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CAPÍTULO 3 – O ENSINO MÉDICO: CONTEXTUALIZAÇÃO

3.2 O Ensino Médico no Brasil

HADDAD et alii (2006) fizeram uma extensa revisão para os Ministérios da Saúde e da Educação sobre os cursos de saúde no Brasil para fins de consolidação da parceria entre esses dois ministérios. Quanto ao ensino médico no país, o mesmo foi iniciado em 1808, com a chegada de Dom João VI, quando o doutor José Correia Picanço obteve autorização para a criação do Curso Cirúrgico Médico no antigo Hospital Militar da Bahia. Em seguida, foi criada a Escola de Anatomia e Cirurgia na cidade do Rio de Janeiro. Em 1832, essas instituições foram transformadas em faculdades de Medicina, adotando normas e programas da escola médica de Paris, já que foram criadas sob a inspiração da escola francesa, cuja influência perdurou até o final da segunda grande guerra, quando passou a prevalecer o modelo norte-americano.

Na evolução do ensino médico podem-se assinalar três grandes etapas: A primeira é a científica, iniciada no final do século XIX, quando os progressos da ciência e da tecnologia determinaram novos rumos da Medicina, inclusive imprimindo um grande desenvolvimento às especialidades.

A segunda é a relacionada à utilização de princípios pedagógicos no ensino médico, que obteve grande desenvolvimento nos Estados Unidos durante a década de 50 e, graças às Associações de Escolas Médicas, foi difundida para todo o continente americano.

A terceira etapa relaciona-se às transformações socioeconômicas do pós- guerra, coincidindo com a tomada da consciência do valor da saúde das populações, estimulando as escolas para a formação de médicos comprometidos com os fatores sociais que interferem na saúde da comunidade e não apenas oferecendo o tradicional treinamento para o atendimento individual.

Estas transformações foram adotadas, de modo integral ou parcial, por instituições de países da América Latina, dependendo das condições de cada uma delas.

No início, os cursos de Medicina no Brasil tinham a duração de quatro anos, com enfoque no ensino da Anatomia e Cirurgia. Em 1813, a duração desses cursos foi ampliada para cinco anos. Em 1832, as Escolas passaram a ser denominadas de Faculdades de Medicina, ampliaram seu tempo de estudo para 6 anos e enfatizaram a formação em Ciências Acessórias, o equivalente às Ciências Básicas, além das Ciências Médicas e Cirúrgicas (AMARAL, 2002).

A qualidade dos cursos de Medicina oferecidos sempre constituiu uma preocupação por parte dos administradores e educadores desta nação. Assim, a Resolução CFE n˚8/1969 fixou os conteúdos mínimos e a duração de seis anos letivos do curso médico, com o mínimo de cinco e máximo de nove anos. Definiu que o curso de graduação em Medicina abrangeria o estudo das bases doutrinárias e realização de exercícios práticos pertinentes às matérias do currículo mínimo.

As matérias foram distribuídas nos ciclos básico e profissional, perfazendo um mínimo de 4.500 horas, além de estágio obrigatório em hospitais e centros de saúde, em regime de internato, com o mínimo de dois semestres. Esta resolução foi alterada, sucessivamente, pelas Resoluções CFE n˚ 5/84 e CFE n˚ 01/89, atualmente revogadas pela Resolução CNE/CES n˚ 4/2001, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina.

Ainda segundo HADDAD (2006), na evolução do ensino médico no Brasil, uma quarta etapa pode ser considerada, após a definição das Diretrizes Curriculares Nacionais e o início da sua implantação nos cursos de graduação em Medicina a partir de 2001. Essas diretrizes foram resultadas de uma construção coletiva,

permitindo uma articulação entre as instituições de formação e o sistema de saúde, abandonando-se a visão, exclusivista e equivocada, do ensino com ênfase nas doenças, em diagnóstico e tratamento, focado exclusivamente no indivíduo (Grifo próprio).

