• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3. – Da Federação Maximalista Portuguesa até ao Partido Comunista

3.7. PCP: a génese da “Frente Única”

3.7.1. PSP e as internacionais

Para além dos maximalistas, não podemos desprezar as dinâmicas de competição nos círculos políticos anteriores ao partido. Nesse momento, ainda em outubro de 1920, também despontavam outros vetores de difusão da ideia, entusiastas da revolução russa, igualmente capazes de dinamizar e levar adiante a nova a frente única – a fundação do Partido Comunista Português. Um desses vetores foi impulsionado, involuntariamente, pelo PSP que, diante dos conflitos internos entre o Norte e o Sul, se preparava para reunir o seu II Congresso Extraordinário. Um Congresso que deveria ser nacional passou a regional, uma vez que o Porto repudiava a “ministro-mania” de Lisboa, visto que “a intervenção socialista nos governos de Portugal é o que se pode classificar de mais

609 LOPES, Fernando Farelo – “Partidos Políticos”, p. 20-21.

610 AÏT-AOUDIA, Myriam; DÉZÉ, Alexandre – “Contribution à une approche sociologique de la genèse

partisane. Une analyse du front national, du movimento sociale italiano et du front islamique de salut”, p. 640.

extravagante e ridículo”611.

Durante o II Congresso Extraordinário do PSP, em Lisboa, além da questão ministerial, isto é, se o PSP devia ou não ter um ministro num “governo burguês”, também a discussão sobre a posição do partido perante as Internacionais esteve ao rubro. O Congresso abriu “no meio de grande agitação, ouvindo-se vivas à Internacional operária e à Rússia, entoando um grupo o Hino da Batalha”612.

A primeira discussão dos congressistas tratou de decidir se as Juventudes Socialistas podiam ser admitidas no Congresso. Quando se deu a votação sobre o assunto, o Congresso decidiu pela exclusão das juventudes que saíram da sala, “dando vivas ao comunismo e muitas outras coisas, o que provoca um alvoroço indescritível”613.

Apesar da expulsão das juventudes socialistas, o delegado socialista João de Castro discursou sobre a relação da CGT com o partido socialista, organizações com “afinidades pronunciadas” e apresentou uma moção aprovada por unanimidade, “exprimindo o desejo de uma «entente» entre as duas organizações”614, ou seja, uma frente única. Já um outro militante, Abel da Cruz, apresentou uma moção que “estabelece o envio a Moscovo e à sede da 2ª Internacional de dois delegados socialistas” para averiguar se o PSP poderia ter, ou não, um ministro no governo615. Um outro delegado, José Augusto Machado, apresentou uma moção, também aprovada, que “conclui por propor a adesão, em princípio, à Internacional de Moscovo e que, no próximo congresso partidário, se tornará em adesão definitiva”616.

Após a conclusão do Congresso as reações fizeram-se chegar. A Juventude Socialista (núcleo central) declarava que se “[considerava] desde já desligada do PSP”617. Nesse sentido, os seus militantes decidiram reunir-se para determinar qual o caminho a tomar perante os acontecimentos no Congresso, ao qual respondem, segundo uma entrevista realizada pelo A Pátria a um delegado da JS:

611 SILVA, M. J. da - “O norte socialista contra a peste da ministro-mania”. A República Social, nº 62, 24

a 31/10/1920, p. 2.

612 “Congresso Socialista”. A Pátria, nº 129, 04/10/1920, p. 1.

613 “O II Congresso Extraordinário do Partido Socialista”. A Batalha, nº 543, 04/10/1920, p. 1. 614 “O II Congresso Extraordinário do Partido Socialista”. A Batalha, nº 544, 05/10/1920, p. 1. 615 “O Congresso Socialista”. A Pátria, nº 131, 07/10/1920, p.4.

616 Idem, p.4.

– E qual lhe parece que seja o resultado da reunião?

