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4 ASPECTOS CONCERNENTES A CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DE

4.1 O INTERESSE PROCESSUAL SUPERVENIENTE – A REAFIRMAÇÃO DA DER

Todo o indivíduo que inicia sua história laboral, ao se filiar no RGPS busca a proteção contra os infortúnios da vida, bem como gera a expectativa de ao longo dos anos ter sua aposentadoria concedida.

Waldrich (2012, p. 317) explica que, ao requerer a concessão de um benefício previdenciário, o segurado deverá inicialmente protocolar o seu pedido perante o órgão previdenciário, nos termos do art. 670 da IN nº. 77/2015. Isso porque a ausência de requerimento administrativo, em regra, obsta o pedido direto de reconhecimento de seu direito na via judicial, pela chamada falta de interesse de agir. Ademais, é por meio do requerimento administrativo que será fixada a DER.

Nas palavras de Triches e Kidricki (2018, p. 19), a DER “consiste na data em que o pedido de concessão de um benefício foi manifestado, seja mediante protocolo junto ao INSS, seja pelo agendamento de atendimento por alguns dos canais de atendimento da autarquia [...]”.

Porém, Lazzari et al. (2017, p. 167) ressalta que “de nada adianta o segurado peticionar requerendo a concessão de um benefício antes de implementar as condições para o direito, visando assegurar a aplicação das regras vigentes [...]”.

Como visto na seção 3.1 do presente trabalho, ao protocolar o requerimento, o segurado inaugura a fase inicial do processo, com a definição da DER. Na fase instrutória, incumbe ao INSS analisar o pedido do autor, bem como verificar se houve o cumprimento dos requisitos para a concessão do benefício pretendido.

Explica Savaris (2018, p. 355) que:

Quando o pretendente a uma prestação previdenciária, ao tempo da entrada do requerimento administrativo, não cumpre os requisitos legais para a concessão do benefício e, contudo, logra atendê-los no curso desse mesmo processo administrativo, a Administração reconhece o fato superveniente para fins de imediata concessão do benefício em questão, fixando a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais. Para tanto, considera como realizado um novo requerimento administrativo, naquilo que se compreende como “reafirmação da DER”

No tocante a reafirmação da DER, Lazzari et al. (2017, p. 279) ressalta que “é possível quando o segurado permanece recolhendo contribuições previdenciárias após a entrada do requerimento administrativo ou do ajuizamento da ação judicial e pretende computar esse novo período contributivo para a concessão da aposentadoria”.

Amado (2017, p. 1073) adverte que, se na fase decisória do processo administrativo verificar-se que na DER o segurado não implementou os requisitos necessários para concessão do benefício requerido, porém os implementou durante a tramitação do requerimento, não será necessário novo pedido, admitindo-se a alteração da data de entrada do requerimento para o momento que satisfez os requisitos, a chamada reafirmação da DER.

Para Triches e Kidricki, (2018 p. 33), a reafirmação da DER por parte da autarquia previdenciária observa “o princípio que determina à administração agir de ofício na busca do direito ao melhor benefício ao segurado. Isto porque, pela natureza específica dos processos administrativos, em que as partes não litigam, cabe sempre à autarquia a busca da verdade real e o agir de ofício”.

Para Beltrão (2020, p.1), postular a reafirmação da DER, tanto nos processos administrativos quanto nos processos judiciais é fundamental no direito previdenciário, uma vez que evita que o requerimento ou processo seja perdido quando o segurado não preenche

os requisitos na data de solicitou seu benefício. Além disso, permite analisar se o segurado faz jus a outra espécie de aposentadoria, mais vantajosa.

Isso porque, conforme detalhado na seção 2.7 do presente trabalho, as aposentadorias programáveis do RGPS serão concedidas mediante preenchimento dos requisitos de cada benefício. Além disso, o valor do benefício será calculado de acordo com a aposentadoria concedida, levando-se em consideração uma série de fatores como: o tempo de contribuição, os valores recolhidos e a incidência do fator previdenciário.

De modo a demonstrar a importância da aplicação da reafirmação da DER, Beltrão (2020, p.1) cita um caso prático fictício a título de ilustração:

A Valéria, agendou em 04/05/2016 (DER) um atendimento de Aposentadoria por Tempo de Contribuição. Quando o servidor do INSS analisou o tempo de contribuição da Valéria, ele constatou que na DER ela já possuía 39 anos de tempo de contribuição, cumprindo o requisito para se aposentar, mas que 3 meses depois ela completou todos os requisitos para a Aposentadoria por Tempo de Contribuição por Pontos (a 85/95), que garante uma RMI 30% maior para a Valéria. Nessa situação, o INSS é obrigado a informar a Valéria das duas possibilidades (se aposentar na DER original ou reafirmar a DER para 3 meses depois com uma RMI 30% maior) para que ele escolha qual benefício ele prefere.

