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O distanciamento do Conselho com o Fórum: Os ex-ZEIS

CAPÍTULO 5. O CONSELHO GESTOR DA ZEIS DO LAGAMAR

5.4 O distanciamento do Conselho com o Fórum: Os ex-ZEIS

Antes da existência do Conselho, o Fórum era o único espaço de debate e mesmo de mobilização em torno da ZEIS. Após a eleição do Conselho, os moradores passaram a ter dois espaços, mais ou menos convergentes, mas que, em certo sentido, disputavam atenções. Alguns avaliam que, após a eleição do Conselho Gestor, o Fórum perdeu espaço ou força: esperava-se que o Conselho fosse alavancar o Fórum, o que parece não ter ocorrido.

Durante os meses de abril, maio, junho e julho de 2011 o Fórum da ZEIS pouco se reuniu. Esse período coincidiu com a instituição do Conselho Gestor, pois

os conselheiros tomaram posse em 12 de abril daquele ano. Desde então, as preocupações foram no sentido de formar os conselheiros do Lagamar a respeito das questões técnicas sobre ZEIS e planejamento urbano; houve vários momentos de formação para eles na Fundação Marcos de Brüin, que ocuparam vários dias dos meses de junho e julho de 2011. Em seguida, a preocupação prioritária (tanto do Fórum quanto dos conselheiros e da própria FMB) foi a realização da primeira reunião ordinária do Conselho, que ocorreu em junho de 2011. A partir de então, as muitas reuniões realizadas de junho até agosto tiveram como único objetivo, praticamente, a discussão da proposta de Regimento Interno. Durante esse período o Fórum esteve claramente desmobilizado.

Vários motivos foram apontados para a diminuição dos encontros do Fórum. Um deles teriam sido as muitas festas religiosas67que motivaram o cancelamento de algumas reuniões. Além de momentos que foram cancelados, reuniões ordinárias e grandes encontros deixaram de ser marcados em determinadas datas porque coincidiriam com esses eventos religiosos, consequentemente postergando encontros que seriam importantes.

Outro motivo para a diminuição do número de reuniões do Fórum e o pequeno comparecimento a estas teria sido, conforme uma entrevistada, o aumento da violência. Associado a essa questão, há o medo dos moradores em transitar de um lado para o outro do Lagamar. Apesar de a questão da violência ser antiga no lugar, vários membros do Fórum argumentam que nos últimos anos o número de assassinatos e mortes por “bala perdida” têm aumentado. É possível que a intensificação da violência seja real ou ainda que a sensação de violência tenha crescido, independente do número de mortes. Ademais, pode ser que para algumas pessoas a questão da violência tenha funcionado mais como uma justificativa de ausência para evitar a avaliação negativa dos demais, do que um motivo verdadeiro.

De fato, as avaliações mais consistentes destacam a falta de participação dos conselheiros nas reuniões do Fórum. Como disse Julia, “Essas reuniões do Fórum estão muito fracas, principalmente porque os conselheiros poucos deles vão, poucos. Deveria chamar alguns representantes, seria muito melhor...” De modo geral, a ausência de vários conselheiros quer do Fórum, quer do próprio Conselho

67 Neste sentido, ocorreram festas em homenagem à Nossa Senhora e diversas novenas. A época

das festas juninas e natalinas também foram ditas como momentos de menor presença, em que muitas reuniões foram desmarcadas.

Gestor é atribuída ao equívoco quanto aos critérios utilizados para a escolha dos representantes da comunidade. Dos 12 moradores apontados para esta função (seis titulares e seis suplentes), muitos ainda em 2011 tornaram-se distantesou mesmo se mudaram da comunidade. Dos que se afastaram, alguns argumentaram que não conseguiram conciliar o trabalho, o convívio familiar e as atribuições de conselheiro e que, quando se candidataram, acreditavam que tal seria possível. Houve ainda dois conselheiros que se distanciaram afirmando estarem desanimados, pois o tempo da implementação da ZEIS seria muito mais longo do que imaginaram a princípio, e para eles seria muito difícil lidar com a espera e a intermediação com os moradores, que também estavam cansados de esperar.

