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Regulação burocrática, pós-burocrática e neo-burocrática

3. MODOS DE REGULAÇÃO EM EDUCAÇÃO

3.1. Regulação burocrática, pós-burocrática e neo-burocrática

Citando o trabalho de Clarke & Newman (1997), Barroso (2013) diz-nos que a escola pública enquanto serviço público se fez partindo de um “compromisso” entre “administração burocrática”, da parte do Estado, e o

profissionalismo, por parte dos professores, o que por si justifica a regulação do

sistema educativo, durante grande parte do século XX, por um “modelo burocrático-profissional”. O autor define este modo de regulação como uma

combinação da componente burocrática (que privilegiava a racionalidade administrativa, própria à intervenção do Estado), com a componente profissional docente (que privilegiava a racionalidade pedagógica) (p. 15).

Segundo o autor, pelo menos até aos finais dos anos 80, coexistiram neste modelo dois tipos de regulação, uma “regulação estatal, burocrática e administrativa” e uma “regulação profissional, corporativa e pedagógica” (Barroso, 2013, p. 16).

Atualmente, com a evolução dos sistemas educativos, o seu crescimento e organizações cada vez mais complexas, torna-se difícil renovar o conceito de “Estado Educador”. Com políticas de reestruturação do serviço público, provocadas por fatores externos de natureza económica e política (globalização), fatores internos, “como a perda de confiança na sua neutralidade, imagem de ineficiência e efeitos perversos da impessoalidade”, resultados abaixo das espectativas, diminuída confiança na capacidade dos poderes públicos resolverem os seus problemas, assiste-se a um “colapso” deste “modelo burocrático-profissional” e consequentemente à passagem do papel do “Estado Educador” para “Estado Regulador” (Barroso, 2013, p. 16).

Barroso & Afonso (2011), recorrendo ao trabalho de João Formosinho, definem como regulação burocrática a que está confinada e relacionada com questões pedagógicas e de carácter organizativo das funções sociais da escola, da ocupação dos tempos livres e acompanhamento dos alunos (p. 37).

O mesmo autor refere-se a um momento pós-burocrático em que os modos de regulação se caracterizam por não se basearem na legitimidade e racionalidade da lei. Onde “o controlo a priori pelas normas é substituído pelo controlo a posteriori pelos resultados” (Barroso, 2013, pp. 17-18).

Analisando o contexto português, Barroso (2013) reporta a coexistência da “burocracia” e “pós-burocracia” na definição e aplicação de políticas educativas como a descentralização e realização de contratos de autonomia, numa estratégia “ganhadora para a sobrevivência do Estado (p. 18).

Este tipo de coexistência, ou “hibridez” que “conjuga ao mesmo tempo liberalismo e burocracia” a que se refere o autor, também está presente, a seu ver, na vigência de dois modelos de gestão e organização opostos, a “regulação neo-burocrática”:

Uma regulação estatal de tipo burocrático e administrativo, em que a escola é vista como "um serviço do Estado", sujeita a uma rede complexa de normativos que reforçam a intervenção da administração central direta (através do seu corpo de funcionários e inspetores) ou mediatizada através do diretor da escola, cuja função essencial é fiscalizar o cumprimento das normas e regulamentos (Barroso, 2003, p. 61).

E ainda a “regulação pós-burocrática”:

Uma regulação corporativa de tipo profissional e pedagógico, em que a escola é vista como "uma organização profissional", com uma gestão de tipo colegial, gozando de uma relativa autonomia pedagógica e financeira, e onde o diretor exerce as suas funções mais como um líder pedagógico do que como um administrador-delegado do poder central (Barroso, 2003, p. 61).

No modelo de regulação “neo-burocrático” – uma regulação pelo mercado – pretende-se melhorar o funcionamento burocrático pela transformação ou “modernização cosmética” ao serviço dos mesmos fins e do mesmo modelo de funcionamento. Com o modelo “pós-burocrático” pretende-se reformular o papel do Estado reduzindo a sua dimensão e a ação através de medidas facilitadoras de um mercado educativo (a descentralização administrativa e o reforço da autonomia das escolas), mas reforçando o seu controlo nos processos de avaliação, por exemplo, a introdução de exames no fim de cada ciclo (Barroso & Afonso, 2011, p. 43; Barroso, 2013, p. 18).

