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3 A SUBORDINAÇÃO: UMA VISÃO LINGÜÍSTICA

3.1 O ESTUDO DA GRAMÁTICA E AS TEORIAS LINGÜÍSTICAS

A importância do estudo gramatical da subordinação, segundo os preceitos da Lingüística, particularizado sob o escopo do funcionalismo, tem como pressuposto a

concepção funcional de que é a linguagem que permite ao homem, acima de tudo, reação e referência à realidade extralingüística.

Para apoiar essa visão funcional da língua, acrescenta-se a noção dada por Martinet (1978) de que deve ser considerado como objeto da verdadeira lingüística o modo como as pessoas conseguem comunicar-se pela língua. Ainda, para complementar esse posicionamento, toma-se de Martinet (1994) a afirmação de que:

[...] o que “deve constantemente guiar o lingüista” é a “competência comunicativa”, já que “toda língua impõe” (...), tanto em seu funcionamento como em sua evolução, como um instrumento de comunicação da experiência”, entendendo-se como experiência “tudo o que [o homem] sente, o que ele percebe, o que ele compreende em todos os momentos de sua vida”. (MARTINET, 1994, p.14).

Ao abordar a língua natural, o interesse principal deve ser o de verificar como se estabelece a comunicação nessa língua. Em outras palavras, o que deve ser investigado é o modo como os usuários dessa língua obtêm uma comunicação eficiente. Supondo, em um primeiro momento, que o tratamento funcionalista dado a uma língua natural tem como princípio examinar a competência comunicativa, isso poderia implicar ter que considerar que as estruturas das expressões lingüísticas são configurações de funções, sendo que cada uma dessas funções deve ser vista como os diferentes modos que essas funções podem significar em uma oração.

Caso se tome como concepção a idéia de que a linguagem é um instrumento de comunicação, há de se encontrar nos funcionalistas um tratamento funcional para a organização interna da linguagem. As palavras de Givón (1995) vêm justificar tal pressuposto, tendo em vista que, para o autor:

[...] todos os funcionalistas assumem o postulado da não-autonomia: a língua (e a gramática) não pode ser descrita como um sistema autônomo, já que a gramática não pode ser entendida sem referência a parâmetros como cognição e comunicação, processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação, aquisição e evolução. (GIVÓN, 1995, p. 81)

Da mesma forma, a gramática funcional, sob a concepção de Nichols (1984, p. 97), apesar de analisar a estrutura gramatical, vai incluir nessa análise “toda a situação comunicativa: o propósito do evento de fala, seus participantes e seu contexto discursivo.”

Para defender a concepção de linguagem dada pela gramática funcional da Escola de Praga, resume-se com Gebruers (1987, p. 129) dizendo que o que caracteriza a linguagem não é somente o seu caráter funcional, mas sim o fato de a linguagem ser, também, dinâmica. A linguagem é funcional porque não separa o sistema lingüístico e suas peças das funções que

têm de preencher; e é dinâmica porque reconhece, na instabilidade da relação entre estrutura e função, a força dinâmica que está por detrás do constante desenvolvimento da linguagem.

Acrescenta-se a essas idéias que, de acordo com de Beaugrande (1993, cap. II, p. 3), a tarefa principal de uma “gramática funcional” é “fazer correlações ricas entre forma e significado dentro do contexto global do discurso”.

Halliday (1985), que muito se aproxima das concepções de Hjelmslev, considera a existência de estratos na linguagem, os quais têm a fonologia na base e a semântica no topo, sendo essas duas intermediadas pelo léxico e pela sintaxe. Halliday (1985) entende que os itens que se estruturam nos enunciados são multifuncionais, portanto, não se pode considerar esgotada uma descrição de estrutura que se limite à indicação das funções gramaticais.

A visão dada por Moura Neves (2001) do paradigma funcional vem, ainda mais, a apoiar a concepção do estudo da língua a partir de uma gramática fundamentada na lingüística. Segundo a autora, a abordagem do Círculo de Praga é caracterizada como um estruturalismo funcionalista, tendo em vista ser de domínio comum a afirmação das Théses (1929) de que a língua é um sistema funcional no qual aparecem, lado a lado, o estrutural (sistêmico) e o funcional.

As frases são vistas por esses seguidores “como unidades comunicativas que veiculam informações, ao mesmo tempo em que estabelecem ligação com a situação de fala e com o próprio texto lingüístico”. (MOURA NEVES, 2001, p.17).

Moura Neves (2001, p. 15), sob o paradigma das teorias difundidas pelo funcionalismo, institui a “gramática funcional ou gramática de usos” como a mais adequada para explicar o funcionamento das línguas naturais. A partir desse ponto de vista, deve-se entender por gramática funcional “uma teoria da organização gramatical das línguas naturais que procura integrar-se em uma teoria global da interação social”. Portanto, para a autora:

Trata-se de uma teoria que assenta que as relações entre as unidades e as funções das unidades têm prioridade sobre seus limites e sua posição, e que entende a gramática como acessível às pressões do uso. (MOURA NEVES, 2001, p.15).

Uma gramática funcional, ao contemplar a competência comunicativa, está considerando não só a capacidade que os indivíduos têm de codificar e decodificar expressões, mas também a de poder usar e interpretar essas expressões de uma maneira interacionalmente satisfatória. Para a estudiosa, em uma abordagem gramatical desta natureza não se pode deixar de mencionar que a expressão competência comunicativa está relacionada com a proposta de Hymes (1974), ou seja, para que ocorra o uso social apropriado da

linguagem, há de se adicionar ao processo tradicional de descrição gramatical também a descrição das regras.

Essa gramática funcional tem sempre de levar em conta que o uso das expressões lingüísticas está em constante interação verbal. Nas palavras de Moura Neves (2001, p.16), isso pode vir a pressupor a ocorrência de “uma certa pragmatização do componente sintático- semântico do modelo lingüístico”.

O estudo de uma língua natural deve ter como pressuposto básico verificar como se obtém a comunicação, ou seja, o objetivo deve ser o de verificar o modo como os usuários da língua estabelecem uma comunicação eficiente. Para isso, é necessário considerar as estruturas das expressões lingüísticas como configurações de funções, nas quais cada uma dessas funções deve ser analisada como um diferente modo de significação na oração.

Outra proposta que vem a complementar este estudo sobre a importância de se conceber a gramática da língua em uso, é a de Bechara (2000). Em seus estudos já se percebe uma maior atenção às questões relacionadas à língua em uso e a sua funcionalidade dentro da comunidade lingüística em detrimento dos antigos preceitos normativos até então defendidos pela GT. A partir dessa concepção, novos rumos direcionam os estudos desse gramático que adota o funcional sem repudiar o tradicional.

Ao conceituar língua, Bechara (2000) apresenta duas possibilidades: a língua histórica e a língua funcional. A língua é um produto histórico e, ao mesmo tempo, uma unidade idealizada, devido à impossibilidade de alcançar, na realidade, uma língua que se quer homogênea, unitária. Só se pode descrever uma realidade homogênea e unitária por meio da língua funcional que é o objeto próprio de descrição estrutural e funcional. Portanto, uma gramática como produto desta descrição, nunca é o espelho da língua histórica, mas apenas a descrição de uma das suas línguas funcionais.

Considera a língua não como um sistema único, mas como um conjunto de sistemas que encerra em si várias tradições. Uma mesma língua apresenta diferenças internas: no espaço geográfico, no nível sócio-cultural e no estilo ou aspecto expressivo. Importante destacar que, para Bechara (2000), uma língua nunca está plenamente pronta, mas se faz continuamente, devido à atividade lingüística.

Ao discorrer sobre o estudo gramatical da língua, Ilari (1992) contempla o pressuposto de que o estudo da gramática da língua deve estar apoiado na Lingüística. Nota-se claramente esse posicionamento ao se constatar que a noção defendida em seus trabalhos tem como aporte o modelo teórico preconizado pelo funcionalismo.

Ilari (1992, p. 25) toma a definição de língua como um “sistema de meios apropriados a um fim”, sustentada em uma das proposições iniciais da Théses (1929). A partir desse conceito funcional, é que é possível distinguir numa língua natural vários subsistemas, pois haverá tantos deles quantas forem as funções que a língua desempenha, e que, aliado à concepção de comunicação, conduz ao reconhecimento do estudo da oração, enquanto unidade comunicativa, como um nível de análise autônomo.

É o reconhecimento de tal nível que distingue os “níveis sintáticos” de organização da frase, pois são nesses níveis que estão contidas a semântica – uma gramática de casos – e a pragmática – uma gramática da comunicação, definida pela imagem do interlocutor. Assim, uma maior atenção deve ser dada à “perspectiva funcional da frase”, isto é, à organização das palavras nas frases, vista na sua função de organização da informação. É desse modo que a frase passa a ser reconhecida como uma unidade que também pode ser analisada no nível comunicativo e não só nos níveis fonológico, morfológico e sintático. Ao analisar a oração em um sistema que abrange todos os meios pelos quais a oração se realiza como unidade comunicativa, a frase, então, se biparte em tema (ou tópico), segmento comunicativamente estático, e em rema (ou núcleo, ou comentário), segmento comunicativamente dinâmico.

Portanto, no estudo gramatical da língua preconizado pelo autor, a Articulação Tema- Rema (ATR) vai ser considerada como uma forma de realizar as funções da linguagem.

Outro posicionamento sobre a importância de se estudar a gramática da língua em uso é o apresentado por Votre e Naro (1989) e que está, da mesma forma, amparado no paradigma defendido pelo funcionalismo.

É necessário determinar dois pressupostos básicos para este estudo. O primeiro é o que tem como princípio que a análise lingüística deve ser feita “no discurso”; e o segundo, ponto central da proposta dos autores, é o fato de que é no uso da língua em comunicação, em uma dada situação social, que se originará a forma da língua, com as características que lhe são peculiares, inclusive os diferentes graus de instabilidade associados a diferentes subsistemas. Nas palavras dos autores “isso supõe entender a língua como um objeto maleável, probabilístico e não-determinístico.” (VOTRE E NARO, 1989, p. 170).

A partir dessa concepção, a visão de Votre e Naro (1989, p. 170) é a de que “a estrutura (ou a forma da língua) é uma variável dependente, resultante de regularidades das situações em que se fala”. Acrescentam, para justificar tal posicionamento, a afirmação de Givón (1979, 1984) de que a estrutura só pode ser explicada se for considerada a comunicação.

As generalizações estruturais, que são cada vez mais abrangentes, da gramática formal, são concebidas, caso essas generalizações sejam verdadeiras, como meros fatos, reunidos sob

a forma de esquemas. Essas generalizações não podem ser vistas como explicações, pois são, na verdade, fenômenos lingüísticos de um nível mais alto de formalização e, por isso, somente podem ser explicadas por meio de aspectos não-lingüísticos que são, para Votre e Naro (1989), o que as pessoas transmitem e como preenchem as exigências para que ocorra, efetivamente, a comunicação.13

Os modelos formais são concebidos como pertencentes a um nível intermediário que tem uma natureza descritiva e que precisa necessariamente de uma explicação por ter uma alta taxa de componentes discursivos. Segundo os autores, se for verdadeiro o princípio da subjacência, esse não pode ser aceito como uma explicação, mas há de se buscar uma explicação para tal princípio.

A posição defendida por Votre e Naro (1989, p.170), com relação à estrutura é a de que essa é considerada como derivada. Um conceito de estrutura no abstrato, quando considerado independente das suas fontes geradoras – entre elas a comunicação –, é “[...] uma espécie de

ilusão de ótica criada pelo próprio lingüista ao observar as regularidades, sem observar suas

causas.”14. Isso não significa que eles estejam negando a existência da estrutura, muito pelo contrário, a posição deles é a de que há a necessidade de entender as suas motivações básicas, admitindo que essas podem ser exclusivamente diacrônicas em determinadas situações.

Portanto, a abordagem lingüística deve ter como pressuposto o fato de que a análise da língua deve ser feita do particular para o geral, porque o critério que permite descobrir o que ocorre e recorre, de forma regular, a fim de permitir construir generalizações, é o papel comunicativo e não um determinado critério formal. Os processos que devem ser reunidos em uma generalização não são escolhidos por apresentarem uma semelhança formal, mas por terem “algum efeito específico na comunicação” e é nesse sentido que, conforme os autores, tem-se a possibilidade de comprovar a existência da regularidade da forma em correspondência com as regularidades da comunicação.

A concepção de uma gramática funcional é encontrada em Moura Neves, Ilari, e Votre e Naro. Em Bechara, por esse autor ainda seguir os preceitos determinados pela Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) para a constituição de sua gramática, a noção da funcionalidade da língua apresenta-se em fase inicial e é percebida quando o autor introduz em seus estudos a necessidade de a gramática descrever a língua não só levando em consideração os fatos lingüísticos descritos pela norma, mas também o conhecimento das “coisas” que estão ligadas ao mundo extralingüístico do falante, além do conhecimento da língua formalizado pela NGB.

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Destaque de Votre e Naro (1989). 14

Consolidado no paradigma difundido pelo funcionalismo, a seção seguinte trata da sentença como objeto de estudo lingüístico a partir dos preceitos desenvolvidos por Bechara (2000), bem como da abordagem de Moura Neves (1997, 2000 e 2001) e de Ilari (1992). Além disso, explicita-se a proposta de Votre e Naro (1989) sobre o estudo da sentença a partir da análise lingüística do discurso.