se circunscrevem a fronteiras espaciais ou identitárias.

A obra de Keck e Sikkink (1998) compreende, numa expressão cunhada por elas, as transnational advocacy networks (TAN), redes transnacionais de advocacy. As redes (networks) são formas de organização caracterizadas pelo voluntariado, reciprocidade e por padrões horizontais de comunicação e troca (KECK; SIKKINK, 1998). De acordo com a perspectiva das TAN, os participantes são ativistas que, desde 1980, têm atuado cada vez mais para além das fronteiras nacionais, transcendendo ao controle estatal. A ênfase na obra dessas autoras é no caráter transnacional das redes formada por indivíduos e organizações que se relacionam para defender suas ideias e valores compartilhados.

O tratamento do fenômeno das redes transnacionais por advocacy reflete uma preocupação das autoras em não vincular os intentos dos envolvidos nas redes a uma concepção racionalista restrita a interesses. A noção de advocacy traz consigo a intenção política de negociar com diversos atores, numa ação de pleitear, de advogar causas de outros, ou de defender uma proposição. Nas TANs interagem atores da sociedade civil, Estados e organizações internacionais, modificando e ampliando o acesso ao sistema internacional - tendo como objetivo último a transformação dos procedimentos, políticas e comportamentos de Estados e organizações internacionais (KECK; SIKKINK, 1998).

nacionais e internacionais de advocacy e pesquisa, movimentos sociais locais, fundações, mídia, igrejas, intelectuais, organizações de consumo, partes de organizações intergovernamentais, partes do executivo e do parlamento estatais. Dentre todos esses atores as centrais são, conforme as pesquisas empíricas das autoras, as ONGs – e elas iniciariam as ações e pressionariam atores mais poderosos do sistema internacional.

O compartilhamento de valores dos indivíduos em rede vai derivar em discursos em comum, e em trocas de informações e serviços. Nesta direção, conforme as autoras, as redes são estruturas comunicativas. Enquanto estruturas comunicativas, as interações voltam-se à construção conjunta de significados e à negociação de identidades. Em última instância, o objetivo das TAN é influenciar tanto a percepção dos Estados como dos atores societais. Assim, o centro das relações em rede, seria em especial a troca de informações que proporcionaria

o auxílio na criação de novos assuntos e categorias para persuadir, pressionar, e ganhar maiores níveis do que muitas organizações e governos poderosos. Os ativistas em redes tentam não somente influenciar os resultados políticos, mas transformar os termos e a natureza do debate (KECK; SIKKINK, 1998, p. 02, tradução da autora).

As redes transnacionais de advocacy não têm somente participado de novas áreas da política, como também às têm moldado. Retomando a obra de Keck e Sikkink, Cohen explica que perpassa pela internet e por outros meios de comunicação de massa a mobilização da opinião pública mundial por meio do denominado “padrão bumerangue”, que consiste em

passar por cima de um Estado local, acionar uma rede transnacional para dar publicidade a uma questão, criar uma opinião pública mundial e apelar para normas e princípios acordados no plano supranacional a fim de pressionar outros estados, organismos regionais ou organizações que, por sua vez, tentarão fazer pressão sobre o Estado cujas políticas estão em causa (COHEN, 2003, p. 440)

Pensando nas redes, mas partindo das teorias de movimentos sociais, está a noção de Scherer-Warren sobre as redes de movimentos, com uma análise que concilia a teorização sobre novos movimentos sociais e as teorias de mobilização de recursos. Nesta conciliação, a autora afirma com Diani que “movimento social é uma rede de interações informais entre uma pluralidade de indivíduos, grupos e/ou organizações, engajados num conflito político ou cultural, com base em uma ideia coletiva comum” (apud SCHERER-WARREN, 1999, p. 26).

Assim, a concepção de movimento social de Scherer-Warren é ampla, não considerando somente os grassroot movements (movimentos sociais de base), tornando possível falar em movimentos ambientalistas, movimentos feministas etc – sem deixar de observar suas complexidades internas. A rede de movimento14

(SCHERER- WARREN, 2006) é consequência de três níveis num processo de articulação: o primeiro, de associativismo local (tais como ONGs, associações de bairro, movimentos sociais locais); o segundo, de formas de articulação interorganizacionais (vínculos, articulações entre os cidadãos e associações, redes); e o terceiro das mobilizações na esfera pública (por exemplo, o Fórum Social Mundial). Esta análise implica em uma busca pelas

formas de articulação entre o local e o global, entre o particular e o universal, entre o uno e o diverso, nas interconexões das identidades dos atores com o pluralismo. Enfim, trata-se de buscar os significados dos movimentos sociais num mundo que se apresenta cada vez mais como interdependente, intercomunicativo, no qual surge um número cada vez maior de caráter transnacional, como os de direitos humanos, pela paz, ecologistas, feministas, étnicos e outros (SCHERER-WARREN, 1999, p. 27)

Observando seu locus de enunciação, mais recentemente Scherer- Warren (2009) tem procurado combinar sua noção de rede de

14Ainda de acordo com a autora, rede de movimento social é um “conceito

de referência, que busca apreender o porvir ou o rumo das ações em movimento, transcendendo as experiências empíricas, concretas, datadas, localizadas dos sujeitos/atores coletivos” (SCHERER-WARREN, 2006, p. 113).

movimento aos estudos pós-coloniais. Esta aproximação permite compreender que as redes de movimentos são as formas de articulação que podem levar à construção de formações discursivas a partir das vozes de camadas subalternas, que podem vir a ser ouvidas para além de seus respectivos territórios. Assim, dentre as capacidades das redes de movimento, estaria ressignificar os processos da colonização e empoderar movimentos sociais através da intercomunicação, transformando o que é socialmente aceitável e contribuindo para uma globalização contra-hegemônica15

.