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À procura da cooperação, lança-se um breve olhar sobre a história e a ideologia da Educação e Formação de Adultos revisitando-se alguns autores para os quais a dimensão colectiva da aprendizagem esteve, de algum modo, presente na sua teorização. De seguida, analisam-se, brevemente, as orientações políticas que determinaram o caminho percorrido pela educação de adultos.

Neste percurso, espera-se encontrar fundamentos ideológicos para a definição de práticas, na formação adultos, que valorizemas estratégias de cooperação.

1. Os Pensadores da Educação de Adultos e a lógica da Cooperação

Para compreender que papel é atribuído às dinâmicas de cooperação na educação de adultos é necessário rever algumas ideias dos autores que foram contribuindo para as principais conceptualizações da educação de adultos.

O campo de educação de adultos assenta em fundamentos teóricos muito diversificados e nem sempre coerentes. Finger e Asún (2003) consideram que a educação de adultos se encontra num momento de crise intelectual e conceptual e apontam a aprendizagem “criativa e colectiva” como único recurso disponível para a saída da encruzilhada (p. 15). Estes autores sugerem reactivar o discurso de Ivan Ilich na construção de um fundamento ideológico e político que respeite e aprofunde a relação convivial entre as pessoas e entre estas e a Natureza. A aprendizagem através da participação e da responsabilização constituiria o elemento-chave da necessária alternativa à sociedade industrial, a qual Ilich designou por sociedade convivial, feita de redes de aprendizagem, onde as pessoas teriam livre acesso às suas próprias ferramentas de aprendizagem e onde a educação de adultos equivaleria a participar “activamente e colectivamente” na compreensão do mundo com vista à tomada de decisões responsáveis (Finger e Asún, 2003, p. 23).

A psicologia humanista considera a aprendizagem puramente individual e determinante do crescimento pessoal ao passo que a pedagogia iluminista vê a aprendizagem como um processo de

desenvolvimento cognitivo conducente à aquisição de competências intelectuais e à construção do conhecimento. Já o pragmatismo encara a aprendizagem como um processo de resolução de problemas, individual mas também colectivo. Esta corrente é uma das bases intelectuais da educação de adultos (Finger e Asún, 2003, p. 35).

John Dewey, pai da educação de adultos americana, desenvolveu uma perspectiva comunitária, em que a democracia significava “a participação de todos os indivíduos de uma comunidade na formação do seu próprio futuro” (Finger e Asún, 2003, p. 39) . A educação deveria garantir a todos os membros da comunidade a oportunidade de ter experiências, de lhes atribuir significado e de aprender com elas, mesmo que ocorressem problemas que poderiam ser vistos como outras oportunidades de aprender. A educação deveria também “ incorporar e explorar a criatividade e a curiosidade, através de círculos colectivos de pesquisa e de construção de comunidades de pesquisa” criando oportunidades de experiências de aprendizagens para todos, podendo todos atingir o mesmo nível de conhecimento e hábitos, participando “activamente na mudança através do aprender-fazendo” (Finger e Asún, 2003, p. 39). Para Dewey, “a educação é para todos, em todo o lado e por todo o tempo”, valoriza a “aprendizagem experiencial” e de resolução de problemas e “faz a ligação entre educação e democracia” (Finger e Asún, 2003, p. 40).

Kurt Lewing aplicou o pensamento de Dewey às organizações, influenciando “o campo de formação de adultos com o seu contributo psicossociológico para a dinâmica de grupos, para a investigação-acção e para a aprendizagem na acção” (Finger e Asún, 2003, p.44). O grupo “de formação” era a unidade base do modelo de “reflexão na acção” e os problemas organizacionais seriam resolvidos com a implicação dos que lá trabalhavam (Finger e Asún, 2003, p. 44). O seu modelo influenciou as práticas de mudança e desenvolvimento organizacional e “está no âmago da literatura sobre organizações aprendentes” (Finger e Asún, 2003, p. 45).

