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4 RÁDIO: LINGUAGEM E IDEOLOGIA

4.3 O JOGO DA SIGNIFICAÇÃO

É num contexto de manipulação, persuasão e mediação social da comunicação de massa que o jornalismo de rádio, atribui sentido aos elementos lingüísticos pela atuação da fala.

Dotada de intenções e propósitos, a prática de comunicação social justifica sua atuação nos limites entre o informar, orientar e o entreter na relação entre significantes e significados que transformam enunciados em enunciações, em conteúdos e efeitos para a interação verbal.

Na realidade, fatos e acontecimentos permitem múltiplas interpretações e representações. É necessário selecionar e ordenar, antes mesmo de divulgá-los em discurso.

Antes de registrar, informar, antes de ser colocado pelas condições que o caracterizam, por exemplo, periodicidade, universalidade, atualidade, difusão, categorias que nos são dadas por Otto Groth, o jornalismo é ele próprio um fato de língua. [...] seu papel/função primordial será necessariamente aquele que a língua/instituição social implica: o de organizar discursivamente, o que, aliás, é a prática jornalística por excelência (GOMES, 2000, p. 19).

A língua que, segundo Saussure (1974), fundamenta a dicotomia entre o individual e o social na linguagem, se constitui enquanto um sistema de códigos de classificação arbitrária e convencional, e reserva à fala um caráter executivo que exterioriza suas combinações.

Para o autor o processo de significação se explica no próprio sistema lingüístico, sem influência externa, a partir das relações sintagmáticas e paradigmáticas dos signos compostos de conceito (significado) e imagem acústica (significante) (SAUSSURE, 1974).

No estruturalismo30 saussureano, a língua precede a fala e suas significações já se encontram no próprio jogo de palavras que no jornalismo engendram a referencialidade. Estas mesmas palavras, como signo de valor semiótico, segundo Bakthin (2004), são eminentemente ideológicas, em que a conversação e suas formas de discursos se efetivam. A visão que questionava o sincronismo da língua em Saussure (1974) começava a abrir caminhos para as Ciências Enunciativas, como a Semântica e a Pragmática, nas quais a significação reconhece valor à norma ao entrar em contato com determinado contexto. Assim o meio e a situação social passam a definir a estrutura da enunciação, como “[...] produto de interação de dois indivíduos socialmente organizados [...]” (BAKTHIN, 2004, p. 112).

Ainda assim o problema da significação continua sendo um dos paradigmas da lingüística. Por intermédio da enunciação, segundo as Ciências Enunciativas, é que a língua evolui e ocupa lugar na comunicação.

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Modelo que reconheceu a lingüística o título de ciência e o seu lugar nas teorias da linguagem. Estuda a língua pela própria língua num conjunto convencional de relações. A constituição interna dos sinais da língua teve em Ferdinand Saussure, com o Curso de Lingüística Geral no início século XX o seu principal ícone.

Ducrot (1977, p. 23) traz a língua como instrumento e a fala motivada na comunicação por agentes alheios aos códigos e sistemas. O autor atribui aos implícitos e pressupostos as manobras estilísticas31 dos interlocutores no ato de enunciação: “não se trata apenas de fazer crer, trata-se de dizer sem ter dito.”.

O sentido e as significações do enunciado passaram a ser atribuídos conforme as circunstâncias e o contexto em que são empregados. Aos poucos, elementos lingüísticos e retóricos delinearam uma organização interna para a descrição semântica. Para Ducrot (1977) os componentes lingüísticos atestam a descrição para o enunciado (pressupostos) e os retóricos (subentendidos) que preveem o sentido.

Na descrição semântica pode-se finalmente estudar a fala e a língua como constituintes de um mesmo processo de significação. Seja nas inferências pelo léxico ou nas manobras estilísticas, Ducrot (1977) afirma que muito do que se diz na enunciação não se revela da forma explícita, o que se entende por implícito ou subentendido.

