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O homem na História, o progresso que nasce da vida

No documento Ordem e Progresso (páginas 45-47)

O PROGRESSO SEGUNDO ORTEGA Y GASSET: O MOVIMENTO DA RAZÃO VITAL

VI. O homem na História, o progresso que nasce da vida

Nos itens anteriores vimos como a historicidade do homem se reflete em sua compreensão de mundo e na Filosofia. Também foi dito que sua vida se vincula a uma geração e que isso afeta seu modo de viver. Vamos aprofundar um pouco mais esse assunto, isto é, tratar do sentido de progresso no patri- mônio cultural que o homem recebe. As gerações não começam a viver como se nada houvesse antes delas, ao contrário, o homem se instala no mundo e é aí que ele vai tocar a vida. É o que mostra Julián Marías no comentário que tece ao modo como Ortega y Gasset pensa a vida histórica e social. Afirma (2004): “O homem se encontra vivendo numa determinada altura dos tempos: em certo nível histórico. Sua vida é feita de uma substância particular que é seu tempo” (p. 511).

Ortega y Gasset apresenta o caráter temporal do homem de modo próprio, ele evita utilizar categorias lógicas que desvitalizem a vida. Ele afirma em História

como sistema, um capítulo do volume Filosofia da História dirigido por Klibansky

e publicado em Oxford, em 1935, “que o homem não tem natureza, mas tem história. Ou o que é igual é o que a natureza é para as coisas, é a história – como

res gestae – para o homem” (p. 41). E o que isso significa? Que a natureza do

homem é ser histórico. Ao focar no caráter temporal da existência, o filósofo evita falar de natureza ou espírito, afastando-se tanto do positivismo de Comte

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quanto do idealismo de Hegel que empregavam tais referentes. Falar da História como definidora do homem é coerente com a tese nuclear do raciovitalismo que é pensar a vida como um que fazer na circunstância. Esse entendimento tem grande significado e marca um distanciamento das filosofias idealistas da História, pois vida não é pensamento ou lógica. No comentário que escreveu em 1928 intitulado La Filosofia de la Historia de Hegel y la Historiologia Ortega explica (1994):

Sua filosofia (de Hegel) é, em um e outro rigoroso sentido, lógica, e opera mediante um movimento de puros conceitos lógicos, e pretende deduzir logicamente os fatos não lógicos, não há dúvida que a História deve se rebelar contra seu intolerável imperialismo” (p. 525).

Já vimos no item anterior a razão disso ao estudarmos as noções de draoma e ideoma. Pensado como sujeito da História, o que o homem faz é esforço para realizar sua vocação em meio às crenças e desafios que a vida traz a sua geração. Os problemas de cada geração não surgem do nada, todo patrimônio acumulado pelas sucessivas gerações aparecem no presente na forma do já vivido. O passado afeta o presente e pede uma resposta que o considere. O passado é o que é na forma como surge no presente. O século XV foi visto de modo diferente no século XVI e XIX. É o que dá o caráter progressivo às criações humanas já que o presente não repete o passado e nem o entende do mesmo modo, hoje não pode ser idêntico ao que já foi. O filósofo assim se refere ao passado como elemento constituidor de progresso em História como sistema (1997):

Esse passado é passado não porque passou a outros, mas porque forma parte de nosso presente, do que somos na forma do já ter sido, em suma: não pode dizer-se que há algo se não é presente, atual. Se, pois, há passado, o haverá como presente atuando agora em nós (p. 39).

O sentido próprio da experiência aparece no texto Hegel en América onde o filósofo fala que uma sociedade deve pensar seus problemas e o futuro a partir de suas experiências e não de outrem. Aí crítica todos os que tentam encontrar na vida norte americana uma orientação para o futuro da Europa. Ortega y Gasset não parece se dar conta de que a América é uma espécie de continuação da Europa, parte fundamental da cultura ocidental.

A referência ao passado que se atualiza no presente dá caráter progressivo não só à vida do sujeito, mas a de toda a sociedade. É o que o filósofo afirma: “do homem é preciso dizer que não só seu ser é variável, mas que seu ser cresce,

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no sentido, que progride” (idem, p. 42). Ortega y Gasset diferencia sua noção de progresso do que ele denominava velho progressismo, entenda-se o idealismo de Hegel, do materialismo histórico de Marx e do positivimo de Comte. A noção de progresso desses pensadores era na direção de um futuro necessariamente melhor, mas a vida pode não ser assim. Nada justifica tal otimismo. Pode-se ir também na direção do pior, mas isso não invalida o caráter progressivo do processo histórico. É o que ele procura demonstrar com um exemplo em que se perdeu uma crença: “o europeu atual se sente hoje sem uma viva fé na ciência, precisamente porque há cinquenta anos acreditava a fundo nela” (idem, p. 42). Não faz sentido em se falar de progresso nas crenças.

A possibilidade de progredir é da condição humana porque só progride quem não fica escravo do passado, quem pode passar de um momento para outro. Um animal não progride ele diz: “o tigre de hoje não é nem mais nem menos tigre que o de há mil anos (…) é sempre o primeiro tigre” (idem, p. 43). O homem não, ele não precisa ser como o primeiro homem, ele acumula saberes e fazeres das antigas gerações. Dito pelo filósofo: “o homem não é o primeiro homem e eterno Adão” (idem, p. 43). Daí a inevitável conclusão de que o passado é parte constitutiva do que sou como homem e como sociedade e que o homem perde sua condição quando se desprega do caráter progressivo da sociedade e de suas próprias experiências.

No documento Ordem e Progresso (páginas 45-47)