• Nenhum resultado encontrado

AS OLIMPÍADAS COMO OPORTUNIDADE URBANA

A expectativa veiculada pelo marketing urbano apresenta os Jogos Olímpicos como uma ferramenta de renovação urbana e um catalisador de transformação urbana substancial. Se não existe cidade já estruturada para realizar os Jogos Olímpicos há que se admitir que todas as candidatas à cidade-sede deverão passar por obras, em maior ou menor proporção, para poder se adequar às necessidades para sua realização.

O desenvolvimento sustentável significa precisamente a inteligência do diálogo entre aqueles que transmitiram um legado, aqueles que momentaneamente o detêm e aqueles que, no futuro, o vão receber. O que temos observado é a realização dos Jogos Olímpicos como uma estratégia para a regeneração ou reinvenção das cidades, pela construção de um‘imaginário urbano’.144

France e Roche afirmam que os principais instrumentos e veículos de políticas de transformação das cidades cuja imagem se encontra degradada são a criação de atrações turísticas ou eventos esportivos que permitam a formação de uma massa crítica.

Esta estratégia se resume à necessidade de performances de longo prazo, como a construção ou reforma de obras de infraestrutura, e no obrigatório envolvimento da população tanto no que se refere à compreensão dessas obras, que geram transtorno e desconforto, mas que sendo sua finalidade devidamente esclarecida pode gerar um forte sentimento de cidadania e de pertencimento à cidade restaurada.

144

A ideia central do imaginário é a fabricação de uma imagem visível, e a abstração de um símbolo de atores urbanos que estão em um determinado espaço. Néstor Canclini (2005:47) diz que "muitos pressupostos que guiam a ação e as omissões resultam da forma como os cidadãos percebem aplicações urbanas espaço, questões de consumo, de trânsito e de comunicação, e também como eles imaginam as explicações para as perguntas". Para a construção da imaginação, é contemplado tudo o que é estruturado a partir das práticas reais e sociais. O imaginário requer uma imagem mental, pois é a sua matéria-prima. Essa matéria- prima, que é um produto imaginário, torna-se social quando é comunicada. Vale ressaltar que o imaginário não tem nada a ver com a memória, mas a partir de seu estudo ou análise pode estabelecer representações sociais, cuja função é dar um sentido à realidade, definir e orientar os comportamentos ou práticas urbanas.

145 Apesar do principal interesse do COI com os Jogos Olímpicos seja promover os objetivos do esporte competitivo, para fornecer um legado de instalações para estimular o desenvolvimento atlético e elevar o perfil do esporte, muitas vezes não coincidem com as motivações da cidade anfitriã para sediar os Jogos. Estes são utilizados para justificar o estímulo para o desenvolvimento econômico e regeneração urbana.

Com o crescente aumento do número de atletas e esportes envolvidos nos JO, cresce também o interesse comercial com patrocínios. A Olimpíada tem a capacidade de capturar o apoio do público em geral e dos políticos da mesma forma, o que pode canalizar energia e investimento para o projeto e acelerar o planejamento para atender os Jogos Olímpicos dentro do prazo. Esta amplitude de investimentos também colabora para a criação de uma imagem global para a cidade-sede, o que pode encorajar o investimento estrangeiro e do turismo à longo prazo. Desta forma, a demanda da cidade também cresce, influenciando cada vez mais transformações urbanas.

Tais investimentos demonstram que a cidade, mais que nunca, é expressão da sua mercantilização, que caminha para um modelo de cidade geradora de lucro. Mas os resultados prometidos pelos organizadores dos JO não estão sob seu total controle, estando sujeitos a externalidades trazidas pelas diversas partes interessadas e envolvidas na execução das obras e atividades implicadas no desenvolvimento dos Jogos.

Além disso, os orçamentos inicialmente divulgados invariavelmente subestimam o custo total de montagem de grandes eventos. Entre o momento de candidatura e a época da realização do evento, os custos de construção e o valor dos terrenos podem aumentar significativamente. Orçamentos previstos nunca são suficientes para cobrir os custos reais.

146

Custos dos Jogos Olímpicos de Verão (bilhões US$). Fonte: The Economist Group

Disponível em: www.legacy2012research.com

Certamente, os planejadores veem os Jogos como uma oportunidade para financiar e acelerar planos de longo prazo, que caso contrário permaneceriam arquivados para posterior implementação. Desta forma, os Jogos Olímpicos podem acelerar a mudança, em vez de iniciá-la. Esses pontos ilustram o clássico problema de não poder provar o que teria ou não acontecido se não o evento não tivesse ocorrido. Fatores econômicos, bem como as motivações políticas, influenciam diretamente o nível de intervenção urbana que a cidade irá receber.

As intervenções nas cidades candidatas vão do transporte público, passando pela estrutura de moradia, para abrigar delegações e turistas, até uma sofisticada rede de telecomunicações para proporcionar a circulação das imagens e notícias das competições. Isso representa para a cidade, além de uma infraestrutura mínima, a necessidade de um projeto detalhado de edificação das instalações ainda inexistentes, bem como da captação de recursos para esse fim e o aproveitamento dos equipamentos para uso posterior. O certo, é que existe uma escala crescente no nível dessas intervenções, transformando estas cidades em verdadeiros canteiros de obra e aumentando o nível de qualidade, desafiando o próximo anfitrião dos Jogos a serem ainda melhores. Chalkley e Essex verificaram o crescimento na escala dos impactos na infraestrutura das cidades, como mostra o quadro abaixo.

