• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3. – Da Federação Maximalista Portuguesa até ao Partido Comunista

3.1. Perante o sidonismo

Com a entrada do Corpo Expedicionário Português (CEP) no palco europeu, as notícias da grande guerra cobriram praticamente todas as primeiras páginas dos jornais, deixando para segundo plano outros assuntos, com exceção da questão da carestia de vida - a crise de subsistências provocada pela economia de guerra. Para a população nacional, especialmente os camponeses, que nunca se tinham aventurado além dos limites da sua aldeia, o espírito belicista e a defesa da Europa contra os bárbaros “boches” não eram um

332 STUDER, Brigitte – “Communism as Existential Choice”. In PONS, Silvio; SMITH, Stephen A. (Org.)

imperativo ético, mas uma imposição política. Os apelos humanistas e a defesa dos valores da república francesa não teriam eco entre a população rural e camponesa que incorporou o CEP.

Neste cenário, a relação do operariado perante os acontecimentos vai evoluindo desde 1914, até à data da participação portuguesa. Quando no princípio só os anarquistas, as juventudes sindicalistas e a Confederação Socialista do Norte (representado pelo jornal

A Voz do Operário do Porto)333 é que resistiam ao patriotismo e aos apelos humanistas, aos poucos, tanto os sindicalistas como os socialistas do Sul334 também iriam aderir princípios semelhantes aos do Congresso de Ferrol335 e de Zimmerwald. No Congresso de 1917 do PSP, os socialistas aderiram à posição dos revolucionários russos336, tal como os sindicalistas, que defendiam o fim as hostilidades por intermédio do jornal A Greve.

Já durante o II Congresso Sindical, em 1917, a UON voltou a reorganizar-se e a consertar relações em torno da questão da paz e da carestia de vida o que permitiu, em certa medida, superar a anterior inatividade provocada pela divisão sindical337. Neste Congresso, apesar dos esforços anteriores, os anarquistas não foram capazes de dominar as teses em discussão. Os militantes do PSP descreveram um congresso constituído por uma maioria socialista, em que o princípio da ação direta foi aprovado apenas para agradar aos anarquistas e evitar uma cisão338. Um dos conferencistas socialistas escutou, inclusive, um sindicalista a salientar que “os socialistas não se apoderaram da conferência, porque não quiseram”339. Um dos delegados ao congresso foi Carlos Rates, que participou em representação dos pedreiros do Funchal340. As teses aprovadas em Congresso adotaram posições semelhantes à de Rates, em prol da colaboração de classes

333 De acordo com António Telo, o A Voz do Povo representava, inicialmente, uma fação minoritária no

seio do PSP que irá ganhar força graças ao manifesto de Zimmerwald: TELO, António José – O sidonismo

e o movimento operário português, p. 92-93.

334 CORREIA, Fausto Rafael dos Santos Teles – Os socialistas portuenses e a Grande Guerra. Porto:

Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2016, p. 115-116. Dissertação de Mestrado.

335 Referimo-nos ao Congresso Internacional pela Paz de Ferrol, fundada por iniciativa do Ateneu

Sindicalista de Ferrol (Espanha) que contou com a presença de vários elementos da UON: SOUSA, Manuel Joaquim – O Sindicalismo em Portugal, p. 104-107.

336 TELO, António José – O sidonismo e o movimento operário português, p. 94. 337 SOUSA, Manuel Joaquim – O Sindicalismo em Portugal, p. 108-109.

338 ALVES, J. Fernando - “A Conferência Operária Nacional”. O Combate, nº 134, 27/05/1917, p. 2. 339 Idem, p. 2.

pelo desenvolvimento económico e em defesa do progresso industrial341. Esta nova concertação sindical permitiu que a UON fosse capaz de responder à inércia que marcou o anterior congresso342.

Este novo edifício sindical surgiu num momento de transição durante o III governo de Afonso Costa, abalado pela insuficiência de subsistências, o que terá provocado vários tumultos, nomeadamente nas zonas urbanas, onde armazéns e padarias foram saqueadas343. Questões como a falta de subsistências e o ódio à repressão do partido democrático criaram um contexto propício para produzir novas alianças entre setores republicanos e o operariado.