Neste sentido e segundo Justino e Batista (2013), sempre que surgem processos de delegação de competências ou de descentralização de funções pode falar-se de “regulação partilhada”. Define-se como uma regulação que advém de um contrato por tempo determinado e de acordo com condições pré- estabelecidas, de delegações de poder ou funções que seriam exclusivas do Estado, sendo que este mantém o poder de cessação e de sancionamento caso não sejam cumpridas as cláusulas. Incluem-se neste caso: os contratos de autonomia de algumas escolas públicas que continuando a estar sob a alçada estatal, dispõem de alguma autonomia a nível de afetação de recursos; a delegação de poderes nas autarquias na gestão de infraestruturas; contratos com entidades privadas enquanto serviço público, mantendo o Estado o papel de financiador (p. 50).

Justino & Batista (2013) referem igualmente a importância das políticas públicas na concessão de autoridade legítima ao Estado para acionar medidas reguladoras de mercado, embora seja contraditório no conceito neoliberal de mercado. Ou seja, tendo em conta a especificidade do quase-mercado educativo é necessária uma forma “coerciva” de regulação – imposta pela “nacionalização” dos Sistemas Educativos – para promover o equilíbrio entre oferta pública e oferta privada. Um papel que o Estado deve desempenhar enquanto “Regulador”, através das funções de inspeção, organização de currículos, avaliação externa e certificação de manuais.

Em documentos de cariz político-partidário existem referências diretas à importância da regulação estatal nas políticas de mercado. A título de exemplo, vejamos o programa eleitoral “Portugal à Frente” apresentado pela coligação PSD/CDS nas legislativas de 2015. Sob o título “Reforçar o Papel da Regulação”, nas páginas 141 e 142, podemos ler:

Porém, se é verdade que uma economia saudável e em crescimento pressupõe o funcionamento em mercado aberto, não é menos verdade que há distorções e falhas que, a bem dos consumidores e do interesse público – e numa cultura de rigor e exigência –, cabe ao Estado acautelar.

E acrescenta-se que

A regulação é, portanto, condição para o são funcionamento de uma economia de mercado e uma essencial função do Estado, exercida através de entidades administrativas independentes das respectivas tutelas e dos sectores regulados.

No entanto, como nos diz Barroso (2003), não nos podemos limitar a um debate linear entre estes dois extremos, pois segundo o autor existem outras alternativas na educação pública, entre o “centralismo estatal” e “a livre concorrência do mercado”, entre “a fatal burocracia do sector público” e “o mito da gestão empresarial”, entre “o súbdito” e o “cliente”” (p. 69).

Um terceiro modo de regulação é introduzido como sendo uma “regulação induzida” (Justino & Batista), uma regulação de carácter transnacional (Barroso) nivelada pela dualidade políticas europeias e organizações internacionais, no

caso de Portugal e União Europeia (UE). Neste sentido, as políticas educativas nacionais, mantendo-se sob alçada da soberania do Estado, orientam-se pelas políticas de cooperação entre estados-membros, na cooperação entre estabelecimentos de ensino, na partilha de experiências e informações.

Robertson (2007, p. 30) diz-nos que há uma “pressão cada vez maior sobre os governos nacionais (por exemplo, da OCDE e do Banco Mundial) para que acabem com os prejuízos e deixem de tentar transformar os arcaicos, burocráticos e difíceis sistemas de educação” e, embora essas orientações não sejam de seguimento obrigatório, o facto de advirem de relatórios publicados internacionalmente e de forma mediática, conforme nos dizem Justino & Batista (2013) potencia essa pressão:

Trata-se, assim, de uma pressão social que é induzida pelo conhecimento resultante de um exercício de análise e de comparação internacionais, potenciando uma atitude reativa e competitiva e promovendo o mimetismo e a eventual convergência das políticas públicas (p.51).

Mas sobre este modo de regulação falaremos no próximo ponto.