– Talvez a dissidência e a formação de um novo partido. A dissidência é manifesta, é certa. Nós, as juventudes, pelo menos, não podemos continuar a trabalhar num partido que salta por cima da lei orgânica do Partido e que ainda para mais nos expulsa do Congresso. – Um novo partido, pois.

– Não sei. Que abandonamos o Partido Socialista, é certo. […]

– Que orientação tomaria o novo partido?

– Nós pensamos chamar-lhe Partido Comunista. Muitos sindicalistas, deste modo viriam dar-nos a sua adesão. Resta saber o que fará o Porto.618

A resposta por parte dos militantes da Confederação Socialista do Norte não tardaria a chegar. Apesar de rejeitarem, por sua vez, a exclusão dos jovens socialistas do Congresso, não eram favoráveis à adesão do partido à III Internacional e à expedição de um delegado a Moscovo619. Segundo o entendimento do deputado socialista do Porto, Manuel José da Silva, a adoção da ditadura do proletariado traria “desastres e desgraças irreparáveis” ao movimento socialista. Em vez disso, o partido deveria manter-se firme pela “ação evolutiva, parlamentar e reformista”620.

Numa entrevista dada ao O Século, Manuel da Silva foi questionado sobre a natureza das dissidências no Partido Socialista, se eram motivadas pela questão da presença do PSP no governo com a pasta do Ministério do Trabalho:

Exatamente. O Partido Socialista difere imenso dos outros partidos […]. É assim que pensou o norte socialista desde a primeira hora em que a «ministro-mania» entrou no cérebro de alguns indivíduos do Partido em Lisboa, em 1916. A dissidência realmente filia- se nisto.621

Ainda de acordo com O Século, o partido estaria, supostamente, dividido em três fações. Em primeiro lugar, encontrava-se uma fação “reformista intervencionista”, chefiada por Ramada Curto622 e Dias da Silva, ou seja, os militantes do Conselho Central

618 “O Congresso”. A Pátria, nº 136, 12/10/1920, p. 1.

619 Confederação do Norte - “Publica Declaração”. República Social, nº 62, 10 a 17/10/1920, p. 1.

620 SILVA, Manuel José da – “O Congresso Socialista da Região Norte”. República Social, nº 64, 24 a

31/10/1920, p. 1.

621 “Partido Socialista: Ainda o seu congresso extraordinário”. O Século, nº 13940, 18/10/1920, p. 1. 622 Parlamentar e Ministro que iniciou a sua atividade política no PRP, transitando depois, em 1919, para o

socialismo, chegando a liderar o PSP em 1920: FARINHA, Luís – Ramada Curto – Republicano,

de Lisboa favoráveis à participação do PSP nos governos e que rejeitavam a adesão à III Internacional623. Em segundo lugar, a fação “reformista anti-intervencionista” de António Pereira e Manuel José da Silva, da Confederação Regional Socialista do Norte, contra a “ministro-mania” e a aproximação a Moscovo. Por fim, a fação “socialista comunista” liderada por João de Castro que contava com a “adesão das juventudes socialistas e sindicalistas do norte e do sul” que defendiam:

[…] a ação direta como meio de reivindicação sindical e económica, a intromissão dos socialistas na política sem as responsabilidades de governo e, consequentemente, aceita a luta eleitoral com os outros partidos, contra os quais pretende organizar as massas operárias624.

No que se refere à fação do PSP que se aproximava da III Internacional, Martins Santareno do jornal O Combate tornou-se num dos principais promotores da nova concertação entre revolucionários. Num artigo em que defendia o Congresso proposto pela FMP e a superação dos obstáculos que separavam os militantes revolucionários, destacava figuras como Manuel Ribeiro, que deveria comparecer no Congresso em representação dos bolchevistas, mas, também, Carlos Rates, pelo lado dos sindicalistas625. Para o Congresso chegou, ainda, a propor que se discutisse, como ponto de partida, a obra de Carlos Rates A Ditadura do Proletariado e o artigo de Manuel Ribeiro “Subsídios para uma constituição social”, publicado no Bandeira Vermelha626.