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4 DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA

4.2 O governo Vargas e a educação escolar

Após os anos 1930, é possível localizar leis federais que se referem à educação escolar, ao ensino e à instrução das crianças brasileiras. A legislação passa a dar mais atenção aos aspectos educacionais e menos aos aspectos relacionados ao perigo das e para crianças. Em 1932, a justificativa apresentada para tornar a Cruzada Nacional de Educação90 de utilidade pública, por meio do Decreto nº 21.731, é um exemplo do papel que, pelo menos no discurso legal, a educação começou a ter para a sociedade brasileira, pois “... a alfabetização de um povo constitue o elemento básico para a solução de todos os problemas político-sociais da respectiva nacionalidade”. O que a legislação indica, seja pelos discursos presentes nelas, como o apresentado, seja pela quantidade de leis que passam a se ampliar no que se refere ao ensino, é que a escolarização do povo começa a ser também um problema social que precisa de atenção.

Ao longo dos 15 anos de governo de Getúlio Vargas, foram localizadas dezenas de leis que tinham relação com a educação. Este aumento de quantidade na legislação parece ser o resultado das mudanças políticas realizadas no governo Vargas, de 1930 a 1945, quando houve um “... movimento de centralização e                                                                                                                

concentração do poder” (DRAIBE, 2004, p. 54). Sônia Draibe, pedagoga, mestre em sociologia e doutora em ciências políticas, em seu livro Rumos e metamorfoses: Estado e industrialização no Brasil, 1930-1960 analisa o processo de industrialização brasileira naquele período, considerando as ações políticas para o desenvolvimento industrial e do Estado, assim como do capitalismo no Brasil. Segundo ela,

Os autores que se debruçam sobre as características mais permanentes dos processos de construção dos Estados destacam sempre o movimento de progressiva extensão do poder estatal sobre o sistema educacional, seja para definir os parâmetros político- ideológicos sob os quais se processara a “socialização” dos cidadãos, seja para responder às demandas e pressões pela extensão da cidadania, seja para arcar com as tarefas de reprodução ideológica e formação técnico-profissional da força de trabalho (DRAIBE, 2004, p. 60).

A centralização e a busca pela extensão do poder estatal por meio do sistema educacional podem ser formas de se entender o porquê do aumento das leis federais de educação no período.

Em 1930, início do governo Vargas, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, sendo sua atribuição “o estudo e despacho de todos os assuntos relativos ao ensino, saúde pública e assistência hospitalar” (Art. 2º do Decreto nº 19.402/1930). No ano seguinte, o Decreto nº 19.890/1931 propõe a organização do Ensino Secundário no país tendo como referência o Colégio Pedro II, instituição oficial, que será modelo para a regulamentação das outras instituições de ensino deste nível. Este mesmo decreto cria o registro de professores, necessário para o exercício da profissão, assim como estabelece que

Instalada a Faculdade de Educação, Ciências e Letras e logo que o julgar oportuno, fixará o Conselho Nacional de Educação a data a partir da qual, para se tonar definitiva a inscrição provisória nos termos do artigo anterior será exigida habilitação perante comissão daquela faculdade, não só em Pedagogia como nas disciplinas relativas à inscrição (Art. 70).

Tanto o registro de professores quanto a exigência de formação em nível superior presentes neste decreto parecem indicar que havia uma busca por uma melhor estrutura do ensino.

O Ensino Secundário, neste período, torna-se foco de interesse no que se refere à legislação, tendo sido encontradas sete leis que tratam diretamente deste nível de

ensino entre os anos de 1931 a 1939, culminando, em 1942, com a publicação da Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-Lei nº 4.244). Dentre elas, o já mencionado decreto sobre a organização do ensino secundário e, no mesmo ano, uma prorrogação de prazo para o registro dos professores (Decreto nº 20.630/1931). Em 1932, um decreto consolida as disposições do ensino secundário (Decreto-Lei nº 21.241); em 1934, outro decreto autoriza o uso de verbas no Colégio Pedro II (Decreto nº 24.104); e, em 1935 e 1939, uma lei e um decreto-lei, respectivamente, que modificam a organização do ensino secundário (Lei nº 14/1935; Decreto-Lei nº 1.750/1939).

