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Capítulo 2. – As trajetórias da praxis: Carlos Rates e Manuel Ribeiro

2.1. Até ao batismo de sangue da República

2.1.1. O II Congresso Sindical (1911)

comícios e debates pela sua libertação179. Graças a esta mobilização também ganhou relevo perante os líderes sindicais que, após o II Congresso Sindical, o elegeram como delegado para ações de propaganda entre os trabalhadores rurais. Tornou-se, assim, a partir deste acontecimento, numa das figuras cimeiras do sindicalismo português.

Além disso, como resultado da repressão contra os grevistas, os sindicatos de Lisboa e do Porto aprofundaram as suas relações promovendo ações de solidariedade em todo o país180. Só no Porto, reuniram-se 2.000 pessoas em solidariedade com o movimento de Setúbal e pela libertação de Carlos Rates. O mesmo aconteceu em Lisboa, onde 80.000 operários terão abandonado os seus postos de traba.lho, em solidariedade com os dois grevistas mortos pela GNR181. A partir destes comícios, verificamos que a ação repressora terá, de certo modo, estimulado as redes de comunicação e a ação concertada entre operários à escala nacional. Por conseguinte, graças a esta mobilização, a consciência operária foi além das questões locais ao elevar a greve de Setúbal a um problema nacional, fazendo desta um símbolo da exploração capitalista e da condição da mulher. Nesta conjuntura, o sindicalismo representou, na visão dos seus representantes, uma ação regeneradora, face à carestia de vida e às questões morais que marcavam a vida operária e urbana.

Como diria Rates, um ano depois, “os fuzilamentos de Setúbal foram o batismo de sangue da República e o seu primeiro passo para o, já hoje irrevogável, seu divórcio com o Proletariado.”182. O início de 1911 marcou, portanto, o fim da aliança “contranatura” entre sindicalistas e republicanos, que já antes demonstrava sinais de rutura.

2.1.1. O II Congresso Sindical (1911)

178 “Respondendo a Infâmias”. O Sindicalista, nº 22, 9/04/1911, p. 1.

179 Realizaram-se vários comícios pela libertação de Carlos Rates em Lisboa, Porto, Setúbal, Ferreira do

Alentejo e Vendas Novas. Segundo o próprio Carlos Rates, o despedimento de operários após a morte dos dois grevistas a 13 de março, terá levado a um movimento de solidariedade em Lisboa que terá contado com 80.000 operários solidários com a causa de Setúbal: “Carlos Rates”. Germinal, nº 364, 06/06/1911, p. 2; RATES, C. “Ao proletariado de Setúbal”. Germinal, nº 1 (II), 12/08/1911, p. 1.

180 “Mais protestos contra os acontecimentos de Setúbal”. O Sindicalista, nº20, 26/03/1911, p. 2-3. 181 “Contra os assassinos de Setúbal”. O Sindicalista, nº 21, 2/04/1911, p. 3; RATES, C. – “Ao proletariado

de Setúbal”. Germinal, nº 1 (II), 12/08/1911, p. 1.

Logo após o 5 de outubro, as greves passaram a ser vistas como fatores desestabilizadores e antipatrióticos, alguns republicanos chegariam até mesmo a afirmar que os grevistas eram agentes monárquicos.

Nesse novo clima político, alguns setores do PSP optaram por se aproximar do novo regime, com o intuito de obter o espaço político necessário para realizar o seu projeto de “República Social”. Porém, essa estratégia não produziu os resultados esperados. É que para os socialistas se institucionalizarem na República, hostil às greves, teriam que ceder as suas reivindicações sindicalistas grevistas para demonstrar a sua lealdade perante o novo regime. Com esse objetivo em mente, os socialistas juntaram-se às manifestações patrióticas contra as greves183.

Ao assumir tal posição o partido colou-se, cada vez mais, aos interesses políticos dos republicanos. Ora, isto vai permitir que o congresso sindicalista revolucionário (1909) se afirme como o único representante legítimo das mobilizações grevistas. Por outro lado, apesar das cedências dos socialistas, visandocriar um consenso com os republicanos, não havia interesse, da parte destes últimos, em oferecer o espaço político que pudesse institucionalizar o PSP. É que, segundo António José de Almeida, os trabalhadores não precisavam de representantes no Parlamento, os republicanos tratariam de zelar pelos seus interesses184. Além disso, a lei eleitoral do regime republicano retirava o direito de voto aos analfabetos, o que colocava de parte o possível eleitorado do PSP (os operários) e debilitou as suas aspirações eleitorais185.

Com o terreno parlamentar barrado às reformas progressivas, salientou-se um vazio político na representação de uma população operária em crescente expansão, que já chegava aos 100.686 operários em 1911186. Sem outra alternativa viável, capaz de responder a curto-prazo às necessidades operárias e aos movimentos grevistas espontâneos, o único caminho transponível para a melhoria das condições de vida ficou entregue ao sindicalismo revolucionário,que iria tirar partido do contexto.

183 VALENTE, Vasco Pulido – O Poder e o Povo, p. 151. 184 Idem, p. 151.

185 Idem, p. 153.

186 MARQUES, A. H. de Oliveira - Portugal da monarquia para a república. Lisboa: Editorial Presença,

No sentido oposto ao dos socialistas, no II Congresso Sindical (1911) foi reiterada a rejeição de qualquer intervenção do Estado, especialmente na vida associativa, por afastar os trabalhadores da ação direta187. Quanto à lei que regulamenta a greve, obrigando ao pré-aviso, os sindicalistas revolucionários ignoram-na e optam por “não prevenir a entidade patronal, procurando que a greve constitua o mais possível uma surpresa” e rejeitam qualquer forma de arbitragem nas negociações188. Entretanto, também neste congresso, foi eleita uma nova Comissão Executiva que pretendia alargar o sindicalismo além do operário fabril, em direção a todos os proletários, incluindo os trabalhadores rurais e os empregados do comércio.

Sobre o congresso, o carismático propagandista José Carlos Rates escreveu um artigo em que afirmava que a “propaganda sindicalista [era] pouco conhecida e mal compreendida em Portugal, até por alguns que se dizem sindicalistas” 189. E aponta como um erro crasso o facto de ainda não estarem disponíveis “delegados que percorram a província, orientando e organizando a família proletária” 190. Para o Congresso, Rates pretendia a “fundação imediata da Confederação do Trabalho [CGT], d’um jornal operário diário”191. No final, no Congresso concluiu-se que a fundação da CGT teria que ser adiada, porém, a proposta de propaganda na província seria logo posta em prática, sob a liderança de Carlos Rates, então delegado da CECS.