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O fim do “quase projeto” e as novas políticas de influência neoliberal

5 4 Síntese Crítica

6. O “QUASE PROJETO” PORTUGUÊS: ESCOLAS INDEPENDENTES

6.3. O fim do “quase projeto” e as novas políticas de influência neoliberal

Com a maioria relativa conseguida pela Coligação Portugal à Frente nas

legislativas de outubro de 2015, formou-se o XX Governo Constitucional63. No seu

Programa Governamental podia ler-se na página 13 um reforço do citado acima:

Os Portugueses podem contar com a intensificação do esforço que permite a redução sustentada do abandono escolar precoce ou para ir mais longe nos contratos de autonomia que favoreçam a diferenciação dos projetos escolares na rede pública. Em paralelo, é importante acentuar as condições para o surgimento de escolas independentes no setor público (p.13).

e na página 15 acrescentava-se a possibilidade das escolas independentes partirem de projetos, não só de professores, mas também de pais, ou de iniciativa

63 Governo formado em outubro de 2015, sob a presidência de Aníbal Cavaco Silva, formado com

maioria relativa da coligação Portugal à Frente (PSD/CDS - PP). Demitido em novembro de 2015 por moções de rejeição ao programa do Governo. (http://www.portugal.gov.pt/pt/o- governo/arquivo-historico/governos-constitucionais/gc19.aspx)

privada em consórcios com os municípios:

A diversificação da natureza institucional das escolas, nomeadamente pelo incentivo ao desenvolvimento de modelos inovadores, tais como escolas independentes, que garantam o serviço público de educação, a partir de projetos liderados por professores do setor público ou consórcios integrando encarregados de educação, municípios ou IPSS, com base em concursos públicos e mediante a celebração de contratos-programa (p. 15).

Com a demissão deste Governo e constituído o XXI Governo por forças políticas opostas, termina o debate em torno da implementação das “escolas independentes” deixando muitas questões por responder: quem realmente poderia candidatar-se a uma escola independente? Apenas pais, professores, associações, ou consórcios com os municípios, conforme o previsto no Programa? Ou abrir-se-ia a possibilidade a iniciativas privadas do mundo empresarial? Poderiam estas ter fins lucrativos à semelhança de algumas escolas livres ou charter schools? E estariam os pais, ou os professores mesmo interessados em abrir, gerir uma “escola independente”? Seriam, como as charter schools, de carácter laico, ou poderiam partir de iniciativas religiosas, como algumas escolas livres? E qual a tipologia? Uma escola não-agrupada? Um agrupamento? Estabelecer-se-iam limites ao número de alunos? De turmas? De ciclo? E em relação ao recrutamento de professores? Seguiria um modelo empresarial? No caso dos contratos serem atribuídos a um consórcio municipal, como seria feito o recrutamento? Por candidatura? Ou por subcontratação de empresas prestadoras de serviços, como já acontece em alguns locais com as Atividades de Enriquecimento Curricular? Quanto à autonomia, até que ponto seriam realmente autónomas estas escolas? Poderiam, além do Projeto Educativo, definir o seu próprio currículo, ou direcioná-lo para uma área específica, ou seja especializando o ensino, tal como acontece em algumas escolas livres na Suécia, por forma a promover diversidade de oferta? E como seria feito o financiamento? Diretamente à escola? Por voucher à família do aluno? Ou por financiamento privado de empresas, associações ou fundações? E que alunos? Seriam acionados mecanismos de escolha de alunos por aptidões, desempenho/capacidade, como se verifica em algumas das escolas livres? Que

prioridades teriam na matrícula, seria uma questão residencial ou de ordem de chegada como na Suécia?

Pela análise do panorama americano ou sueco obviamente que não conseguimos responder as estas questões. Podemos no entanto estabelecer comparações entre promessas cumpridas e não cumpridas, entre pareceres favoráveis e desfavoráveis e aprender com as experiências realizadas nesses países, ou seja, fazer uma análise para reflexão e não para ser plagiada no nosso sistema.

Na realidade, não se podem plagiar medidas estabelecidas há décadas em alguns países como na Suécia, ou nos EUA, e decalcá-las em Portugal achando que simplesmente funcionarão e que serão a melhor forma de acompanhar a evolução das sociedades. As diferenças estruturais das sociedades são enormes e mesmo a nível de envolvência na questão dos debates sobre Educação, que de acordo com Fonseca (2014) e Raymond et al. (2012), em Portugal, por oposição à Suécia, se faz de forma “ideológica”, com pouco acesso a informação e praticamente por oposição de orientações políticas.