Eduard Lindeman introduziu as ideias de Dewey no campo de educação de adultos numa perspectiva mais sociológica, vendo-a como “uma espécie de cooperação não autoritária entre aprendentes, cujo principal objectivo é indagar o significado da aprendizagem” atribuindo-o às experiências de vida (Finger e Asún, 2003, p. 42):

A educação de adultos é uma aposta cooperativa na aprendizagem não autoritária e informal, cujo principal propósito é descobrir o significado da experiência;…uma técnica de aprendizagem para adultos que faz com que a educação coincida com a vida e, assim, a eleve ao nível de uma experiência (Lindman, 1925, cit in Finger e Asún, 2003, p. 42).

Para Lindeman, os grupos de discussão de Dewey são comunidades aprendentes, democráticas. Finger e Asún (2003) consideram que “A partir dele a ênfase no campo de educação de adultos tem sido posta nas dimensões colaborativas de aprendizagem, tais como o trabalho de grupo e as discussões de grupo” (p. 43).

De acordo com Jack Mezirow, a verdadeira aprendizagem do adulto ocorre quando a transformação de perspectivas de sentido acontece através da “reflexão crítica” que pode partir de um “dilema desorientador” decorrente de uma grande discrepância entre a experiência e a perspectiva de sentido ou de pequenas mudanças nas estruturas de sentido que criam discrepância entre a estrutura de sentido e a perspectiva de sentido (Finger e Asún, 2003, p. 57). Este autor presumiu que a transformação de perspectiva e a aprendizagem do adulto conduziriam automaticamente à acção social e à mudança social.

Em suma, na abordagem pragmatista, o formador de adultos é o facilitador do ciclo de aprendizagem, experiencial, simultaneamente um mecanismo de resolução de problemas e de adaptação social. Contudo a educação de adultos pragmatista não problematiza as instituições e estruturas sociais o que coloca em dúvida o seu potencial de mudança social (Finger e Asún, 2003, p. 59).

Malcom Knowles transpôs para o campo de educação de adultos alguns fundamentos da psicologia humanista de Carl Rogers, fazendo uma combinação bem sucedida entre esta e o pragmatismo. O papel do formador de adulto, “facilitador do processo de aprendizagem”, segundo o conceito de “facilitação”, deve fomentar o crescimento, o auto-desenvolvimento e a “aprendizagem auto- dirigida” do aprendente com motivação intrínseca. Em função do conceito de “andragogia”, o “facilitar da aprendizagem” implica que o formador promova a independência, ajudando a definir e a satisfazer a necessidade de saber, usando a experiência com recurso, numa metodologia de resolução de problemas (Finger e Asún, 2003, p. 68). A andragogia de Knowles (1968) presume que os indivíduos auto-realizados conduzirão automaticamente a uma sociedade melhor, o que é considerado uma “ingenuidade sociológica” por Finger e Asún (2003, p. 70).

Stephen Brookfield definiu seis princípios-chave da educação de adultos determinantes no papel do formador que os deverá ter em conta: “participação voluntária”, “respeito mútuo”, “espírito colaborativo”, acção-reflexão”, “pensamento crítico” e “aprendizagem auto-dirigida” (Finger e Asún, 2003, p. 69).

A “pedagogia da libertação” de Paulo Freire (1968), alicerçada no marxismo, “é uma acção ou processo cultural em direcção à libertação” que se divide em duas fases: a “conscentização” ou consciência crítica, em que “um grupo (classe) se torna consciente da sua opressão cultural, descobrindo uma cultura e identidade política e uma função societal, libertando-se da auto-censura; a prática crítica subsequente é uma intervenção pacífica que desenvolve alternativas, através do diálogo, incluindo também os opressores no processo de transformação (Finger e Asún, 2003, p. 78). A sua pedagogia tem por objectivo mudar a sociedade, a alfabetização é combinada com uma intenção política. Freire sublinha a dimensão colectiva da aprendizagem: “é colectivamente que as pessoas não só resolvem os seus problemas mas, mais do que isso, transformam as suas condições sociopolíticas” (Finger e Asún, 2003, p. 80). Assim, para além de facilitador, o formador de adultos não pode ser neutro e tem de se empenhar nas causas dos seus aprendentes.

