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Origem do “quase projeto” escolas independentes e as vozes favoráveis

5 4 Síntese Crítica

6. O “QUASE PROJETO” PORTUGUÊS: ESCOLAS INDEPENDENTES

6.1. Origem do “quase projeto” escolas independentes e as vozes favoráveis

As palavras “autonomia”, “descentralização”, “desburocratização”, “liberdade de escolha” são uma constante do discurso político, mesmo quando se fala de Educação nos documentos produzidos durante o XIX governo que serviram de base a este subponto.

No GRE (2014), enumerou-se o que mais se devia “fazer para robustecer a liberdade de escolha das famílias” (p. 58). Além da “municipalização” e das “escolas independentes”, referia-se também a importância de fomentar e incentivar o Ensino Particular e Cooperativo e introduzir o “cheque-ensino”, como instrumento de reforço da liberdade de escolha” (p. 60).

Ao analisarmos o Programa apresentado pelo XIX Governo de Portugal57, anterior ao GRE (2014) já referido, algumas das medidas apresentadas já denunciavam o carácter neoliberal das politicas educativas, o que faria prever a emergência de uma proposta de “escolas independentes”.

Nas páginas 113 a 117 do documento destacavam-se as palavras “autonomia”, “desburocratização”, “liberdade de escolha”, “descentralização”, uma constante, aliás, ao longo de todo o documento e não em relação apenas à Educação. Podiam ler-se, entre outros, alguns objetivos que especificavam e confirmam esta observação: “Estabelecer e alargar contratos de autonomia” [...] “para garantir a diversidade”; “Desenvolver progressivamente iniciativas de liberdade de escolha para as famílias em relação à oferta disponível [...]”; “Proceder a uma intensa desburocratização [...]”; “Implementar modelos descentralizados de gestão de escolas” (p. 113).

Das medidas apresentadas pelo então governo, a que teve maior visibilidade foi o processo de descentralização e transferência de competências para o município “no domínio dos estabelecimentos de ensino, em cada

57 Governo constituído em junho de 2011, sob a presidência de Aníbal Cavaco Silva, formado com

maioria relativa PSD, liderado por Pedro Passos de Coelho e com um acordo de governo com o CDS, liderado por Paulo Portas. Cessou funções em outubro de 2015.

comunidade e município, integrando as escolas nas suas comunidades locais” (p. 116). Este processo passaria pela “contratualização com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses de um novo modelo de delegação de competências correspondente aos objectivos acima enunciados” (p. 117), num projeto de escolas municipais que muito se assemelha ao existente na Suécia e em outros países da OCDE.

Uma outra medida prendia-se com a “defesa da política de contratos de associação com estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que prestam serviço público de ensino em regime de contrato com o Estado” (p. 117).

Estas medidas foram obviamente debatidas publicamente, causando bastante polémica, mas que ainda assim acabariam por ser implementadas, ainda que de forma parcial, no caso da delegação de competências para o município (com o chamado “Programa Aproximar”).

Mas verifique-se especificamente o conceito “escolas independentes”, em que contexto surge e como foi debatido na comunicação social e na arena política, que é exatamente a questão central deste trabalho.

São evidentes os traços comuns entre a definição apresentada no GRE e a definição que Glenn (2008) apresentou na conferência, em Lisboa, do Fórum para a Liberdade de Educação (FLE)58 que, como o próprio nome indica, é um dos locais onde se debate esta questão, apresentando-se pareceres sempre favoráveis à implementação de medidas que promovam a liberdade de escolha da escola, entre os quais a dinamização de projetos semelhantes a este tipo de escolas “semi-autónomas”.

Relembremos uma definição do conceito charter school do autor referido no parágrafo anterior:

Charter schools are semiautonomous public schools, founded by educators, parents, community groups or private organizations, that operate under a written contract with a state, district or other entity. This contract, or charter, details how the school will be organized and managed, what students will be taught and expected to achieve, and how success will be measured. [...] The basic charter concept is simple: Allow a group of teachers or other would-be educators to apply for permission to open a school (p. 3).

[...] They operate on the basis of parental choice (p.6).

E compare-se com o definido no GRE (2014) referido no ponto anterior:

Trata-se, aqui, de convidar, também mediante procedimento concursal, a comunidade dos professores do ensino estadual a organizar-se num projeto de escola específico, de gestão dos próprios professores, mediante a contratualização com o Estado do serviço prestado e do uso das instalações. Essa oportunidade garante à sociedade poder escolher projetos de escola mais nítidos e diferenciados (p. 59).

São evidentes as palavras “contrato” com uma entidade estatal comprovando-se o carácter híbrido entre o público e o privado, a possibilidade de ser administrada ou gerida por professores, a possibilidade do aumento da escolha pela diversidade de projetos.

O termo “escolas independentes” tornou a aparecer posteriormente no

Programa Eleitoral – Portugal à Frente, apresentado pela coligação PSP/CDS, às

legislativas em 2015, bem como na Carta de Garantias associada ao programa eleitoral, com a justificativa de que estas seriam fundamentais no combate ao abandono escolar, insucesso escolar e uma aposta na qualidade. Sobre o título “Valorizar as pessoas”, podemos ler na página 13:

Os Portugueses contam connosco para intensificar o esforço que permite a redução sustentada do abandono escolar ou para ir mais longe nos contratos de autonomia que favoreçam a diferenciação dos projetos escolares na rede pública. Em paralelo, é importante acentuar as condições para o surgimento de escolas independentes, geridas por professores no sector público.

Dos investigadores com pareceres favoráveis, Raymond et al. (2012) e Cristo (2013), também baseados na análise de outros contextos educativos, onde se incluem os EUA e a Suécia, são peremptórios ao afirmar que a questão da autonomia e do fomento da liberdade de escolha pela dinamização de projetos híbridos ou pelo apoio ao sector privado são próprios da evolução da sociedade e dos sistemas educativos.

livres e às charter schools, não omitindo as falhas que deles advém como o aumento da segregação social/educativa. Como o próprio nos diz em conclusão da sua análise, o objetivo dos estudos são a aprendizagem e não a implementação imediata e não ponderada:

Esperamos que este estudo contribua para a reflexão e para o debate públicos em três aspectos. [...] que aumente o conhecimento acerca de outros sistemas educativos, suscitando no leitor a vontade de aprofundar a sua informação sobre as políticas educativas em geral. [...] que contribua para o esclarecimento dos conceitos relacionados com estas políticas públicas, nomeadamente sobre o significado de autonomia escolar e sobre o modo como esta se manifesta em diversos sistemas educativos. [...] que torne o debate público mais guiado por aspectos quantitativos do que por mitos ideológicos (pp. 100-101).

Acabamos por ter, não um grande apelo ao projeto, mas apelo ao debate e à criação de condições para que o mesmo pudesse ser implementado.

E o que dizer da oposição? Vejamos então de que forma se fez sentir no próximo ponto.