147

Caracterização temporal dos Jogos Olímpicos (1896-2002) e sua escala de crescimento Fonte: Chalkley and Essex, 1999

Como visto, as primeiras Olimpíadas, que tinham como objetivo a celebração e propagação do esporte e dependiam das oportunidades políticas e financeiras disponíveis na época (até mesmo porque eram organizadas como parte de outros eventos, as Exposições Mundiais), eram mal estruturadas, com módicas instalações esportivas nas cidades, renovando apenas o mínimo essencial para a realização do evento. Numa segunda fase, pré-guerra, apesar de ainda terem uma pequena escala, por já ser reconhecidas como um evento em si e tendo o apoio das esferas públicas, a organização foi aprimorada e um pouco mais de atenção foi dispensada aos equipamentos esportivos, mas sem grande impacto na infraestrutura da cidade. A partir dos Jogos de Berlim 1936, os Jogos começaram a ganhar maior dimensão e notoriedade, elevando a o nível de organização e estruturação. Nesta fase, instalações esportivas especializadas para os diferentes foram construídas (dependendo da cidade eram construídas em diversas partes da cidade ou agrupados em um mesmo local) e outras estruturas, como a Vila Olímpica, cresceram em dimensão e status. Nesta fase, raras exceções, como Londres 1948, utilizaram estruturas existentes e precárias, pois a severidade pós-guerra não permitia excessos.

Por fim, numa fase que teve início nos anos 1960, intensificou-se nos anos 1980 e se estende até os dias atuais, a escala tem crescido de modo exponencial. O impacto dos JO estimulou mudanças de

148 grande porte no espaço urbano. A variedade de infraestrutura necessária para realizar os Jogos é superada a cada edição. A cidade se tornou foco das Olimpíadas tanto quanto o esporte, ou seja, sua transformação deixou de ser efeito residual e passou a ser objetivo simultâneo.

Neste sentido, podemos notar nos últimos anos que existe uma preocupação do COI a respeito da magnitude dos JO, que vêm chegando a níveis estratosféricos nas últimas décadas. A Comissão de Estudos dos Jogos Olímpicos do COI reconheceu recentemente a necessidade de rever a escala do evento:

The addition of new sports, disciplines and events is a principal driver for the increase in size of the Olympic Games. Decisions in this regard have had significant knock-on effects for all Games functional areas. The Commission fully supports the IOC Executive Board in its resolve to contain the number of athletes, sports and events in future editions of the Olympic Games. The Games have reached a critical size which may put their future success at risk if the size continues to increase. Steps must be undertaken and serious consideration given to effectively manage future growth, while at the same time preserving the attractiveness of the Games. If unchecked, the current growth of the Games could discourage many cities from bidding to host the Games.145

Esta foi a conclusão da Comissão de Estudos dos Jogos Olímpicos em Relatório da 115ª sessão do COI em Praga, 2003. Sua principal recomendação foi desenvolver um 'modelo' de Jogos que especifique os requisitos para realizar o evento, para assegurar que os custos com o evento

145“A adição de novos esportes, disciplinas e eventos é um fator principal para o aumento no

tamanho dos Jogos Olímpicos. As decisões a este respeito tiveram efeitos significativos de arrastamento para todas as áreas funcionais dos Jogos. A Comissão apoia plenamente o Conselho Executivo do COI em sua determinação para conter o número de atletas, esportes e eventos em futuras edições dos Jogos Olímpicos. Os jogos chegaram a um tamanho crítico que pode colocar o seu sucesso futuro em risco se o tamanho continuar a aumentar. Passos devem ser realizados e sérias considerações dadas para gerir eficazmente o crescimento futuro, mas, ao mesmo tempo, preservando a atratividade dos Jogos. Se não for controlado, o crescimento atual dos Jogos poderia desencorajar muitas cidades à concorrência para sediar os Jogos”. Tradução nossa [COI, Olympic Games Study Commission: Report to the 115th IOC

149

fiquem dentro de limites razoáveis. Neste relatório foi incentivado o uso do mínimo de instalações (evitar duplicações) e, caso seja possível, que espaços e instalações sejam compartilhados. Instalações permanentes somente devem ser construídas se um legado positivo pós-Jogos puder ser demonstrado e a utilização das instalações temporárias deve ser encorajada. Deve-se otimizar o tamanho das instalações, evitando o superdimensionamento; promover a transferência de conhecimentos entre as cidades-sede e otimizar envolvimento do governo e da cidade durante todo o processo de planejamento. Como cada caso é um caso, tais recomendações devem se adequar às necessidades de cada cidade anfitriã. Além disso, a abordagem cultural e a percepção local de cada país-sede são diferentes e devem ser levados em consideração.

O COI, e as Comissões de Avaliação em particular, têm a responsabilidade para aplicar essas diretrizes em sua seleção e monitoramento das cidades-sede no futuro. Possíveis reduções nas expectativas, o número de esportes e nível de investimentos para Jogos futuros podem aumentar as chances de nações menos desenvolvidas serem capazes de arcar com a realização do evento. O COI teria de ser convencido de que as instalações para os atletas seriam boas o suficiente para permitir que eles atinjam seu melhor desempenho e que as medidas de segurança não seriam comprometidas. No entanto, é importante que a Comissão destacar que o COI, ao passo que tenta tornar a Jogos menores e mais gerenciáveis, também quer garantir que os Jogos Olímpicos deixem um legado positivo para a cidade-sede e seus cidadãos.146

146

150