• Nenhum resultado encontrado

O impacto da infraestrutura olímpica na cidade

A dimensão e o impacto das transformações na cidade, independentemente do caráter irreversível e irreparável que possam adquirir, serão tanto mais significativas quanto mais evidentes forem o bramido da contestação, o grau de envolvimento social ou o regulamento dos intervenientes. Um primeiro efeito em sediar uma Olimpíada manifesta-se na forma de pressão sobre os planos existentes. Um evento desta magnitude

150

157 acaba por influenciar a aceleração da execução de projetos previamente elaborados. Os Jogos criam um ambiente adequado para o desenvolvimento de projetos de regeneração urbana, uma vez que as condições políticas, econômicas e sociais estão bastante favoráveis.

Atualmente os resultados dos Jogos Olímpicos vão além do esporte, e podem ter mais impacto do que o esperado. A interpretação de quais impactos são positivos e quais são negativos é complexa e confusa, e depende do ponto de vista daqueles que são diretamente influenciados pela intervenção. Por exemplo, um impacto positivo, que pode ser considerado um legado, é a construção de instalações esportivas para treinamento dos atletas no período pós-evento. Porém, para as pessoas que foram desalojadas para dar lugar às novas instalações o impacto é negativo, mesmo que a intenção não tenha sido deixar estas pessoas desabrigadas.

Como a decisão de se candidata à sede dos Jogos é normalmente feita pela liderança política urbana e/ou outra elite urbana e, embora o COI peça provas de apoio das comunidades locais nos dossiê de candidatura, a principal tomada de decisão relativa aos acontecimentos pode ser considerada antidemocrática e acrítica. Dependendo das circunstâncias, as pesquisas econômicas, sociais e ambientais relativas ao evento podem ser incompletas e tendenciosas e o processo pode ter continuidade sem uma discussão pública suficiente. Qualquer oposição às propostas Olímpicas podem ser deliberadamente silenciada e o sentimento de orgulho demonstrada por alguns pode ser interpretado como consenso.151 Na realidade, os reais benefícios diretos experimentados pelos cidadãos de uma cidade-sede podem ser relativamente insignificantes e, em alguns casos, o que se pensava ser benefício se desenvolve como prejuízo de alguma forma.

Há uma série de exemplos bem documentados sobre os impactos negativos da realização dos Jogos Olímpicos. As áreas comuns de preocupação com infraestrutura olímpica geralmente se relacionam com os custos e os impactos sobre as comunidades locais. As despesas com a

151

Boyle apud Charkley e Essex, Urban transformation from hosting the Olympic Games, 1999, p. 10

158 infraestrutura podem chegar a ser extravagantes, a fim de garantir que o evento seja um sucesso, pois os organizadores querem ter certeza de que o evento será do mais alto padrão, o que desencadeia o desenvolvimento do consumo da cidade e produz uma imagem positiva.

Estes prioridades às vezes se dão às custas dos interesses das comunidades locais, como a realocação de investimentos do governo local que seriam destinados à programas sociais e educacionais para o financiamento de infraestrutura olímpica. Um notável exemplo foram os Jogos do México de 1968, cujos custos foram contestados por alguns cidadãos que questionaram se o dinheiro não poderia ter sido melhor gasto em reduzir a pobreza da cidade e os problemas sociais. Protestos violentos, em que as forçaspolicial e do exército foram usadas para reprimir a oposição, terminaramcom aproximadamente 250 estudantes mortos.

O aumento de impostos locais para pagar infraestrutura olímpica é outra questão central. A maior dívida olímpica divulgada é a dos Jogos de Verão de 1976 em Montreal: 1,5 milhões dólares. Uma combinação de fatores, que incluiu uma recessão econômica, problemas nas construções, disputas trabalhistas e custos associados, conspirou para acentuar o ônus financeiro da realização dos Jogos e do nível de endividamento de longo prazo. A promoção do desenvolvimento olímpico pode ocasionar perturbação das comunidades existentes, causando problemas significativos. Renovação da cidade induzida pela Olimpíada pode acarretar reassentamento de moradores para construção de novas estruturas ou sua substituição por meio de inserção de moradores de classe média como forma de melhorar a imagem da cidade. Com isso, moradores reassentados podem sofrer com deslocamento para os locais de trabalho e ter prejuízo em suas redes sociais, levando os moradores a ter sentimentos de privação e exclusão em uma área cujos serviços e instalações agora atendem a um grupo social diferente. Contudo, estes efeitos parecem ser altamente variáveis.

159 As questões ambientais são outra área de preocupação. Se bem planejados, podem haver grandes benefícios para a cidade através de medidas como o reaproveitamento de recursos renováveis, transportes menos poluentes melhoram a qualidade do ar e a limpeza de bacias pode torná-las centro de lazer. Mas muitas vezes as questões ambientais não são consideradas e, além de não haver benfícios, a produção de novas estruturas para os Jogos pode resultar em impactos negativos no meio ambiente, como maior poluição das águas devido à liberação de dejetos.

As cidades não podem mais ser vistas como contêineres para os Jogos Olímpicos. Enquanto o COI tem os seus objetivos, as cidades têm seus próprios desejos e necessidades a desenvolver com as Olimpíadas. O simples custo de sediar os Jogos Olímpicos envolve tão grandes somas de dinheiro e mobiliza uma vasta gama de recursos humanos e urbanos que as cidades não podem mais ver os Jogos Olímpicos puramente como um evento esportivo de curto prazo. Por essa razão, as Olimpíadas devem ser mais firmemente enraizadas em processos urbanos normais de tomada de decisão e, particularmente, intimamente ligada aos urbanistas locais, pois os impactos decorrentes de suas decisões podem tomar proporções não imaginadas.

De certa forma, é apropriado para o COI dizer que muitos dos resultados alcançados são assuntos de interesse local. Como uma cidade decide financiar o seu papel de hospedagem e que decisões a cidade faz no processo, e os resultados que têm de fato podem estar além do alcance do COI. Por outro lado, cada cidade sabe que está abraçando as oportunidades e os riscos inerentes à realização dos Jogos e que o cumprimento das obrigações olímpicas, que são objetivos de curto prazo, deve ser contrabalançado com as necessidades mais longo prazo dos cidadãos locais.

Assim, entendemos que não é apenas o COI que está à procura de cidades para satisfazer as suas próprias necessidades, mas as cidades que estão utilizando os Jogos Olímpicos para apoiar as suas próprias agendas urbanas. A única diferença é que, enquanto o COI sabe o que quer de cidades-sede, enquanto as cidades-sede muitas vezes estão confusas quanto ao que querem e o que vão receber.

160