Também inspirada no Marxismo, a Investigação-Acção-Participativa é uma abordagem prática da mudança social através da aprendizagem que “presume que os povos e as comunidades são capazes de recuperar o seu conhecimento endógeno”, num “processo colectivo de desocultação, recuperação e activação” deste conhecimento suporte do “desenvolvimento auto-sustentado”, reduzido a uma escala humana e com ferramentas apropriadas (Finger e Asún, 2003, p. 85). Tendo lugar no interior de comunidades concretas e geograficamente enraizadas, este processo comunitário é de natureza prática e só pode ser desenvolvido colectivamente pelas próprias pessoas (Finger e Asún, 2003, p. 85). É neste sentido que se pode afirmar que os processos de intervenção local são, na sua essência, dinâmicas educativas e formativas “capazes de colocar o enfoque nos processos de aprendizagem, valorizando os conhecimentos experienciais e a interacção colectiva na resolução dos problemas locais” (Canário, 1999, p.66). Assim, “a participação dos actores locais é que permite transformar o processo de desenvolvimento num trabalho que uma comunidade realiza sobre si própria, aprendendo a conhecer-se, a conhecer a realidade e a transformá-la” (Canário, 2008, p. 65).

2. Evolução das Políticas e das Práticas Educativas e a Dimensão Social da Educação de Adultos

O humanismo, o pragmatismo e o marxismo emergiram num contexto sociocultural modelado pelo desenvolvimento industrial moderno.

Ideologias e práticas tiveram um mesmo objectivo: humanizar o desenvolvimento. Na Europa, o movimento da “educação permanente” (éducation permanente/ lifelong education), filosoficamente, combinou uma análise marxista da história com uma visão humanista. Pretendeu humanizar o desenvolvimento com mais educação que permitisse dominar o progresso científico e tecnológico, adaptando a sociedade à mudança (Finger e Asún, 2003, p. 31). Propôs “educação para todos que é popular, sem selecção ou barreiras e próxima da realidade e da experiência” com “uma relação de ensino democrática, que tenha o aprendente como ponto de partida e que o ajude a tomar consciência das responsabilidades no processo de controlo do desenvolvimento” (Finger e Asún, 2003, p.32). Por oposição à educação tradicional “elitista, teórica, abstracta e afastada da experiência”, com uma relação professor-aluno autoritária e que perpetua as desigualdades” (Finger e Asún, 2003, p. 32).

A educação permanente foi uma “abordagem educacional não directiva e não autoritária” pois considerava que “as pessoas têm motivação intrínseca para aprender” dispensando a coerção e o controlo (Finger e Asún, 2003, p. 33). Combinou o seu conceito-chave de “sociedade de aprendizagem”, alicerçado numa aprendizagem individual com a intenção de construir uma sociedade democrática pressupondo uma aprendizagem em grupo. Assim, nesta “sociedade de aprendentes ao longo da vida”, por um lado deu-se ênfase à “individualização da aprendizagem”, por outro lado valorizou-se o “trabalho de grupo, a democracia, a participação e a mudança societal” (Finger e Asún, 2003, p. 34). Finger e Asun viram nesta combinação uma confusão entre educação e aprendizagem e uma mistura entre aprendizagem individual e colectiva, indiciantes de falta de solidez intelectual. Apesar disso, reconhecem que a educação permanente foi “o momento federador da educação de adultos” (p. 34).