A hierarquização e o ordenamento de elementos lingüísticos e retóricos são definidos na enunciação da linguagem pelo fundamento da subjetividade. Nele, “[...] cada locutor apropria-se da língua toda, designando-se como eu” (BENVENISTE, 2005, p. 288). É responsável pelo caráter performativo por intermédio dos pronomes auto-referenciais em primeira e segunda pessoa.

A função referencial é utilizada pelo locutor para designar objetos no discurso (nomes próprios; pronomes substantivos e demonstrativos; grupos nominais precedidos de demonstrativos; artigo definido e possessivo; verbos de opinião e argumentação) que completam os critérios de identificação dos enunciados performativos e, por consequente, o ato de pressuposição32 (DUCROT, 1977).

O discurso do jornalismo no rádio parece estabelecer um consenso na relação dialógica entre língua e fala. Sua atuação atesta marcas lingüísticas como qualquer discurso ideológico que permite nos enunciados e na enunciação verificar as diferentes intenções do falante. A significação é colocada em vista, além da descrição semântica, pela pragmática, por intermédio de contextos e inferências.

[...] o sentido de um enunciado (sentido 2) se constitui, também, pelas relações interpessoais que se estabelecem no momento da enunciação, pela estrutura desse jogo de representações em que entram o locutor e o alocutário, quando na e pela enunciação atualizam suas intenções persuasivas” (KOCH, 1984, p. 24 e 25).

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Estratégia argumentativa do “dizer sem ter dito” (DUCROT, 1977, p. 23). 32

No rádio, a argumentação passa a ser uma estratégia eficaz para o ato de fala intencional e direcionado para o convencimento ou persuasão, balizados pelos operadores argumentativos33. Koch (1984) apresenta uma subdivisão de categorias desses operadores:

a) De conclusão: mesmo, até, até mesmo, inclusive, pois, portanto; b) Paráfrase: e, também, nem tanto, como, mas também;

c) A favor: ainda;

d) Decisivo: aliás, além do mais; e) De oposição: mas, porém, contudo; f) Comparativa: mas que, tão, como; g) Concessiva: embora e apesar; h) Interjeições: oh, né, ah, ai;

Além das técnicas de persuasão já postuladas por Brown (1981): apelo à autoridade; uso de estereótipo; afirmação; seleção e substituição dos nomes. Esses elementos ou técnicas se identificam como marcadores conversacionais34 da interação verbal. Marcadores que, além de apontar as intenções, estabelecem funções da linguagem para cada tipo de enunciado, que segundo Valente (1997), dividem-se em seis:

a) Conativa: centrada no destinatário, está disposta em forma de apelo. Muitas vezes com a utilização do tempo verbal imperativo;

b) Referencial: com a função de informar, centrada no contexto que utiliza verbos conjugados em terceira pessoa;

c) Fática: testa frequentemente o canal entre emissor e receptor, com a utilização de interjeições;

d) Metalinguística: centrada no código e procura explicar a língua pela própria língua;

e) Emotiva: com o foco no remetente, exterioriza as emoções. Verbos geralmente conjugados em primeira pessoa do singular;

f) Poética: seleção vocabular e o direcionamento na mensagem.

No jornalismo, o frequente mito da objetividade faz as narrativas aparecerem em terceira pessoa, caracterizando a atividade com a função referencial.

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“[...] certos elementos da gramática de uma língua que têm por função indicar (‘mostrar’) a força argumentativa dos enunciados, a direção (sentido) para o qual apontam (KOCH, 1992, p. 30).

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São elementos discursivos do ato de fala que funcionam como sinais do falante e “sinais do ouvinte” para a continuidade da informação ou do diálogo.

Estes recursos argumentativos é que explicitam os aspectos ideológicos nos relatos jornalísticos, os fatos, os acontecimentos, os significantes tendem a ter finalidade ideológica. Identificar esses aspectos semântico-pragmáticos no texto do rádio consistirá em reconhecer as manobras do discurso entre os interlocutores e consequentemente aos significados atribuídos.