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Eu nasci no dia 25 de novembro de 1986, tenho 24 anos e deficiência intelectual (síndrome de down). Eu sou filho único e moro em um bairro da periferia da cidade de São Paulo com a minha mãe e o meu padrasto, pois nunca conheci o meu pai biológico. Minha mãe é manicure e eu trabalho para ajudar nas despesas domésticas, pois a nossa renda familiar é por volta de 1 salário mínimo.

Minha mãe nunca me protegeu porque eu sou deficiente, mas ela sempre me apóia e eu a ajudo também. Ela sempre fala: “O Thiago nunca deu trabalho para mim”. Minha mãe e meu padrasto saem muito cedo para trabalhar e por causa disto desde pequeno eu aprendi a cozinhar e fazer atividades domésticas... Eu faço de tudo em casa, eu sei fazer café, sei fazer arroz, macarrão, sei fritar.

Quando a minha mãe vai sair, aí eu que me viro. Ou ela deixa alguma coisa pronta e eu compro alguma coisa para comer junto com a comida. Eu lavo a louça, varro a casa, arrumo a cama da minha mãe, a minha cama também, eu varro o quintal.

Minha mãe é muito importante para mim e eu quero ajudar ela a realizar o sonho que ela tem de reformar a casa. Por isso eu fiz um empréstimo no banco em meu nome para pagar com o meu salário, pois ela não tem condição e essa é a única forma que eu tenho de agradar a ela.

Eu estudei minha vida toda em escolas regulares, na rede pública de ensino, desde os oito anos de idade até os dezoito. Dentro da escola regular eu só consegui finalizar até a 5ºsérie do ensino fundamental, pois eu não recebia apoio e tive que repetir vários anos por não conseguir acompanhar... eu tinha que me virar sozinho mesmo, fazer o que ne? Apesar de não receber apoio para aprender, eu era muito respeitado dentro da escola pelos professores, pelas pessoas que trabalhavam na cantina, pelo coordenador, diretor e principalmente pelas garotas que eu fiz amizades com elas, elas me respeitavam muito... as meninas que achavam eu bonito, eu simpático, sabe? Até teve uma que queria namorar comigo.

Mas dentro da escola eu também sofri muito preconceito e discriminação por parte dos meninos, eles não me aceitava, me chamavam de muitos nomes, tinham preconceito comigo.. As maiores dificuldades que eu tinha na escola foi com esses garotos mesmo. Para superar essas barreiras, eu já tirei tudo isso, mas na época toda vez que um garoto tinha preconceito comigo, eu ia na diretora ou coordenadora. E então eles chamavam os pais para fazer uma reunião e falar com eles e dizia: Olha isso não pode, porque se alguém é diferente ou não, tem que respeitar, só que no momento eles não me aceitavam na escola, pareciam que eram donos da escola. Eu não consegui concluir nem o ensino fundamental nas escolas regulares onde estudei, mas eu fiz alguns cursos profissionalizantes no SENAI e como eu gosto de estudar, eu penso em estudar pra mim desenvolver mais, eu quero fazer faculdade de ciência da informática, é uma área que mexe com programas. Só fazer uma faculdade já está bom para mim.

Thiago nasceu em uma família pobre, é filho único e mora em um bairro da periferia da cidade de São Paulo. A história de Thiago revela que apesar de ter nascido em um ambiente onde havia pouca clareza sobre a deficiência, ele não teve uma criação diferenciada devido à sua condição, mas seus familiares não o pouparam de ser educado da mesma maneira que milhares de crianças e adolescentes vivem dentro do seu contexto.

A voz da sua mãe quando afirma que ‘Thiago nunca deu trabalho para mim’ mostra que o ‘rótulo’ limitador da deficiência não esteve presente em sua vida e que

para a mãe de Thiago ele era considerado como uma pessoa humana, cujas características estavam acima de sua deficiência. Tal aspecto aponta indícios que a sua família teve grande importância em seu empoderamento e na posterior vivência da autoadvocacia, discorre como Neves (2005). Segundo esta autora, no caminho para a construção da autoadvocacia, diversas pessoas assumem papéis fundamentais, dentre elas a família, pois esta é o solo onde é gerada a maior proteção para esse grupo social.