No Brasil o ensino da medicina naturalmente recebeu forte influencia européia e americana. Ainda sob a influência das orientações da declaração de Lima/Peru (1951) e de Londres (1953), no início da década de 1960 foi registrada a aproximação das faculdades de medicina brasileiras com os organismos internacionais de apoio técnico e de financiamento de projetos no campo da saúde e da educação médica (AMARAL, 2002).

Segundo ALMEIDA (1999), a criação de hospitais-escola como campo de treinamento e o surgimento dos departamentos estavam de acordo com o RELATÓRIO FLEXNER (1910), enquanto que a abertura, na Faculdade Paulista de Medicina, da Biblioteca Regional de Medicina, o Programa Paltex (Publicação de Livros), os laboratórios de relações humanas e a Revista Educación Médica y Salud, foram iniciativas financiadas pela OPAS. Paralelamante desenvolvia-se o primeiro Plano Decenal de Saúde das Américas no contexto da “Aliança para o Progresso”, levantando a problemática da carência de médicos para a América Latina e, ao mesmo tempo, introduzindo a questão do planejamento de recursos humanos, contribuindo para a aceleração da expansão do número de escolas médicas nessa década. No Brasil, foram criadas 35 escolas médicas, elevando o número de instituições para 64 faculdades de medicina, na sua ampla maioria, com vínculo jurídico privado e concentrado no eixo Rio – São Paulo.

De acordo com AMARAL (2002), enquanto em 1950 teve destaque no plano internacional a divulgação do processo de avaliação realizada nos Estados Unidos,

conhecida como Mensuração com Referência a Critério, no Brasil o ensino médico no Estado Novo e no Governo Dutra, não apresentou mudanças substantivas. Localizou-se, nesta mesma época, o início da discussão (1948) do projeto que se constituiria na primeira LDB da história da educação nacional.

Paralelamente, a divulgação da obra Pedagogia Médica (1950), onde Edward Bridge propagou a necessidade de se estabelecer um diálogo permanente entre a arte de educar e a de ensinar, trouxe novos elementos à discussão da educação médica mundial. Seus reflexos na região foram assim entendidos por ROSA (2001):

Cresceu na Escola Médica da América Latina, o interesse pela arte de educar, reflexo do movimento iniciado nos Estados Unidos nos anos 50. Do diálogo entre as escolas de medicina e de educação naquele país resultou um corpo de conhecimentos divulgados entre nós, pelo livro de Edward Bridge, cujo título por si só significava novidade: Pedagogia Médica. (ROSA, 2001, p. 12-13).

Com o processo de expansão do ensino superior em curso àquela época, o Governo Militar, com o lema Educar com Segurança, imprimiu transformações radicais nas universidades brasileiras, mediante portarias, decretos, atos institucionais e leis, visando restringir o pensamento, controlar as manifestações e, sobretudo centralizar ainda mais a gestão da educação brasileira.

As iniciativas de aproximação com organismos internacionais de apoio técnico e com outras agências de financiamento à pesquisa foram intensificadas pelo Governo Castello Branco. Os acordos foram justificados na lógica de “modernizar” as universidades, principalmente a administração. No entendimento de VERAS (1981), além de as iniciativas terem caráter repressor e controlador, apresentavam pontos incongruentes em sua operacionalização, como se observa no

trecho abaixo:

Outra medida ilustrava os caminhos trilhados na elaboração do “modelo educacional brasileiro”. Trata-se da solicitação ao professor norte- americano Rudolph Atcon, logo após 1964, de sugestões para o ensino brasileiro. Lançaram-se assim as bases para que se estabelecesse o convênio MEC/USAID, em que ganham definição as propostas da tendência modernizante de adaptação da universidade ao sistema capitalista – a reforma universitária, ligando-se, cada vez mais, pela tendência à privatização do ensino, aos interesses dos setores hegemônicos nacionais e estrangeiros (VERAS, 1981, p.72).