Foi sob a égide da UNESCO que o movimento de educação permanente se afirmou. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foi fundada em 16 de Novembro de 1945 com o objectivo de contribuir para a paz e segurança no mundo mediante a educação, a ciência, a cultura e as comunicações. Com a ideia fundadora de promover o

progresso científico e tecnológico em todo o mundo, emergiu um campo de educação e formação de adultos. Importa descrever sucintamente o enquadramento dado por esta organização às três principais escolas de pensamento de educação de adultos, pragmatismo, humanismo e marxismo, num contexto de humanismo científico paradoxalmente vinculado ao paradigma do desenvolvimento.

Na sua primeira Conferência (1949) o principal objectivo era a educação cívica dos trabalhadores para que pudessem participar na vida democrática. “A educação de adultos deveria ser orientada para a identificação e reflexão sobre os problemas da sua comunidade, permitir o bom funcionamento das estruturas democráticas, uma vida harmoniosa e a promoção social” (Cavaco, 2009, p.99). Os defensores da educação popular pretendiam a criação de dinâmicas que permitissem a valorização e elevação cultural das comunidades, em geral, e dos trabalhadores, promovendo-lhes uma atitude crítica e implicada na mudança social (p.99). Segundo a tipologia de Florentino Fernández (2006), pode afirmar-se que este período se enquadra no modelo dialógico social. Os promotores da perspectiva educativa orientada para este modelo pretendiam “fazer da leitura uma ferramenta social que ajudasse os adultos a interagir na vida social, a interpretar a vida e a identificar-se comela” (Fernández, 2006, p.56).

Neste contexto, o papel do educador de adultos “é o do animador que se põe à disposição das potencialidades de aprendizagem dos adultos” que é “um continuumque começa nas relações sociais, e não nas académicas e que se continuam, ao longo da vida, em todas as suas facetas” (Fernández, 2006, p.17). Assim o professor, num “diálogo igualitário”, tem apenas a autoridade do seu saber, do seu saber-fazer e o saber auxiliar o grupo a aprender” (Fernández, 2006, p.62). Pode-se situar aqui a teoria tripolar de Gaston Pineau (1983), hetero, auto e ecoformação pois a aprendizagem se realiza com os três mestres: com os outros, com as coisas e consigo mesmo.

Na segunda conferência (1960), sobressaiu o problema do analfabetismo como obstáculo ao desenvolvimento, reduzindo-o a uma perspectiva economicista. Houve um investimento em políticas e projectos de alfabetização de adultos nos países em vias de desenvolvimento financiados por um fundo disponibilizado pelos países industrializados, com o objectivo de erradicar, rapidamente, o analfabetismo (Cavaco, 2009, p.101). “A alfabetização e a educação de base de adultos são promovidas com o objectivo de se ultrapassar a ausência de competências de leitura e escrita numa grande percentagem da população, o que tem subjacente a lógica de compensação” (Cavaco, 2009, p.102), o que se enquadra no modelo receptivo alfabetizador. Neste caso, educar

adultos é sinónimo de escolarizar adultos. O perfil do educador é definido pelo professor e pelo especialista. “O propósito da aprendizagem é directamente académico e indirectamente social” (Fernández, 2006, p.17). A importância das deficiências de aprendizagem prevalece sobre as suas potencialidades. O adulto é um receptor do conhecimento, memorizando-o e relegando para segundo plano a criatividade, o diálogo e a consciência crítica. Paulo Freire (1975) designou esta perspectiva por “concepção bancária da educação” por oposição à concepção “libertadora”por si defendida, susceptível de ajudar a “ler” e a transformar o mundo (Canário 2008, p.88).

Apesar disso, a lógica da participação na vida democrática coexiste: “A influência do modelo dialógico social é, também, notória quando se defende que a alfabetização e educação de base de adultos devem ser estratégias para suscitar a participação na vida social e política, o que tem inerente a lógica da emancipação” (Cavaco, 2009, p.102).