Há dois aspectos que se mostram relevantes ao olhar para a legislação do ensino secundário à época. O primeiro deles é o exame de admissão, que permaneceu por longas décadas separando o ensino primário do ensino secundário. O segundo aspecto diz respeito aos custos do ensino secundário que, ao mesmo tempo em que se afirmava sua importância para a sociedade, estimulavam-se ações como a Cruzada Nacional de Educação, destinavam-se verbas para instituições de educação e assistência (Lei nº 119/1935), e reduzia o valor de taxas do ensino secundário para famílias com mais de um filho (Decreto-Lei nº 3.200/1941), assumia-se que seu custeio era um problema, conforme argumentos expostos no Decreto nº 22.784 de 1933:

... considerando que é da competencia do Estado incentivar, disseminar e proteger o ensino, em benefício da cultura nacional; Considerando que, em assim reconhecendo, não é aceitavel se exija para a manutenção do mesmo pesadas contribuições, o que constitue privilegiar a instrução dos ricos em detrimento das classes menos favorecidas; Considerando que a situação financeira do erario público, no momento não oferece condição, como seria de desejar- se, para que sejam de vez extintas todas as contribuições em favor do ensino; Considerando que, em atenção e respeito ás justas reclamações dos interessados, e ás quais ao Governo cumpre, corresponder, se examinou, minudentemente, a situação das taxas de ensino em confronto com a situação da economia nacional; Considerando, por outro lado, que a redução das taxas importará na deficiencia de recursos dos diversos estabelecimentos de ensino que não dispõem de outra dotação no orçamento geral da União.

Em 1942, é aprovada a Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-Lei nº 4.244), na qual são estabelecidas sua finalidade e estrutura, dentre outros assuntos que regem e regulamentam o nível de ensino. Nesta lei, mantêm-se algumas características anteriormente propostas, entre elas a possibilidade de instituições

privadas oferecerem o curso secundário, que se divide em dois ciclos. O primeiro ciclo era o ginásio, equivalente ao atual segundo ciclo do ensino fundamental, e o segundo ciclo dividia-se entre colegial clássico e científico. A Lei Orgânica do Ensino Secundário mantém a necessidade do exame de admissão para o ingresso, após os 11 anos de idade e com certificado do ensino primário, apesar de determinar sua articulação com o ensino primário “... de tal modo que deste para aquele o aluno transite em termos de metódica progressão” (Item 1 do Art. 9ª).

O que a legislação deste nível de ensino mostra é que, ao mesmo tempo em que recebe mais atenção da lei, permanece restrito, seja pela necessidade de exame de admissão, seja pelas restrições ao seu financiamento, seja pela quantidade de escolas públicas deste nível à época que, de acordo com dados apresentados por Beisiegel (2005) do estado de São Paulo, contava com 41 ginásios criados até o ano de 1940 – para uma população de mais de 1,6 milhão de pessoas entre 10 e 19 anos91, cujo número de matrículas no ensino secundário neste mesmo ano e estado não chegava a 80 mil.

Além do ensino secundário que recebia atenção da legislação e teve nas décadas posteriores um movimento de expansão (BEISIEGEL, 2004; 2005), outros aspectos do ensino foram encontrados em leis federais nos 15 anos do governo Vargas, como as relativas ao ensino superior (Decreto nº 19.851/1931; Lei nº 114/1935; Lei nº 444/1937; Lei nº 452/1937) e a instituições de assistência e educação (Lei nº 119/1935; Decreto-Lei nº 4.830/1942).

Este período teve também duas Cartas Constitucionais, uma em 1934 e outra em 1937. Ainda em 1934, a educação (escolar e familiar) passa a ser constitucionalmente considerada um direito de todos e é fixada a obrigatoriedade do Ensino Primário, obrigatoriedade esta que permaneceu com algumas alterações em todas as Cartas Constitucionais desde então. Apesar disso, segundo mostram os dados do Censo de 1940, seis anos depois da promulgação da Constituição que torna obrigatório o ensino primário, somente 30% da população entre os sete e os 10 anos de idade, aquela correspondente aos anos de escolarização primária, recebiam alguma instrução92. Além da obrigatoriedade, as duas Constituições promulgadas no governo Vargas determinavam a gratuidade do ensino primário que,                                                                                                                

91 Fonte do total da população entre 10 e 19 anos de idade: Recenseamento de 1940. 92

Em números absolutos, foram recenseadas 4.592.304 crianças entre sete e 10 anos, das quais 1.388.570 recebiam instrução.

no entanto, foi retirada na CF/46 e só retornou à Carta Constitucional e à legislação do ensino após 1988.

O parâmetro legal torna possível perceber que havia uma busca pela educação e instrução da população, especificamente das crianças, porém, sem que fosse ao mesmo tempo garantido esse direito de educação por meio de construção de escolas que tornassem possível atender a todas as crianças em idade escolar, fosse do ensino primário ou secundário, por meio dos exames de admissão que determinavam a permanência ou exclusão das crianças no sistema de ensino, ou mesmo pelo financiamento da educação, visto que apesar de a educação ser compreendida como peça fundamental para o desenvolvimento de uma nacionalidade e do futuro da nação e sendo estes colocados, por meio dos discursos desde o início da república, nas mãos das crianças que seriam educadas, a sociedade não poderia pagar o preço por isso, como fica claro no já citado decreto que reduz as taxas destinadas à educação escolar.