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O estabelecimento de inferências de causalidade e os tipos de textos

6 DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

6.2 Principais conclusões do Estudo 2: examinando-se o papel da natureza da

6.2.1 O estabelecimento de inferências de causalidade e os tipos de textos

Os resultados do Estudo 2 revelaram que o estabelecimento de relações causais parece não variar em função dos tipos de texto, isto é, em função da natureza da causalidade associada a cada tipo de texto (implicativa na narrativa e explicativa na argumentativa).

Os dados obtidos respondem à pergunta de pesquisa deste estudo, que é: Será que a compreensão das relações causais varia em função do texto que está sendo compreendido pelo leitor? Acreditava-se que a causalidade deveria ser mais difícil de ser estabelecida em textos narrativos do que em argumentativos. A justificativa para esta hipótese residia no fato da causalidade nos textos narrativos se referir às relações de causa e efeito ou às motivações dos personagens, ao passo que, nos textos argumentativos, se refere à justificativa de pontos de vista dos personagens. Nesse sentido, por as relações causais estarem mais explícitas nos textos argumentativos do que nos narrativos, esperava-se uma maior facilidade no estabelecimento de inferências causais nos textos argumentativos.

Contudo, os resultados apontaram que o estabelecimento de inferências de causalidade parece não variar em função dos tipos de texto, o que não confirma a hipótese levantada, uma

vez que o desempenho foi muito semelhante tanto em relação aos tipos de texto (narrativo e argumentativo) quanto entre os anos escolares investigados.

Com o intuito de interpretar este resultado é importante revisitar alguns aspectos teóricos e resultados de estudos anteriores.

De acordo com Andrade (2007), a causalidade se faz presente em uma relação que envolve dois acontecimentos, dois estados de coisa ou dois objetos, em que a ocorrência do primeiro induz, origina, determina ou condiciona a ocorrência do segundo. Neste sentido, evidencia-se que a causalidade trata de uma relação de causa e consequência entre eventos.

Posto isso, faz-se importante verificar como se dá as relações entre os eventos nos textos narrativo e argumentativo a fim de compreender o papel da causalidade em cada tipo de texto e relacioná- lo aos resultados deste estudo.

O texto narrativo se caracteriza por um encadeamento de ações/eventos, que acontecem através do tempo e do espaço, seguidos de um fechamento que finaliza a narração (SOUZA; CARVALHO, 1995; SPINILLO; SILVA, 2010). Charaudeau e Maingueneau (2004) advogam que a narração se caracteriza por um ato de contar, sendo necessária a representação de uma sucessão temporal de ações e uma elaboração da intriga que dê sentido a esse decurso de ações e de eventos no tempo. Portanto, os textos narrativos se caracterizam por construir a sucessão das ações de uma história no tempo, com a finalidade de fazer um relato e a causalidade está implicada na relação ação-reação, ou seja, Se A, então B. Sendo assim, pode-se dizer que a relação de causalidade no texto narrativo se caracteriza pelo ato de consectuar (Se A, então B), uma vez que está relacionada a noções de temporalidade, condição (PAIVA, 1992).

Já no texto argumentativo predomina sequências contrastivas explícitas, uma vez que há a presença de uma divergência de pontos de vista a respeito de um determinado assunto, possibilitando, assim, a contestação e a contra argumentação (MARCUSCHI, 2002, 2008). Segundo Leitão (2001), este tipo de texto envolve um ponto de vista, que exprime a opinião de alguém sobre um tema polêmico; uma justificativa relacionada às razões que sustentam os pontos de vista; e os contra-argumentos, que são as possíveis oposições e restrições frente a um ponto de vista e suas justificativas. Charaudeau e Maingueneau (2004) afirmam que os textos argumentativos buscam expor e provar as causalidades entre os acontecimentos numa visão racional a fim de persuadir o interlocutor, isto é, A porque B. Logo, pode-se afirmar que a relação de causalidade presente no texto argumentativo caracteriza-se pelo ato de explicar, uma vez que está relacionada a noções como as de razão, explicação, justificativa e argumento.

Diante disso, observa-se que a causalidade ocorre de maneira distinta conforme o tipo de texto. Em textos narrativos, as relações de causalidade são permeadas pela temporalidade, dessa forma, é possível pensar que as inferências de causalidade se caracterizam como sendo implicativas já que estão relacionadas a uma compreensão baseada em fatos/ eventos que se sucedem em uma cadeia lógica. Por outro lado, nos textos argumentativos a causalidade se aproxima mais de uma explicação, já que esse tipo de texto tem a função principal de convencimento e apresentação de um ponto de vista com uma justificativa que o sustente. Assim sendo, as inferências de causalidade se caracterizam como sendo explicativas, já que estão baseadas numa compreensão dos pontos de vista expostos e defendidos a respeito de um determinado assunto, assumindo, portanto, funções explicativas.

Contudo, ainda que haja uma maior incidência de causalidade implicativa em textos narrativos e uma maior ocorrência de causalidade explicativa em textos argumentativos, tais características parecem não provocar diferenças no estabelecimento de inferências causais, conforme os resultados do presente estudo. Em outras palavras, a natureza da causalidade associada a cada tipo de texto (implicativa na narrativa e explicativa na argumentativa) parece não variar no estabelecimento de inferências causais.

Nesse sentido, parece que a habilidade de estabelecer inferências de causalidade se manifesta de forma geral e semelhante nos textos narrativo e argumentativo. Portanto, os resultados do Estudo 2 apontam para uma habilidade geral no estabelecimento de causalidade ainda que se trate de textos de diferentes tipos em que a causalidade se caracteriza de maneira distinta.

Como já citado, são poucos os estudos que investigam a compreensão leitora em diferentes tipos de textos. Após buscas por publicações científicas na área foram encontrados apenas dois estudos que investigam este fenômeno em diferentes tipos de texto (SANTOS, 2008; SPINILLO; ALMEIDA, 2015), contudo apenas o estudo de Spinillo e Almeida aborda as relações de causalidade em diferentes tipos de textos.

Spinillo e Almeida (2015) investigaram a compreensão textual em crianças, a partir das relações inferenciais de estado, de causalidade e de previsão, em textos narrativo e argumentativo. Dentre os principais resultados do estudo, verificou-se que a inferência de causalidade parece ser mais difícil de ser estabelecida no texto narrativo do que no argumentativo, chamando a atenção para as relações entre compreensão de textos e tipos de textos. As autoras levantaram a necessidade de que estudos outros examinassem esta questão da causalidade de maneira específica, o que foi feito na presente investigação que não

detectou diferenças quanto a um tipo de causalidade ser mais fácil ou mais difícil em função do tipo de texto.

Outro dado importante observado no Estudo 2 diz respeito à raridade das respostas da categoria II (coerente, mas incompleta) tanto no texto narrativo quanto no argumentativo, em todos os anos escolares investigados. Parece que as crianças se localizam nos extremos: ou compreendem as relações de causalidade de forma clara e precisa ou não conseguem estabelecer inferências de causalidade. Dessa forma, faz-se importante discutir também sobre esse outro extremo, o erro.

6.2.2 A natureza dos erros ao se fazer inferências de causalidade em textos de diferentes