Além da ausência de proteção e tutela na educação de Thiago, a sua história revela que a própria condição sócio-econômica onde ele estava inserido, também constituiu um fator importante em seu processo de empoderamento, uma vez que as necessidades presentes em sua vida familiar o impulsionaram a desenvolver autonomia e participação. Como a mãe e o padrasto não podiam ficar em casa para cuidar dele e saíam muito cedo para trabalhar, Thiago aprendeu a realizar diversas atividades que o levaram a ser uma pessoa mais independente, como cozinhar, arrumar a casa, varrer o quintal, arrumar a cama, dentre outros. A conquista dessas habilidades revela indícios do exercício da autoadvocacia, uma vez que este movimento em consonância com o movimento de vida independente, busca lutar contra o ciclo de desempoderamento presente na vida desse grupo social e fortalecê-los individualmente para terem uma vida ativa, segundo discorre Ribas (1995).

Outro fator que revela o quanto sua mãe desempenhou uma função importante em sua história, é o desejo que Thiago tem de recompensá-la, mostrando o seu desejo de fazer um empréstimo para ajudá-la a reformar a casa, pois como afirma o jovem ‘essa é a única forma que eu tenho de agradar a ela’. Thiago está muito orgulhoso porque vai ajudar a mãe a reformar a casa com o seu salário, revelando que a sua deficiência não constitui fator impeditivo para ele exercer os seus direitos civis, ou seja, ter conta em banco, assinar seus próprios documentos, etc. Esse é um importante aspecto que mostra indícios da apropriação da autoadvocacia em sua vida, uma vez que, o processo de empoderamento leva o indivíduo a se constituir enquanto sujeito de direitos e assim desfrutar de todos os direitos que a ele são inerentes enquanto cidadão.

Thiago estudou somente em escolas regulares, na rede pública de ensino, mesmo em um tempo onde a inclusão escolar não tinha caráter obrigatório. No entanto, Thiago só conseguiu finalizar até a 5º série do ensino fundamental, pois não recebeu dentro da escola regular o apoio pedagógico necessário nem atividades adequadas ao seu desenvolvimento.

Apesar de não ter conseguido trilhar um percurso educacional exitoso, devido a falta de preparo da escola, a deficiência de Thiago não o impediu de firmar alguns laços de amizade e conquistar o respeito do pessoal que trabalhava na escola. A fala de Thiago ‘as meninas que achavam eu bonito, eu simpático, sabe? Até teve uma que queria namorar comigo’ revela que ele conseguia enxergar a sua beleza, simpatia e valor enquanto ser humano. Esta descoberta de sua importância mostra alguns indícios do exercício da autoadvocacia, uma vez que mostra a constituição de uma identidade própria, assim como se coaduna com o lema do movimento de autoadvocacia que expressa que “Pessoas com deficiência são como outros seres humanos. Pessoas com deficiência querem ser vistas como pessoas valiosas, ter dignidade e respeito, ser aceita pelos outros, participar e ser reconhecida pela sociedade...” (WORRELL, [2007], p.07). A vida escolar de Thiago, assim como a história de Alseni, também foi permeada de preconceito e discriminação, refletindo as barreiras atitudinais presentes no cotidiano escolar e que se apresentam como obstáculos ao empoderamento das pessoas com deficiência e a constituição deles enquanto sujeito de direitos. Nesse sentido, Lima e Silva (2009, p. 23) discutem que “tais barreiras marginalizam as pessoas com deficiência, deterioram a sua identidade de pessoa humana e restringem suas possibilidades de desenvolvimento e relação humana”.

Essas barreiras são impeditivas do processo de empoderamento, pois faz com que a sociedade se relacione com os mitos e estereótipos que há por trás da pessoa com deficiência e não com a pessoa humana que verdadeiramente são (GOFFMAN, 2008). No caso de Thiago, o simples fato de ele possuir uma deficiência foi motivo para que os outros meninos da escola não se aproximassem dele, da pessoa que ele é, impedindo o relacionamento com os seus pares e trazendo conseqüências no processo de sua socialização.

Em meio a essas barreiras atitudinais Thiago já revela aspectos de seu empoderamento e, ao não se permitir abalar ou ficar acuado, mas por outro lado, procurava sempre apoio dos dirigentes da escola em busca de alguma solução e de respeito para si, como exemplifica em sua fala ‘Para superar essas barreiras, eu já tirei tudo isso, mas na época toda vez que um garoto tinha preconceito comigo, eu ia na diretora ou coordenadora’.

Thiago não estuda mais e apesar das dificuldades presentes em sua vida escolar, que se constituíram em fatores impeditivos para a conclusão da educação básica, ele não se acomodou, fez cursos profissionalizantes no SENAI e demonstra o seu desejo de

voltar a estudar quando afirma ‘Eu penso em estudar pra mim desenvolver mais, eu quero fazer faculdade de ciência da informática’