Ainda de acordo com VERAS (1981), consolidado o movimento de aproximação com os organismos internacionais, na área da educação, em 1968, surgiram os primeiros acordos MEC – USAID (United States Agency for International Development) assinados no ano de 1966, determinando a reformulação da Faculdade de Filosofia (1966), a modernização da administração das universidades (1966), verticalizando ainda mais a gestão do ensino superior pavimentando a elaboração da legislação da reforma universitária (Lei 5.540/68).

Um marco importante no ensino médico foi a criação em 1962 da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), que passou a ter papel preponderante na elaboração de diretrizes básicas para os currículos das escolas de medicina no país. A ABEM foi criada em 1962 na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. As Reuniões Anuais aconteceram de 1963 até 1975; a partir de 1976, receberam a denominação de Congresso Brasileiro de Educação Médica.

Logo no início da década, no contexto do milagre econômico (1968-1974), da implantação da Reforma Universitária e do processo de expansão do Ensino Superior, o MEC criou a Comissão de Ensino Médico, no âmbito da Secretaria de

Ensino Superior. Segundo VERAS (1981):

Com efeito, em 1971, o Ministério da Educação e Cultura constitui uma comissão com a incumbência de avaliar a situação do ensino médico no país e propor soluções para os problemas levantados. Essa comissão era presidida pelo professor Roberto Figueira Santos, ex-presidente da ABEM e uma das figuras de maior prestígio e influência na instituição (VERAS, 1981, p. 82).

Em 1970, um estudo da OPAS (Organização Panamericana de Saúde), coordenado por Juan César Garcia, destacou duas questões fundamentais para a educação médica: a primeira é o efeito da explosão tecnológica nos países desenvolvidos e a segunda é a necessidade de melhoria das condições de saúde para o desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento (PEREZ, 2004). Para conter os custos da medicina com a explosão tecnológica e a multiplicidade de especializações, surge nos EUA o movimento da medicina comunitária, como política social cujo propósito é atender os grupos sociais de baixa renda, que se encontravam excluídos do acesso à assistência médica.

Ainda segundo PEREZ (2004), as resoluções da Primeira Conferência Internacional sobre Proteção à Saúde (1986 – Otawa/Canadá/OMS) e da Segunda Conferência Internacional sobre a Promoção de Saúde (1988 – Adelaide/Austrália), ao priorizarem a implantação dos novos modelos de atenção à saúde, influenciaram a Conferência Mundial de Educação Médica, organizada pela WFME, Edimburgo/Escócia (1989).

Para que se forma um médico? Por que o Estado brasileiro investe tão caro nessa formação acadêmica? Como anda a formação do médico? PEREZ (2004) nos deu uma lógica nesse sentido:

No Brasil, nas duas últimas décadas, as escolas médicas têm sido responsabilizadas, pela sociedade, pela formação de profissionais que não dão conta em atender as necessidades de saúde da população. Daí porque é necessário recuperar, mesmo que timidamente, alguns momentos históricos em que se dá a educação médica, para não se incorrer na simplificação de que mudando grades curriculares, reformando o curso, iremos mudar a formação do médico... O mundo que se transforma exige que a educação tenha o sentido de preparar o homem com consciência moral e ética capaz de valorizar a educação como instrumento de transformação. Isso implica em reconhecer que a educação deve ser encarada como prática social e a pedagogia como seu instrumento. Assim, as propostas de mudança na educação médica e na prática dos profissionais de saúde são partes integrantes do movimento de transformação da saúde da população (PEREZ, 2004, p.5-6).

Nos últimos anos a boa formação do médico, a qualidade do ensino, a implantação do Sistema Único de Saúde pela constituição de 1988, a interface entre a educação e a saúde estiveram relacionados como preocupações substantivas para a educação médica.

Até que ponto essas preocupações se traduziram ou se traduzirão em uma boa formação médica é uma questão que suscita dúvidas na sociedade brasileira, principalmente os usuários do SUS.

3.3 O Ensino médico e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a medicina –