Isso gerou várias discussões nas reuniões internas dos conselheiros (não nas reuniões oficiais do Conselho Gestor) e entre as pessoas que participam apenas do Fórum. Na verdade, predominava a avaliação de que o movimento teria “falhado” nesses critérios de escolha:

Olha, o conselho da ZEIS foi meio inexperiente na escolha, [...] porque a gente pensou ou em liderança antiga ou em pessoas que talvez tivesse mais estudo. Foi porque o pessoal se mostrou muito interessado, pensava que ia ser uma coisa boa, aquele negocio: tem a ZEIS, vai ser ótimo

aqui. Mas agora tem é muitos ex, EX das ZEIS, são ex-ZEIS porque não vem mais. [...] É ex-ZEIS, não tiveram consciência também, porque houve

tanto curso de capacitação, houve tanta explicação do era ZEIS, eu num sei se é por causa da experiência que era pouca, e eu louvo a Deus por esses novos que entraram e que tão permanecendo, estão aprendendo, mas sinceramente, eu acho que a gente tinha mais garra depois, Marília, a gente num tinha negocio de sair de casa e dizer: nós vamos sair, nós vamos almoçar em canto tal. (Júlia, fevereiro/2012, grifo meu)

É curioso ver a categoria criada pela moradora, que também é conselheira, acerca dos “ex-ZEIS”, colegas de Conselho que vem contribuindo muito pouco. Não há como negar que se trata de um conflito, que parte da percepção dos próprios membros do Conselho. Durante o processo eleitoral, alguns nomes foram apontados pelo próprio Fórum da ZEIS, a partir de alguns critérios, a saber: nível razoável de estudos ou conhecimentos técnicos; interesse; disponibilidade e participação anterior na mobilização. Parece, no entanto, que o nível de educação formal teve um peso significativo, porque muitos integrantes do Fórum compreenderam que para ocupar a função de conselheiro era necessário ser alguém “de estudos”. Dessa forma, qualificações como “inteligente”, “letrado” ou “esperto” foram levadas em consideração, mais até do que os critérios de disponibilidade temporal, o que

posteriormente teve conseqüências negativas para a assiduidade de várias das pessoas eleitas.

Observei que há várias perspectivas sobre quais os “equívocos” cometidos na escolha. Há quem diga que o maior erro foi não ter considerado o tempo que cada um poderia dispor para as atividades do Conselho. Por um lado, alguns dos conselheiros mais jovens entendem que determinadas lideranças antigas foram indicadas apenas por reconhecimento de seu histórico de “lutas comunitárias”, o que foi um engano com relação a muitos, que de fato não teriam tempo para tal. A esse respeito, atente-se para a discussão feita no item anterior, sobre os conflitos geracionais dentro do Fórum.

É preciso lembrar ainda o quanto os integrantes do Fórum, do Conselho ou de ambos são cobrados pela comunidade no que diz respeito às políticas públicas e a efetivação da ZEIS, mesmo que para boa parte do Lagamar não seja tão claro o que a ZEIS significa. O nível de cobrança é alto, o que talvez explique, em parte, o afastamento de algumas pessoas da mobilização. Pode-se perceber as tensões envolvidas quanto a ser “alguém da ZEIS” na seguinte fala:

Os piores momentos que eu lembro foi aquele dia que eu soube que a minha casa ia sair, passei até mal... E outro dia ruim foi quando o pessoal começou a dizer coisa com a ZEIS, que a ZEIS não valia nada, tem um bocado de gente besta, dizendo que a gente só queria, até achava que a gente tava ganhando dinheiro, então que era só um grupinho, pessoalzinho do Lagamar, eu sei que eu sou uma pessoazinha, mas num é assim um pessoalzinho generalizado não, tem gente que luta, gente de garra. (Júlia, fevereiro/2012)

Pode-se observar que as cobranças aos conselheiros não são só externas68, elas vêm também de pessoas que são conselheiras, em parte porque apontam os erros como sendo mais dos outros do que delas, e em parte como uma avaliação de que é necessário buscar outras estratégias de mobilização, como será visto.

A partir da criação do Conselho, novas tensões se estabeleceram. Quem mais falava sobre isso eram Lúcia e Francisco, que mais acumulavam tarefas e

68 Na verdade, os conselheiros e também os membros do Fórum afirmam que são cobrados por

muitos vizinhos que, apesar de não comparecerem às reuniões, cobram resultados da atuação do Fórum e do Conselho. O peso diferenciado que recai sobre o Conselho diz respeito à sua oficialidade, já que os conselheiros são tanto moradores quanto membros da Prefeitura, e muitos esperavam que a partir do Conselho a efetivação da ZEIS e da regularização fundiária fosse mais rápida. A respeito disso, os conselheiros se queixam de uma cobrança excessiva, em contraponto a uma baixa participação da comunidade de forma mais geral. Sobre isso, pode-se perguntar sobre a existência real de convites aos demais moradores, que talvez não saibam sempre das reuniões que estão ocorrendo.

responsabilidades dentro do Conselho. Lúcia dificilmente faltava a uma reunião, já Francisco era assíduo, mas menos presente que ela, muitas vezes chegando atrasado porque vinha do trabalho. Por um lado, eles eram mais requisitados quando surgiam tarefas concretas a serem feitas, sendo logo indicados pelos demais, por serem mais “preparados” e “experientes”. Por outro lado, também costumavam se oferecer com maior freqüência.

5.5 Avaliação dos Movimentos Sociais e relativo isolacionismo do Lagamar: