• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III – Uma Nova Metafísica, Demasiadamente Humana

3.3. O Eterno Retorno na Metafísica Nietzschiana

No seu Zaratustra, Nietzsche apresenta seu profeta como o revelador do eterno retorno, na verdade o filósofo alemão coloca na boca dos “animais” de Zaratustra tal constatação, podemos ler:

Que teus animais bem sabem quem és, Zaratustra, e o que deves chegar a ser: tu és o profeta do eterno retorno das coisas.

E este é agora o teu destino!

[...] Olha; nós sabemos o que ensinas: que todas as coisas retornam eternamente, e nós com elas; que nós já existimos uma infinidade de vezes, e todas as coisas convosco (Nietzsche, 2008, p. 287).

Poderia haver palavras mais metafísicas que estas? Tão espantosamente herméticas e metafísicas, que até parecem conduzir a um regresso às antigas metafísicas das religiões de mistério.

Porém, não devemos esquecer que Nietzsche apresenta suas teses no Zaratustra de uma forma poética e alusiva, portanto, o “retorno de todas as coisas” é apenas uma metáfora usada para nos conduzir a outras ideias importantes no bojo geral de suas teorias.

Esse pensamento sobre o “eterno retorno”, antes mesmo de aparecer no Zaratustra, foi um dos temas do livro A Gaia Ciência, publicado originalmente em 1882, no qual encontramos essa misteriosa tese:

O maior dos pesos. –E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mais cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma seqüência e ordem – e também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com ela, partícula de poeira!” – Você não se portaria a rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: você é um Deus e jamais ouvi coisa tão divina! “Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa. “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes? Pesaria sobre os seus atos como maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última eterna confirmação e chancela? (Nietzsche, 2007, p. 230).

Nesta cena o “eterno retorno” é denominado por Nietzsche: o “pensamento mais pesado”. Ou seja, um tipo específico de pensar que é significado existencialmente como o “maior dos pesos”. Juntos com o pensador, todas as coisas que estão no cenário descrito pelo “demônio”, estão destinadas a se repetir compulsoriamente pela eternidade, a “perene ampulheta do existir” prende todos os elementos em um único movimento de retorno constante ao mesmo lugar de partida.

Dentro desta cena hipotética, como o pensador desse “maior dos pesos” significaria esta recursividade temporal e espacial em sua vida?

Segundo o texto apresentado, isso dependeria do “tipo” de vida escolhida pelo pensador, esta surpreendente comunicação dada pelo demônio do eterno retorno, poderia soar como uma inefável benção ou, o oposto disto, uma terrível e dolorosa maldição.

No texto do Zaratustra intitulado “da visão e do enigma”, um detalhe esclarecedor nos é oferecido para que possamos entender melhor a tese nietzschiana do eterno retorno do mesmo. Na cena descrita por Zaratustra, ele caminhava entre despenhadeiros, numa íngreme senda até um misterioso pórtico. No caminho até esse lugar, seu demônio, o espírito da gravidade, ou como traduziu o termo alemão (Mario Ferreira dos Santos, tradutor da versão usada neste trabalho), o espírito de “pesadume”, espírito este, que aparece na figura de um

“anão”, que durante todo trajeto dificulta a caminhada do profeta, estando desconfortavelmente dependurado grande parte da jornada, às costas do personagem nietzschiano. Ao chegar diante do pórtico só um dos dois personagens deverá continuar, por isso o profeta Zaratustra disse:

– Alto, anão! – disse-ou eu ou tu! Eu, porém, sou o mais forte dos dois: tu não conheces o meu mais profundo pensamento. Esse... não poderias suportar.

Então se me aliviou a carga, porque o anão, curioso como é, saltou dos meus ombros para o chão.

Acocorou-se sobre uma pedra diante de mim. Onde estávamos, encontrava-se casualmente um pórtico.

-Anão! –prossegui. –Olha para este pórtico, anão! – disse a seguir: – tem duas faces. Aqui se reúnem dois caminhos: ainda ninguém os seguiu até o fim.

Esta rua larga que desce, dura uma eternidade; e essa outra longa rua que sobe: é outra eternidade...

Estes caminhos se entrecruzam, opõem-se um ao outro, e aqui, neste pórtico, se encontram. O nome do pórtico está escrito no frontão: chama-se “instante” (Nietzsche, 2008, pp. 211-212).

Por meio desta bela representação imagética, Nietzsche, através da sabedoria do seu mestre do eterno retorno, ensina-nos o segredo de sua metafísica existencial, segredo este, que, é desvelado na palavra escrita no frontão do pórtico: ”instante”.

Porém, antes de contextualizar essa palavra “instante”, no bojo metafísico construído por Nietzsche, é oportuno entender o que representa o “anão”, o espírito de pesadume que durante todo trajeto impele o profeta para o chão.

No capítulo do Zaratustra intitulado “Das Antigas e das Novas Tábuas”, o profeta nietzschiano revela a verdadeira natureza do demônio pesadume:

Tenho a visão do inimigo nato, o espírito do pesadume, e de tudo quanto foi criado por ele; a coação, a lei, a necessidade, a conseqüência, o fim, a vontade, o bem e o mal (Nietzsche, 2008, p. 261).

Fica evidente que tal personagem representa tudo aquilo que se opõe a transvaloração de todos os valores, o pesado anão é a imagem de tudo que existe de “pequeno” em nós, nossa parte covarde que resiste a ideia de nos assenhorarmos de nosso próprio destino terreno.

Também, no contexto histórico, no qual o Zaratustra foi produzido, como diz Roberto Machado: “[...] o anão personifica [...] o niilismo, o espírito negativo, a perspectiva do bem e da verdade introduzida por Sócrates e Platão na filosofia e pelo cristianismo na religião” (Machado, 1999, p. 122). Assim, o espírito da gravidade é tudo aquilo que tradicionalmente visa impedir a leveza dos criadores de novos valores, é a síntese valorativa das antigas tábuas que se opõem às novas tábuas transvaloradas.

Tendo isso em mente, a palavra escrita no pórtico torna-se mais compreensível. Na realidade a mesma é a essência do espírito que fomenta a transvaloração dos valores, a chave de entendimento para metafísica nietzschiana da vontade de poder.

O filósofo Deleuze, comentando o enigmático eterno retorno, teceu o esclarecedor comentário:

O segredo de Nietzsche é que o eterno retorno é seletivo. E duplamente seletivo. Primeiro como pensamento. Porque nos dá uma lei para a autonomia da vontade desgarrada de toda moral: o que quer que eu queira (a minha preguiça, a minha gulodice, a minha covardia, o meu vício como a minha virtude), “devo” querê-lo de tal maneira que lhe queira o eterno retorno. Encontra-se eliminado o mundo dos semi-quereres, tudo o que queremos com a condição de dizer: uma vez, nada senão uma vez. [...] E o eterno retorno não é só o pensamento seletivo, mas também o ser seletivo. Só volta a afirmação, só volta aquilo que pode ser afirmado, só a alegria volta. Tudo que pode ser negado, tudo o que é negação é expulso pelo próprio movimento do eterno retorno. [...] porque o ser se afirma do devir, ele expulsa de si tudo o que contradiz a afirmação, todas as formas do niilismo e da reação: má consciência, ressentimento... Só os veremos uma vez (Deleuze, 2007, pp. 35-36).

Ao nos livrarmos do “anão”, que nos impedi de apressarmos os passos em direção à transvaloração, podemos olhar sem nenhum temor, as palavras do portal. Como explicou Deleuze, a ideia do eterno retorno é uma metáfora que fala da atitude afirmativa da vontade de poder, aquele que entendeu que não há “deuses do destino”, tornar-se-á de certa maneira, seu próprio Deus do destino, isso porque, aquele que afirmativamente resolve ir para além do bem e do mal, construirá um caminho valorativo só seu.

Deleuze afirma que o eterno retorno é duplamente “seletivo”. Em primeiro lugar, tudo aquilo que pensamos, só é pensado nesta liberdade afirmativa, por nós

mesmos, não há nenhum padrão moral que possa nos guiar, somos totalmente responsáveis pelo círculo de pensamentos que nos preenche.

Em segundo lugar, a maneira de pensar está determinada pelo nosso próprio ser, daí a ideia de que o que nos decidirmos ser, poderá fazer da “lei” metafórica do eterno retorno uma verdadeira “libertação”, aquele que escolhe a partir da sua vontade de poder, terá sempre a sua realidade se retroalimentando na fonte inesgotável do seu próprio poder.

Sobre essa recursividade existencial transvalorada, os fieis animais de Zaratustra lembraram ao profeta a seguinte lição:

Então os animais disseram:

-Zaratustra, para os que pensam como nós, todas as coisas bailam, vão dão-se as mãos, riem, fogem... E retornam.

[...] tudo se destrói, tudo se reconstrói; eternamente se edifica a mesma, casa da existência.

Tudo se separa, tudo se saúda outra vez; o anel da existência conserva-se eternamente fiel a si mesmo.

A existência principia em cada instante; em torno de cada “aqui” gira a esfera do “acolá”. O centro está em toda a parte. O caminho da eternidade torna sobre si mesmo (Nietzsche, 2008, p. 284).

Na nova metafísica construída por Nietzsche a verdadeira existência não é aquela que começa no grande “amanhã espiritual da eternidade”, a existência só tem verdadeira substancialidade no presente “instante”; o passado já não existe, e o futuro só é uma virtualidade hipotética de alguém que só se realiza enquanto efetividade no “aqui”.

O verdadeiro “ser” por trás da transvaloração não é uma “alma imaterial”, nesta nova metafísica do “instante” e do “aqui”, a corporeidade assume o “centro” da nossa vontade de poder, por isso, no capítulo denominado Dos que Desprezam o Corpo, Nietzsche põe na boca do Zaratustra o seguinte ensinamento:

Mas o homem desperto, o sábio, diz: “todo eu sou corpo, e nada mais; a alma não é mais que um nome para chamar algo do corpo”. [...] detrás de teus pensamentos e sentimentos, meu irmão, há um amo mais poderoso, um guia desconhecido, o que se chama “o próprio Ser”. Habita em teu corpo; é corpo (Nietzsche, 2008, p. 51).

Na tese nietzschiana, defendida através da imagem de seu profeta, o corpo é conduzido ao núcleo temporal e espacial de todo possível pensar, o “ser” que existe

no círculo eterno de uma existência que sempre volta para seu “centro”, é o ser corporal, ser este que por causa de sua materialidade entende-se reflexivamente como um eu.

Por isso que em seu livro Zaratustra: o corpo e os povos da tragédia, Carlos Henrique Escobar afirmou que: “O eterno retorno” não é um sistema ou um pensamento acabado. [...] o “eterno retorno” é o que é, uma corporeidade que se procura em sim mesma [..]” (Escobar, 2000, p.190).

Transvalorar é antes de tudo começar no lugar certo esta transvaloração, ou seja, o eterno retorno do mesmo como metáfora, só faz sentido num corpo significado com ponto de partida desta vontade de retorno. O eterno retorno como disse Escobar, não é um “sistema” ou um “pensamento acabado” é um princípio inerente a vida forte que tende a expansão, ou em outras palavras, é uma “condição” que faz do corpo seu instrumento principal de exteriorização hierárquica no mundo como vontade de poder.

É esta vontade “encarnada”, que pretende se realizar enquanto “ser-no- mundo”, que abre espaço para recriação valorativa transvalorada, vontade que dentro da elasticidade do eterno retorno deve se afirmar como nova “dona” do mundo, daí Nietzsche ter comentado incisivamente:

Tudo vem a ser e eternamente retorna- escafeder-se não é possível! – posto que pudéssemos ajuizar o valor, o que se segue disso? O pensamento do retorno como princípio de seleção [...]

1. O pensamento do eterno retorno: suas pressuposições, que haveriam de ser verdadeiras se ele fosse verdadeiro. O que se segue dele.

2. Como o pensamento mais pesado: seu provável efeito caso não se tome precaução, isto é, caso todos os valores não sejam transvalorados.

3. Meios de suportá-lo: a transvaloração de todos os valores: não mais o prazer na certeza, mas na incerteza; não mais “causa e efeito”, mas o constante criativo; não mais vontade de conservar-se, mas antes vontade de poder etc., Não mais o modo de dizer humilde “tudo é somente subjetivo, mas sim “isso é também nossa obra”!, fiquemos orgulhosos com isso! (Nietzsche, 2008, p. 508).

Com a “morte de Deus” o homem foi conduzido ao seu verdadeiro papel de “criador do mundo” (pelo menos o mundo valorado como algo distinto do “caos” natural que o cerca) e, a partir do novo conhecimento que descobriu, em referência a sua própria capacidade de “dar sentido” ao que não contém sentido em si, atingiu

um nível de maturidade gnosiológica nunca antes experimentada. Porém, como diz Nietzsche no trecho apresentado, tal vantagem epistemológica, em relação aos nossos antepassados, precisa ser “positivada” pela nossa atitude afirmativa frente ao vazio da contemporaneidade; tomando a metáfora do “eterno retorno” como uma verdade insuperável, percebemos como somos responsáveis diante destes “pensamentos mais pesado”, afinal, o que escolhermos voltará eternamente como virtualidade pessoal decidida por nós.

Essa forma humilde que dita à regra de que “tudo é somente subjetivo”, é de certa forma criticada por Nietzsche porque pode esconder uma tendência niilista de “relativizar” para não “criar”, ou seja, a relativação niilista visaria a conservação e não a expansão do poder. A “atomização” das opiniões “especializadas” do nosso mundo contemporâneo busca mais a hegemonia dos “diferentes que não se encontram” do que, o embate de forças antagônicas em prol do novo.

A subjetividade proposta por Nietzsche é aquela que não tem medo de “avançar”, isso foi muito bem percebido por Heidegger, daí seu comentário:

… a vontade de poder é a subjetividade incondicionada, e, porque ela é a subjetividade invertida, ela também é pela primeira vez a subjetividade consumada – uma subjetividade que esgota ao mesmo tempo a essência da incondicionalidade por força de uma tal consumação [...]

Nela, a razão representativa é inversamente reconhecida por meio da transformação do pensamento instaurador de valores, mas somente para ser colocada a serviço da dotação de poder à superpotencialização. Com a inversão da subjetividade do representar incondicionado na subjetividade da vontade de poder cai o primado da razão como via diretriz e tribunal para o projeto do ente (Heidegger, 2007, p. 229).

E, ainda falando como a “subjetividade incondicionada” guiada pela vontade de poder, encaixa-se no projeto desta nova metafísica nietzschiana, o grande filósofo alemão e comentador de Nietzsche escreveu:

… a vontade de poder enquanto a subjetividade consumada é o sujeito supremo e único, ou seja, o além-do-homem. Esse além-do- homem não vai além apenas niilisticamente da essência humana até aqui, mas, enquanto a inversão dessa essência, também vai ao mesmo tempo além de si mesmo em direção ao seu incondicionado; e isso significa, sobretudo, o seguinte: em direção ao cerne da integralidade do ente, em direção ao eterno retorno do mesmo (Heidegger, 2007, p. 230).

O eterno retorno do mesmo, segundo comentário tecido por Heidegger, é uma conquista da integralidade volitiva do ser, a superação do niilismo só é possível em sua opinião, a partir de uma subjetividade consumada que, após se reconhecer com fonte de toda valoração mundana, não sofra uma “entropia”, mas sim, continue à buscar a superpotencialização.

Mesmo a racionalidade científica, representada de forma simplificada pelo binômio “causa e efeito”, deve ser superada quando surge como promessa de explicação para a essência do ser. A subjetividade incondicionada não deve ter compromissos fixos com ”certezas”, a “incerteza” permanente de um ser que sempre se reinventa a cada novo “instante” é a única coisa certa ditada por esse “ens metaphysicum” que pede mais poder.

Desta forma, como dito por Heidegger, a razão representativa desta nova forma de valorar, não deve buscar sua medida num pretenso “ente racional” último. Enquanto vontade que se realiza plenamente em nossa individualidade, deve inverter aquela subjetividade que ainda é humildemente cativa de um “absoluto normativo”. Talvez por isso que Nietzsche tenha escrito: “não a humanidade”, mas antes o super- homem é a meta! (Nietzsche, 2008, p. 483).

