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O progresso na razão

No documento Ordem e Progresso (páginas 38-40)

O PROGRESSO SEGUNDO ORTEGA Y GASSET: O MOVIMENTO DA RAZÃO VITAL

II. O progresso na razão

Num curso ministrado em 1929, na Universidade de Madrid, Ortega y Gasset refletiu sobre o significado da Filosofia e nela sobre o tema do progresso. Afinal em que consiste essa antiga atividade humana? As lições que ministrou na ocasião foram reunidas e publicadas em 1930, mas só a partir da edição das

Obras Completas elas aparecem, como livro, com o título Qué es Filosofia? (1947).

Na primeira das lições desse livro, o filósofo concebe o progresso da razão como aprofundamento de um problema e diz que essa é a forma de seu tempo tratar o assunto. Essa maneira de enxergar os problemas filosóficos ele resume na aproximação contínua da verdade em progressivo aprofundamento. Estamos diante de uma verdade que só se mostra gradativamente, sem que isso signifique, como pensara Hegel, que a verdade, concebida num sistema mais recente ou mais perfeito, conserva e suplanta a anterior. A verdade é a mesma procurada desde as origens gregas, mudam os homens e a forma de olhá-la durante a História. Os contributos deixados pelos filósofos pelos tempos afora formam uma tradição.

Em 1921, no comentário que escreveu com o título a História da Filosofia

de Karl Vorländer, Ortega y Gasset já antecipara essa questão do seguinte modo

(1997): “Esta colaboração dos pensadores antepassados no trabalho do pensador de hoje, é o que faz história da filosofia uma ciência atual” (p. 294).

3 Leia a apresentação de La última filosofia de Ortega y Gasset, onde Jaime de Salas diz (2003): “Do último período é

característico o que conta como realizado previamente no que representa as teorias da perspectiva e da vida, porém o que interessa a Ortega y Gasset primordialmente é a aplicação de um método da razão histórica donde a noção de crença ocupou lugar central” (p. 15).

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A maneira orteguiana de tratar o assunto sugere que a investigação filosófica é esforço permanente de aprofundamento dos problemas, cujo esclarecimento é gradual e progressivo pela força da tradição. Olhado dessa forma o progresso é um regresso à verdade original que todos os pensadores, desde a origem histórica da Filosofia, são instados a realizar. Tendo como referência todo o passado, cada filósofo mergulha em direção ao núcleo íntimo da verdade que ele espera revelar ou desvendar. Diz o filósofo no comentário que escreveu sobre A História da

Filosofia de Bréhier, em 1942: “Este feroz regresso até a fonte original em que se

vai esmiuçando, triturando todos os sistemas para assistir de novo seu exemplar nascimento, é em sua substância a história da filosofia” (p. 403).

Sobre esse movimento do pensamento em direção à verdade, o filósofo já comentara em Qué es Filosofia? que o progresso no tratamento dos problemas não se afasta do aprofundamento temático em direção à verdade (1997):

Nós iremos aproximando (da verdade) em giros concêntricos, de modo cada vez mais curto e intenso, deslizando pela espiral desde uma mera exterioridade com aspecto abstrato, indiferente e frio até um centro de terrível intimidade, patético em si mesmo, ainda que não em nosso modo de tratá-lo. Os grandes problemas filosóficos requerem uma prática similar a que os hebreus empregaram para tomar Jericó e suas rosas íntimas: sem ataque direto, circulando entorno e lentamente, apertando a curva cada vez mais e mantendo no ar o som das trombetas dramáticas. Na aproximação das ideias, a melodia dramática consiste em manter sempre desperta a consciência dos problemas, que são o drama ideal (p. 279).

A descrição acima indica que o progresso na compreensão da verdade não ocorre porque ela mudou, mas porque os homens mudam sua posição na vida e o modo de vê-la. Ao circular em torno aos problemas, como os judeus fizeram na tomada de Jericó, o núcleo íntimo da verdade parece diferente do que foi vislumbrada por outros pensadores, e, assim é, porque mudou a perspectiva de quem a contempla. Esclarece o filósofo: “Não é, pois, a verdade, senão o homem que muda e porque muda vai correndo atrás de uma série de verdades” (idem, p. 284). A ideia de compreensão coletiva da verdade é extensão da tese já enun- ciada em 1916 quando, no artigo Verdad y Perspectiva, dizia que (1998): “O ponto de vista individual parece o único desde o qual se pode mirar o mundo em sua verdade” (p. 18).

Na compreensão orteguiana, cada homem é perspectiva insuperável na compreensão do universo e dos seus problemas. E é sua forma de ver a verdade única que lhe parece aceitável, mas isso não significa que não seja possível, pela

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comunicação, construir uma visão compartilhada da verdade. Essa tese brota da leitura crítica que faz de Hegel, sobre quem comenta em Hegel y América, artigo de 1930 publicado em El Espectador (v. II), que (1998): “A História, (…), não começa quando entra em cena o homem espiritual, portanto, o Espírito, consciente de si, com uma consciência muito tosca, já está atento a si” (p. 568).

A recusa em identificar a consciência humana com um Espírito Absoluto e Universal leva-o a desenvolver o conceito de geração. Na segunda lição de Qué es

Filosofia? Ortega y Gasset define geração como conjunto de homens e mulheres

que pensam coletivamente o mundo. Eis como o diz (1997):

Para que algo importante mude no mundo é preciso que mude o tipo de homem e – se entende – o de mulher, é preciso que apareça uma multidão de criaturas com uma sensi- bilidade vital distinta da antiga e homogênea entre si (p. 20).

Essa multidão não é todo o conjunto de homens que estão no mundo numa determinada data, pois em cada tempo da História encontramos três gerações: “os jovens, os homens maduros e os velhos” (idem, p. 290). De modo metafórico o filósofo compara as gerações com as caravanas em sua marcha pelo deserto, elas se misturam quando se cruzam, mas cada qual conserva suas características e rota. E a geração é uma perspectiva que se impõe aos indivíduos, o que faz que cada uma seja distinta da anterior. É o modo como ele explica, por exemplo, a diferença entre pais e filhos. Quando a diferença entre as gerações é grande, instaura-se uma crise, da qual falaremos no próximo item.

Finalmente, há uma crítica a Hegel que também ajuda a entender o sentido que Ortega y Gasset dá ao progresso na razão. Hegel concluiu pelo progresso porque admite chegar a um sistema definitivo para o qual os demais contribuem, observa Ortega em A História da Filosofia de Bréhier. Há, pois, no idealismo absoluto, um progresso de absolutos acertos na direção de um sistema defini- tivo. Ortega pensa o assunto de outro modo, isto é, como contribuições parciais no permanente esclarecimento da verdade, pois “o progresso não necessita ser absoluto para ser absolutamente, quer dizer, efetivamente progresso” (p. 408).

No documento Ordem e Progresso (páginas 38-40)