E o que dizer do debate baseado na oposição política? Será o debate sobre liberdade de escolha e o quase-mercado da Educação uma questão de mera oposição política, uma luta entre esquerda e direita?

Verificámos que mudança de Governo, do XX para o XXI pôs um fim no debate sobre as escolas independentes em contexto português e provocou o retrocesso de algumas políticas de fomento de mercado, nomeadamente no corte do financiamento de escolas privadas, no fim de alguns contratos de associação e na não implementação do voucher educativo.

Mas se analisarmos o Programa do XXI Governo continua notório o cariz neoliberal de algumas medidas, apesar de moderar algumas políticas de liberdade de escolha e de começar por criticar as políticas de privatização inerentes ao governo anterior. Podemos ler, por exemplo no capítulo IV,

Nos últimos anos revelou-se um constante preconceito em relação ao Estado e ao setor público, preferindo a via da privatização, da redução dos serviços públicos estratégicos e centrais do Estado e da diminuição da sua massa crítica e dos seus

quadros. Este caminho de privatização é rejeitado neste Programa de Governo, garantindo-se que não se fará nenhuma nova concessão ou privatização. Tal resulta de uma visão do papel do setor público assente no preconceito de que os privados são mais competentes e eficazes do que o Estado (p. 40).

Um pouco mais à frente, na página 80, aparece um ponto 7 com tema “Assegurar a regulação eficaz dos mercados”. Ponto que enfatiza a necessidade de um estado forte, mas menos burocrático, na regulação do mercado, uma contradição já abordada anteriormente neste trabalho. Também no ponto 9 do mesmo Programa, sob o tema “Descentralização, Base da Reforma do Estado” (p. 87), promete-se o reforço da autonomia local e mantem-se o processo de transferência de competências/poderes para os municípios:

Os municípios são a estrutura fundamental para a gestão de serviços públicos numa dimensão de proximidade, pelo que será alargada a sua participação nos domínios da educação, ao nível do ensino básico e secundário, com respeito pela autonomia pedagógica das escolas, da saúde, ao nível dos cuidados de saúde primário e continuados, da ação social, em coordenação com a rede social, dos transportes, da cultura, da habitação, da proteção civil, da segurança pública e das áreas portuárias e marítimas (p. 89).

Se, por um lado, se trava a privatização da gestão da escola pública, se se repensam os financiamentos das escolas privadas e se se limitam ou terminam outros contratos de associação, por outro defende-se claramente a descentralização e a transferência de poderes para o município, ainda que de forma parcial. Mas convém relembrar que foi desta forma que começaram a ser implementadas políticas do foro neoliberal na Suécia há cerca de duas décadas, terminando num processo de desregulação da Educação com a introdução das escolas livres.

6.4. Síntese crítica

Cristo (2013), em conclusão dos seus estudos sobre outros sistemas educativos que implementaram este modelo de escolas, questiona:

O que podemos nós, portugueses, reter destes exemplos? Sem cair em tentações de importar sistemas educativos por inteiro, o conhecimento dos sistemas dos nossos parceiros internacionais é um importante contributo para a reflexão acerca do nosso próprio sistema – sobre as suas características positivas e negativas, e

sobre o modo como o melhorar (p. 100).

Sem dúvida que, acima de tudo aprender com o que se tem feito, mas acima de tudo refletir sobre essa ação.

Concluindo e ao analisarmos o contexto em que surgiram as Charter

Schools nos EUA e as escolas livres na Suécia, os seus pressupostos, objetivos,

promessas cumpridas, não cumpridas e no zapping político64 a que se assiste em

Portugal aliada à facilidade com que adoptam reformas e ideias oriundas de países considerados mais evoluídos, não podemos deixar de pensar num futuro, próximo ou mais distante e que...

...se em determinados momentos gostaríamos de ver os processos de reforma educacional, ainda que importados de outros contextos geográficos, sem a fadiga e o desânimo que a viagem lhes causou, muitas outras vezes, suspiramos: venturoso Jet lag (Costa, 2009, p. 6).

64 Expressão usada por Estêvão para definir no alternar de políticas adotadas pelo Governo