Na via judicial, há também exemplos de concessão de benefício mais vantajoso utilizando-se fatos supervenientes a DER:

No caso em exame, considerado o presente provimento judicial, o demandante alcança, na DER (11-11-2010), 24 anos, 06 meses e 01 dia de tempo de serviço

especial, insuficientes à concessão do benefício de aposentadoria especial.

Não seria possível, dessa forma, a outorga do benefício almejado.

Não obstante, cumpre a análise acerca da possibilidade de concessão da inativação levando-se em conta a data em que o segurado implementou as condições necessárias para a obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição. [...] Assim, necessitaria comprovar mais 05 meses e 29 dias de labor especial para obter a aposentadoria especial.

Considerando que, conforme o extrato do CNIS do autor esse continuou laborando ininterruptamente após a DER até pelo menos setembro de 2015, para a mesma empresa, Empresa Jornalística Pampa Ltda., e considerando ainda que o PPP juntado aos autos (evento50), comprova que continuou exercendo as mesmas atividades até pelo menos 19-02-2013, data da confecção do documento, certo é que o demandante completou 25 anos de labor especial em 10-05-2011.

Consoante acima explicitado, deve o marco inicial do benefício ser fixado na data do ajuizamento da presente demanda (30-05-2011), porquanto os requisitos restaram implementados após o final do processo administrativo, mas antes da propositura da ação.

A carência necessária à obtenção do benefício de aposentadoria no ano de 2011 (art. 142 da Lei n.º 8.213/91) restou cumprida, tendo em vista que a parte autora possuía mais de 180 contribuições na DER.

Por conseguinte, cumprindo com os requisitos tempo de serviço e carência, a parte autora tem direito:

- à implementação do benefício de aposentadoria especial desde a data do ajuizamento da presente demanda;

- ao pagamento das parcelas vencidas desde então. (BRASIL, TRF-4, 2016, grifo do autor)

Em linhas gerais, no âmbito do processo administrativo a reafirmação da DER está prevista no art. 690 da IN nº 77/2015 e dispõe que é dever do servidor verificar, durante a análise do requerimento, o momento em que o segurado implementou os requisitos para concessão do benefício, informando a possibilidade de reafirmação da DER e exigindo a concordância por escrito (INSS, IN nº 77, 2020).

Na prática, quando o requerimento é realizado pelo portal Meu INSS ou pelos portais das entidades conveniadas, o INSS questiona se o segurado autoriza a alteração da data da entrada do requerimento, caso na data do protocolo não possua direito ao benefício, devendo o requerente responder sim ou não para prosseguir com o pedido.

A possibilidade de reafirmação da DER nos processos administrativos, segundo Castro e Lazzari (2020, p. 753), “tem cabimento até o despacho/decisão sobre o mérito do pedido administrativo, podendo ser concedida também em sede de recurso para o CRPS. O prazo final administrativo seria, portanto, a data da decisão final do benefício”.

Contudo, ressalta Beltrão (2020, p. 1, grifo do autor) que “por mais que o INSS seja obrigado, ele normalmente não analisa a reafirmação da DER para benefícios mais vantajosos”.

Quanto ao processo judicial, nas palavras de Savaris (2018, p. 356), o fato superveniente que altera a relação jurídica deve ser discutido à luz do que dispõe o art. 493 do Código de Processo Civil, ou seja, acerca da possibilidade de ser reconhecido um fato superveniente ao processo administrativo para concessão de um benefício previdenciário no curso da ação judicial.

4.2 A REAFIRMAÇÃO DA DER NOS PROCESSOS PREVIDENCIÁRIOS

Frequentemente, as decisões exaradas nos processos administrativos deixam de reconhecer o direito a concessão do benefício pleiteado ante a ausência de satisfação dos requisitos previsto na legislação.

No julgamento de ações concessórias, verifica-se que a parte autora, quando do ajuizamento da ação, não havia implementado os requisitos necessários para a concessão do benefício previdenciário. Entretanto, em face de ter continuado a verter contribuições, o implemento das condições necessárias para a jubilação, em uma das modalidades contempladas pela Lei de Benefícios, ocorreu no curso do processo judicial. Se o implemento houvesse ocorrido durante a tramitação do processo administrativo, mesmo que após a da entrada do requerimento de benefício, o INSS concederia a prestação. No processo administrativo, esta situação é conhecida como reafirmação da DER.

Triches e Kidricki (2018, p. 37) citam que embora na via administrativa a possibilidade de reafirmação da DER esteja prevista em instrução normativa, sendo consagrada sua aplicação, na via judicial, encontra controvérsias, não sendo a aplicação pacífica e regulamentada.

Na seara judicial, o debate segue acerca da aplicação do artigo 493 do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.

Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.

Em comentário ao artigo mencionado, Neves (2016, p. 319) explica que a nova redação amplia a aplicação da regra prevista no art. 462 do CPC de 1973, “o novo dispositivo prevê que cabe ao órgão jurisdicional levar em conta qualquer fato superveniente constitutivo, modificativo ou extintivo do direito capaz de influir no julgamento do mérito”.

No tocante ao fato superveniente, Alves (2014, p. 12) esclarece que deve ser aquele que tenha capacidade de constituir, modificar ou extinguir um direito, não podendo ser considerado aquele que apenas tenha ocorrido no curso da ação.

Assim, Theodoro Júnior (2018, p. 1090) cita que:

A proibição de mudar o pedido e aquela que impede o juiz de julgar ultra ou extra petita não excluem a possibilidade de o juiz levar em conta fato superveniente à propositura da ação. A tanto autoriza o art. 493, desde que o fato novo tenha influência no julgamento da lide, se refira, obviamente, ao mesmo fato jurídico que já constitui o objeto da demanda e possa ser tido, em frente a ele, como fato constitutivo, modificativo ou extintivo. Não se pode, contudo, em hipótese alguma, admitir fato novo que importe mudança de causa petendi.

Neves (2016, p. 319) explica que os fatos supervenientes podem ser considerados também nos tribunais, excluindo-se a alegação aos recursos especial e extraordinário, tendo em vista que o efeito devolutivo se restringe a discussão das questões de direito.

Assim, tendo em vista que o direito processual previdenciário se vale do processo civil para regular seus procedimentos, a aplicação do art. 493, do CPC, começou a ser discutida, tanto no âmbito doutrinário, quanto no âmbito jurisprudencial.

Para Savaris (2018, p. 356), não há logica, sob o ponto de vista da proteção previdenciária, desconsiderar os fatos supervenientes ao processo administrativo, se eles influenciam no reconhecimento do direito ao benefício.

Já Amado (2017, p. 1074) entende que o emprego do art. 493 do CPC viola o requisito do interesse de agir, como condição da ação, haja vista a necessidade de prévio requerimento administrativo para propositura da ação. Para o autor, se os pressupostos para a concessão do benefício foram satisfeitos após o indeferimento administrativo, não houve um direito violado, devendo o segurado apresentar novo requerimento após implementar os requisitos.

Para Castro e Lazzari (2020, p. 368), “a reafirmação da DER também é admitida na via judicial com base no princípio processual previdenciário da primazia do acertamento da relação jurídica de proteção social”.

Segundo Savaris (2018, p. 123) para o princípio da primazia do acertamento,

O que realmente importa é a definição da relação jurídica de proteção social. Para tanto, deve-se perquirir sobre a eventual existência de direto e determinar sua realização nos precisos termos a que a pessoa faz jus. Essa perspectiva não admite o sacrifício do direito de proteção social, daí porque considerar inaceitável sua mutilação mediante supressão de parcelas que o constituem.

Delaporte (2015, p. 60) cita que “não basta que os direitos sejam previstos na Constituição: é necessário prestar a jurisdição com justiça, vinculada à Constituição e à realização do direito fundamental de proteção social em toda a sua extensão”.

Savaris (2018, p. 123) acrescenta ainda que a função jurisdicional deve ir além da realização do controle de legalidade dos atos administrativos, devendo assegurar os direitos fundamentais e a proteção social.

[...] particularmente nas ações concernentes aos direitos prestacionais de conteúdo patrimonial, deve ser concedido da exata expressão a que a pessoa faz jus e com efeitos financeiros retroativos ao preciso momento em que se deu o nascimento do direito – observado o direito ao benefício mais vantajoso, que pode estar vinculado ao momento posterior. (Savaris, 2018, p. 125)

Pelo princípio da primazia do acertamento Delaporte (2015, p. 61) conclui que nas relações previdenciárias, o juiz deve adequar os fatos do caso concreto ao disposto na lei, no

que toca a concessão de benefícios, “logo, o juiz pode conciliar os requisitos do segurado a um benefício diverso do pleiteado de acordo com os dados que dispõe, adotando as soluções processuais adequadas à relação jurídica”.

Sendo assim, quanto ao fato superveniente, Savaris (2018, p. 125) explica que o seu reconhecimento transcende a aplicação do art. 493 do CPC, porquanto o princípio da primazia do acertamento “determina que a prestação jurisdicional componha a lide de proteção social como ela se apresenta no momento da sua entrega”.

Observa-se que, como mencionado, a aplicabilidade da reafirmação da DER nos processos judiciais não é pacifica, existindo diversas controvérsias acerca de quais tempos de contribuição podem ser considerados para a concessão do benefício previdenciário (ROCHA, 2019, p. 354).

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