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4 ESTUDO 1

4.2 Sistema de análise de dados

4.2.3 Tipos de erros

Para realizar a análise dos erros, foram consideradas apenas as respostas incoerentes ou improváveis dos participantes (Categoria I), ou seja, aquelas sem relação com as informações veiculadas no texto. Dessa forma, respostas do tipo “não sei” ou “não responde” foram desprezadas dessa avaliação.

O sistema adotado para a análise da natureza dos erros apresentados pelas crianças baseou-se na proposta de Spinillo e Hodges (2012). As respostas incorretas dos participantes foram classificadas em quatro tipos.

- Tipo 1 (opinião): a criança fornece uma opinião que expressa preferência ou avaliação de natureza moral sobre os personagens, os eventos, os pontos de vista abordados, ou sobre a conclusão do texto. Esse tipo de erro possui um caráter nitidamente pessoal e subjetivo, no qual a dificuldade reside em: (i) não utilizar o texto como base para a compreensão; e (ii) não identificar quais informações provenientes do conhecimento de mundo são de fato relevantes e não vão de encontro à informação textual.

Exemplo 1: Texto narrativo de não ficção (relato)

Pergunta de previsão: O que será que Beto pediu ao médico?

Criança: Eu acho que todo mundo gostaria de ver seu cachorrinho de novo. E acho que Beto, talvez, pediu pra ver o cachorrinho de novo. É muito triste ficar sem o animal, só.

Exemplo 2: Texto narrativo de não ficção (relato)

Pergunta de previsão: Qual será a notícia que Beto recebeu do médico?

Criança: Olha, pode sair um pouquinho do hospital porque não seria legal ficar preso no hospital por muito, muito tempo, aí, talvez, o cachorro dele podia voltar algum dia.

Em ambos os exemplos, as respostas dos participantes não levam em consideração informações cruciais veiculadas no texto e se pautam, exclusivamente, nas suas preferências pessoais, mesmo que estas sejam contrárias à ideia difundida no texto. Isto pode ser observado de forma mais clara no Exemplo 1 quando o participante afirma que o pedido de Beto ao médico estaria relacionado a um novo encontro entre ele e o seu cachorro, mesmo contendo no texto a informação que o hospital não é um bom lugar para o Bob.

- Tipo 2 (repetição de informação intratextual): a criança menciona uma passagem do texto, de forma literal ou parafraseada, mas que não responde à pergunta.

Exemplo 3: Texto narrativo de ficção (história)

Pergunta de previsão: Qual foi a ideia que Pedrinho teve?

Criança: Foi então que uma ideia passou voando pela cabeça de Pedro.

Exemplo 4: Texto narrativo de não ficção (relato)

Pergunta de previsão: O que será que aconteceu com Beto? Criança: Que o pessoal chamava ele de Beto

O Exemplo 3 trata de uma menção literal, ao passo que o Exemplo 4 ilustra uma paráfrase. Contudo, em ambos os casos, as respostas se caracterizam por abordarem fatos de pouca importância para a trama, indicando que o participante não foi capaz de discriminar as os dados relevantes dos irrelevantes.

- Tipo 3 (integração de informações intratextuais): o leitor integra informações intratextuais que estão literalmente expressas no texto, derivando uma inferência desautorizada.

Exemplo 5: Texto narrativo de ficção (história)

Pergunta de previsão: Qual foi a ideia que Pedrinho teve? Criança: Eles iriam na casa, limpava tudo e ficavam dentro.

Pergunta de previsão: O que será que aconteceu que deixou Beto surpreso? Criança: Ele ficou surpreso por causa da doença grave.

No Exemplo 5, duas informações intratextuais são integradas: o fato de Seu Nicolau ser dono de muitas casas na rua e o fato de ele ter dito que o terreno era muito sujo e que não poderia ficar sem uso pra nada. Porém, ao associar estes dados, o participante produziu uma informação desautorizada (“Eles iriam na casa, limpava tudo e ficava dentro”) que não corresponde ao sentido do texto (limpar o campo/terreno). De forma semelhante, no Exemplo 6, a criança integra duas informações textuais: uma sobre algo que tinha acontecido que deixou Beto surpreso e outra sobre a descoberta da doença grave que havia acometido o menino. Contudo, esta junção de informações intratextuais gera uma resposta inapropriada.

- Tipo 4 (integração de informação intratextual e extratextual): a criança integra informação intratextual e extratextual; porém esta integração gera uma extrapolação e distorção que resultam em uma compreensão não autorizada pelo texto.

Exemplo 7: Texto narrativo de ficção (história)

Pergunta de previsão: O que Pedrinho queria falar pra Seu Nicolau?

Criança: Acho que iam perguntar a Nicolau se o time passou (de fase) ou não.

Exemplo 8: Texto narrativo de não ficção (relato)

Pergunta de previsão: O que será que aconteceu que deixou Beto surpreso?

Criança: Eu acho que, talvez, os amigos dele ficaram tristes porque ele estava no hospital e começou a desgostar dele e o cachorro dele perdeu a amizade dele. O cachorro ficou com raiva porque não botava comida pra ele, não brincava muito com ele, aí, enfraqueceu muito a amizade.

No Exemplo 7, o participante faz uso de um conhecimento de mundo ou de sua experiência (campeonato de futebol é composto por etapas) e articula este dado a uma informação intratextual (Pedrinho convocando os seus amigos para falar com Seu Nicolau). Contudo, a inferência gerada (Acho que iam perguntar a Nicolau se o time passou - de fase - ou não) não é autorizada pelo texto. O Exemplo 8 retrata também este tipo de erro quando a criança integra uma informação intratextual (referente ao tempo que Beto ficou internado no hospital) a uma extratextual (que parece estar relacionado à possibilidade de a distância enfraquecer as amizades, como também à possibilidade do cachorro se sentir rejeitado por não

ter mais cuidados e carinhos por parte do dono). Contudo esta integração gera uma inferência de previsão que extrapola os limites do texto e distorce o seu sentido, resultando, assim, em uma compreensão desautorizada pelo texto.

Em face do exposto, é possível observar que os erros do Tipo 1 e do Tipo 2 não apresentam uma integração explícita entre as passagens do texto e os conhecimentos prévios das crianças no processo de estabelecimento de inferências. Já os demais tipos de erros caracterizam-se por uma tentativa em integrar informações intratextuais apenas (Tipo 3) ou integrar os dados intra e extratextuais (Tipo 4). Nesse sentido, é possível agrupar os tipos de erros em dois blocos, a saber:

- Erro sem integração: que são aqueles em que não se evidencia a tentativa de integrar informações (Tipo 1 + Tipo 2);

- Erro com integração: caracterizados por uma tentativa de integrar informações (Tipo 3 + Tipo 4).

Dessa forma, é possível afirmar que os tipos de erros podem variar em função da sofisticação cognitiva apresentada, expressando níveis de maior ou menor elaboração. Esta também foi uma das análises realizadas, que será discutida nas próximas seções.