Quando o filósofo Nietzsche faz menção do “pensamento mais pesado”, ele revela com isso quão abismal se faz o mundo sem o amparo metafísico do “além”, entretanto, sua nova metafísica da vontade de poder pretende ser a possível superação deste “abismo”, não por meio de uma nova consolação, mas sim pela criação de uma nova consciência capaz de lidar positivamente com o lado trágico da existência.

Sobre as discrepâncias que marcam o mundo dessacralizado que vivemos desde a morte de Deus lemos:

Aqui surge o problema da força e da debilidade: 1- Os fracos arrebentam com isso;

2- Os mais fortes destroem o que não arrebenta;

3- Os mais fortes de todos superam os valores de juízo.

Tudo isso junto constitui a época trágica (Nietzsche, 2008, p. 43)

Os “mais fortes de todos”, citados por Nietzsche, são aqueles que não se desmancham com o desmanchar dos valores, ao contrário, adquirem uma

“consciência trágica” capaz de levá-los a criação positiva de outros valores, não se contentam em só destruir aquilo que por si jaz destruído, compreendem que viver nesta época trágica é mais uma condição de crescimento do que um motivo de desfalecimento. Este tipo classificado por Nietzsche como os “mais fortes de todos”, se opõe a “liberdade negativa” do tipo meramente “forte”, este segundo tipo é a representação do niilista passivo, que ainda, na metáfora das três metamorfoses, equivaleria ao espírito do leão, forte em destruir, porém, pouco capaz de construir novos valores. Assim, como a “criança” da última metamorfose, os “mais fortes de todos” brincam inocentemente com o “trágico” e, mesmo sem um “sentido natural” para o mundo, resolvem humanizar positivamente todo seu entorno.

Falando da mensagem “trágica”, proferida de forma poética por Zaratustra, o filósofo Heidegger faz o seguinte comentário sobre o conceito de tragédia em Nietzsche:

Com Zaratustra começa “A era trágica” [...] o trágico no sentido Nietzschiano não tem nada em comum com o mero turvamento produzido por um pessimismo autodestrutivo, Mas também não se confunde com o delírio cego de um otimismo perdido no mero desejo; o trágico no sentido de Nietzsche está afastado dessa contradição, e isso já pelo fato de ser uma posição da vontade e, com isso, do saber em relação ao ente na totalidade cuja lei fundamental reside na luta como tal. (Heidegger, 2007, p. 245)

Este “ente na totalidade”, citado por Heidegger, é aquele que pelo princípio organizador do “querer-mais-poder”, aceita o embate constante entre forças opostas que se agrupam e desagrupam hierarquicamente em momentos diferentes da existência, como uma alternância natural e salutar em prol do equilíbrio geral. Vontade de poder não é apenas vontade, é o jogo contínuo das muitas perspectivas que se afirmam como formas parciais e temporárias da “vontade maior” por poder.

O novo homem da tese nietzschiana, com bem explanou Heidegger, é um meio termo entre o “pessimista” e o “pacóvio”, não deve se enterrar no “chão da indiferença” como faz o niilista, porém, não deve “voar no céu da ilusão” como faz aqueles que buscam “além-mundos”. Deve manter-se sóbrio e ativo, sob a égide de sua vontade de poder deve ser capaz de dizer “sim”, mesmo diante de um universo desencantado.

Essa postura existencial aberta faz do “eterno retorno”, uma ocorrência metafísica positiva, isso porque, quando o poder retorna para o poder temos a superpotencialização da verdadeira essência do ser. O “pensamento mais pensado” só se torna algo temerário naqueles que a “fraqueza” ocupa o lugar da vontade de poder, neste estado deletério do querer, temos negativamente a “eclipse do ser”.

Assim, a tese metafísica de Nietzsche, bem que poderia ser pensada como uma nova religiosidade transvalorada. O sentido mais comum conferido à religião, o de “religare”, se adapta perfeitamente a ideia de um “eterno retorno do mesmo”, desde que entendemos que, no sentido Nietzschiano, pela transvaloração somos convidados a um religamento com nossa verdadeira essência de poder.

No último tópico deste capítulo, tentaremos mostrar como as tipificações religiosas são transvaloradas pelo projeto nietzschiano e, ao estudarmos o aspecto “dionisíaco” das teses nietzschianas, descobrimentos como a religiosidade é ressignificada pelo filósofo.