O discurso da terceira Conferência (1972) faz a ligação da alfabetização de adultos com as dimensões económica, social, política e cultural do desenvolvimento. Propõe-se a implementação de um sistema de educação permanente que permita igualdade de oportunidades no seu acesso. As ideias e pressupostos do movimento da educação permanente criticavam a intervenção educativa com base no modelo de alfabetização receptiva e propunham o enquadramento das campanhas de alfabetização e de educação de base de adultos no modelo dialógico social. “As orientações políticas veiculadas nesta Conferência apelam a práticas integradas nas dinâmicas e culturas locais, incentivando-se intervenções baseadas nas populações, nos seus problemas e recursos” (Cavaco, 2009, p.108). Pressupunha-se que estas campanhas deveriam envolver as comunidades e, sobretudo, os adultos pouco escolarizados. “A alfabetização deveria ser percepcionada como um meio e não um fim em si mesmo. Pretendia-se promover o uso social da leitura e escrita para que os adultos pudessem aperfeiçoar as competências recém adquiridas e perceber o sentido dessas novas aprendizagens” (Cavaco, 2009, p.108).

Na quarta Conferência (1985), o enfoque dirige-se para os analfabetos funcionais dos países desenvolvidos. De acordo com estudos de literacia, existe“um número considerável de pessoas que não dominam as competências, consideradas básicas, de leitura, escrita e cálculo. Por um lado, há pessoas que não concluíram a escolaridade e não chegaram a desenvolver as referidas competências, por outro lado, há pessoas que adquiriram as competências mencionadas e por falta de uso regrediram” (Cavaco, 2009, p.110).

Numa perspectiva de educação permanente, são sugeridas medidas de pós-alfabetização (Cavaco, 2009, p.110). Embora os projectos de intervenção tivessem por base a cultura e os saberes dos analfabetos em conformidade com o modelo dialógico social de Florentino Fernández (2006), “na prática, a progressiva estigmatização social e desvalorização dos saberes e cultura dos analfabetos contribuíram para o desenvolvimento de processos educativos baseados no modelo alfabetizador receptivo” (Cavaco, 2009, p.114).

Na quinta Conferência (1997), advoga-se uma nova visão da educação de adultos, invocando a mudança política, económica e social. Defende-se uma educação integral que alie competências técnicas e sociais, essenciais para o exercício da cidadania e para o mercado de trabalho. Numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida, salienta-se a gestão de recursos humanos e o desenvolvimento local. “As acções de alfabetização são orientadas, fundamentalmente, para o desenvolvimento de competências básicas que favoreçam a empregabilidade” (Cavaco, 2009, p. 123). Afirma-se que os desafios da modernidade só se enfrentam com novas ferramentas, como o domínio das línguas, da informática, etc. Um público de analfabetos funcionais apresenta novas necessidades de aprendizagem, numa perspectiva de “formação contínua” para desenvolver novas competências profissionais. Ou seja, emerge um terceiro modelo, económico-produtivo, num contexto de mercantilização da educação. “O propósito da aprendizagem é directamente económico e indirectamente social” e o papel preponderante do educador “é o de gestor de recursos humanos, que selecciona as aprendizagens em função da sua rentabilidade (Fernández, 2006, p.18). Pretende-se educar numa lógica de qualificação e racionalidade económica.

Nesta Conferência, “defende-se que a alfabetização, por si só, não tem efeitos duradoiros, porque há a regressão de saberes, daí a importância de medidas de pós-alfabetização e de promoção da complementaridade entre modalidades educativas formais, não formais e informais” (Cavaco, 2009, p. 122). Considera-se que “a evolução para uma sociedade plenamente letrada depende de uma estratégia de cooperação que reúna indivíduos, comunidades, organismos sociais e culturais, os empregadores e os governos” (UNESCO, 1997b, p.230 cit in Cavaco, 2009, p.123), salientando-se importância da responsabilização individual e colectiva, incentivando-se “as entidades da sociedade civil e as empresas a organizar acções com objectivos de alfabetização” mas responsabilizando o indivíduo pela “procura de educação e pela resolução dos seus problemas e da sociedade” (Cavaco, 2009, p. 125).