A já fragilizada “União Sagrada” não seria capaz de conter o golpe da Junta Revolucionária, liderada por Sidónio Pais, a que a “Central dos Sindicatos Portugueses foi estranha, embora muitos trabalhadores organizados, houvessem, individualmente, cooperado nesse movimento”344. Como seria expectável, a ligação entre esses setores resultaria da proximidade de Machado Santos a elementos ilustres do operariado345. Todavia, a UON alertava que, caso Machado Santos, depois de eleito, não defendesse as liberdades populares, confirmaria a máxima de que “todos os políticos são iguais”346.

Machado Santos seria uma das principais figuras da revolta contra o governo “afonsista” sendo nomeado para o importante cargo de Ministro do Interior. Após a formação do governo, seria considerado “inegavelmente uma criatura animada”, capaz para levar avante o fomento nacional347. Por esta altura, Rates seria mais jornalista do que sindicalista, publicando uma série de artigos para O Século (edição da noite). Também manifestava um apoio notório ao projeto político de Machado Santos, chegando a participar num jantar em homenagem a este, depois de Machado Santos ser despromovido

341 TELO, António José – O sidonismo e o movimento operário português, p. 107.

342 PEREIRA, Joana Dias – Sindicalismo Revolucionário: A história de uma idéa, p. 106-110. 343 TELO, António José – O sidonismo e o movimento operário português, p. 114.

344 “A organização operária perante a revolução”. O Movimento Operário, nº 6, dezembro de 1917, p. 81-

82.

345 “O sr. Machado Santos e a classe operária”. O Movimento Operário, nº 6, dezembro de 1917, p. 87. 346 Idem, p. 87.

347 J.C. – “O problema das subsistências”. O Século edição da noite, nº 1242, 01/04/1918, p. 1: Supomos

que J. C. se tratasse de José Carlos Rates, o mesmo acrónimo já usado no O Sindicalista na rúbrica “O Sindicalista em Setúbal”.

para o cargo de Ministro das Subsistências e Transportes348.

Este novo governo sidonista, após o afastamento de Machado Santos, ganhou autonomia perante os heróis da rotunda, a velha guarda republicana. Marcou, por isso, uma nova fase na vida política portuguesa, a “República Nova”. Através de tomadas de posição como estas, como o afastamento de Machado Santos e a crescente repressão operária, tornou-se claro que a base social do sidonismo começava paulatinamente a alicerçar-se nas fações mais conservadoras, como os integralistas349.

Foi também durante o governo sidonista que se multiplicaram os ecos sobre os acontecimentos na Rússia. Por esta altura, já após a revolução de outubro, foram divulgadas cada vez mais notícias e artigos que iriam delinear aquilo que definimos como a histeria anti-bolchevista350 (capítulo 3.5). Esta histeria, em torno do bolchevismo, seria fulcral enquanto elemento agregador do conservadorismo português.

No governo do “libertador dos católicos”351, tanto o conservadorismo católico como o conservadorismo nacionalista entenderam as mobilizações operárias como sendo o produto de sovietes secretos liderados por maximalistas352. Assim, encontramos na Câmara dos Deputados Almeida Correia, do Centro Católico Português, que partilhou durante uma sessão na Câmara dos Deputado uma conversa escutada por um antigo Ministro, entre operários da CP, que supostamente conspiravam ao declararem que “a hora do ajuste de contas soará”353. Conservadores com diferentes facetas ideológicas, perante o auspício da revolta proletária, convergiram na formação das Juntas Militares com o apoio do governo sidonista, pela ordem e contra o perigo da revolução proletária. Uma das principais causas da revolta “que se está formando na mentalidade do operariado português”, segundo Almeida Correia na mesma sessão, citando o economista “Sr. Dr. Oliveira Salazar”, tinha a sua origem no “problema de subsistências” e no “deficit da

348 “Machado Santos”. A Situação, nº 52, 01/06/1918, p.2.

349 TELO, António José – “O sidonismo e o movimento operário português”, p. 149-52.

350 Noção utilizada por António Telo para descrever a propaganda sidonista nos seus últimos dias de vida.

Esta estratégia de propaganda tinha como intuito de unir todos os conservadores em torno do seu projeto político: Idem, p. 192.

351 Idem, p. 182-183.

352CORREIA, Almeida - Diário da Câmara dos Deputados [Em linha]. III Legislatura, Sessão Legislativa

1, Sessão nº 6, 31/07/1918, p. 8-9. Disponível em: http://debates.parlamento.pt/

produção nacional”354.