Por conseguinte, passa-se da formação cívica dos operários orientada para a promoção social pela educação popular, à alfabetização para erradicação do analfabetismo nos países em vias de desenvolvimento e aos analfabetos de certos contextos sociais dos países industrializados. Assim, substitui-se a designação de “analfabeto” por “iletrado”, depois por “alfabeto funcional” ou “pouco escolarizado” e recentemente por “pessoa desfavorecida”.

Os projectos de alfabetização promovidos pela UNESCO, embora defendessem a ruptura com o modelo escolar, foram, em grande medida, pervertidos e provocaram precisamente o contrário do que proclamavam, a escolarização da sociedade (Cavaco, 2009, p. 115). Deste modo, a intenção de projectar a educação, particularmente a educação de adultos, como a formação integral do indivíduo e a promoção da participação das pessoas na construção de uma sociedade democrática é subestimada pela influência do “paradigma do desenvolvimento” que levou a sociedade e os seus cidadãos da cooperação à competição.

Em suma, a nível internacional, a lógica da educação popular é mais evidente entre a I Conferência Internacional de Educação de Adultos da UNESCO (1949) e a III Conferência (1972).

Em Portugal, a educação popular apareceu interligada ao associativismo e compreendia grande diversidade de modalidades e práticas educativas que visavam a emancipação, a promoção da autonomia e a formação para o exercício da cidadania na vida democrática. Surgiram iniciativas descentralizadas e autónomas, pois foram, normalmente, locais, que mobilizaram as pessoas e os recursos das comunidades com o objectivo de resolver os seus problemas. O processo educativo decorrente de aprendizagens não formais, em Portugal, surgiu associada a processos de reivindicação, a projectos culturais e sociais, a melhoramentos locais, a dinâmicas de desenvolvimento comunitário, no período pós 25 de Abril de 1974. Estas iniciativas com grande potencial formativo, embora não intencional, bem como as práticas de alfabetização associadas, inspiradas no Humanismo e na pedagogia da libertação de Paulo Freire (1972), promoviam a conscientização que permitia às pessoas a reflexão e a resolução dos seus problemas e da sua comunidade.

A alfabetização não era imposta mas vista como uma necessidade dos próprios adultos envolvidos na dinâmica social (Cavaco, 2009, p.169). Segundo esta autora, “Em Portugal, a lógica da educação popular atinge o seu auge entre 1974-1976, período em que ocorre um grande desenvolvimento das práticas socioeducativas. Este período é marcado pelo desenvolvimento das antigas associações

populares, pela criação de novas associações e pelo surgimento de grupos informais” (p.169) Destaca-se tambéma criação dos Centros de Cultura e de Educação Permanente.

“Entre 1975-1976, o trabalho desenvolvido pela Direcção-Geral de Educação Permanente (DGEP), inspirado na lógica da educação popular e do associativismo, permitiu o reconhecimento e valorização das iniciativas e incentivou a sua criação nos locais menos envolvidos neste tipo de dinâmica. Durante esse período (1975-1976), a DGEP concebeu enquadramento legal para suportar e permitir a institucionalização das iniciativas locais, possibilitouo apoio financeiro, apostouna concepção e divulgação de materiais pedagógicos. A legislação concebida teve como propósito enquadrar e permitir a resolução de questões que surgiam no terreno, numa lógica reconhecimento e de promoção das iniciativas locais de educação popular e de associativismo”(Cavaco, 2008, p.107)

“O Decreto-Lei 384/76 refere que “a educação popular e a alfabetização são prioridades no desenvolvimento da política educativa nacional”. Esta intenção evidenciava a consciência da importância da educação de adultos no País, nomeadamente, da educação de base, promovida numa lógica de participação e envolvimento das comunidades. Neste Decreto-Lei, “considera-se que a organização colectiva das populações, numa base de associativismo, é um passo fundamental para a sua própria educação, numa perspectiva libertadora e para a construção de uma sociedade democrática”. Esta preocupação é reforçada na Portaria 419/76 onde se

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