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O livro multissensorial e multiformato

Livro multissensorial: uma ferramenta de auxílio à inclusão de crianças deficientes visuais

3. Método e objeto de estudo

3.1 O livro multissensorial e multiformato

As escolas devem ser ambientes inclusivos que propõem um sistema educacional que reconheça e atenda às diferenças individuais, respeitando as necessidades dos seus alunos. Essa ótica pro- porciona um amplo auxílio à comunidade, visto que todos os alunos, por inúmeras causas, po- dem apresentar dificuldades de aprendizagem ou no desenvolvimento, independente de possuir deficiências ou não. É na diversidade que reside a riqueza das trocas que a escola propicia. Uma turma heterogênea serve como oportunidade para educandos, alunos e pais conviverem com as diferenças. Todos devem participar da vida acadêmica, sendo estas responsáveis pelo desenvol- vimento de um trabalho pedagógico que sirva a todos, indiscriminadamente (Carvalho, 2006, pp.19-27). Da mesma forma, a educação se estende aos lares, onde os pais participam ativamen- te do desenvolvimento e educação das crianças (Paro, 2018).

Neste contexto educacional inclusivo a tecnologia assistiva torna-se uma ótima ferramenta de apoio para a inclusão de deficientes no âmbito social, visto que segundo Heidrich (2016), a tec- nologia assistiva é qualquer item, peça de equipamento ou sistema de produtos, tanto comercial

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quanto artesanal, utilizado com a finalidade de aumentar, manter ou melhorar habilidades de pessoas com limitações funcionais, sejam elas físicas ou sensoriais.

Desta forma, o desenvolvimento do livro multissensorial e multiformato, que tem por objetivo ser utilizado como tecnologia assistiva para o auxílio de deficientes visuais em âmbito domiciliar e escolar, iniciou com a tentativa de adaptação de histórias infantis de conhecimento popular. Foi selecionado o conto Os Três Porquinhos em função do seu enredo não sugerir alguns este- reótipos comuns, como por exemplo o de príncipes encantados e princesas.

A primeira prototipação ocorre com a aplicação de feltro sobreposto, palitos de picolé, palha, casca de árvore, trama de palha, palito de churrasquinho, botão de roupa e tecido sintético em uma base de cartolina tamanho padrão A3 de 140g na posição horizontal para a constituição de um cenário 2D. A validação ocorreu através de testes com quatro adolescentes com baixa visão na Associação dos Deficientes Visuais de Novo Hamburgo - ADEVIS-NH, Rio Grande do Sul – Brasil, onde foi relatada a história do livro e solicitado que os jovens manuseassem a página, propondo uma relação com o objeto a fim de uma possível identificação dos elementos ali pre- sentes. A partir dos questionamentos referentes as formas representadas e os seus respectivos materiais, foram constatados problemas em relação a estruturação da história e dos materiais utilizados. Os usuários declararam dificuldade em identificar os materiais e a quantidade de itens na página trouxe complexidade na leitura dos elementos ali presentes, não sendo possível com- preender a história contada. A dificuldade em identificar os materiais também se deve a falta de estímulo precoce dos usuários relatada pela instituição.

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Figura 1. Teste da primeira prototipação. Fonte: Elaborada pelo autor.

Descrição da Imagem: A fotografia apresenta a página do primeiro protótipo de livro multissen- sorial desenvolvido no projeto sendo aplicado em teste com uma criança na ADEVIS-NH. Nela encontram-se três casinhas uma ao lado da outra, sobrepostas a um cenário de feltro em cama- das, simulando a grama. A cartolina azul utilizada reproduz a ambientação de um dia ensolarado. A coordenadora do projeto está efetuando a demonstração do livro para uma das crianças, en- quanto as demais acompanham com suas respectivas mães.

Após o teste optou-se por realizar adaptações no projeto, focando em uma alfabetização senso- rial de crianças deficientes visuais em processo de desenvolvimento cognitivo, possibilitando assim uma ação mais efetiva dos livros para a construção de significados e entendimento da realidade. A história conta sobre o primeiro ano de vida da menina Rebeca, mencionando suas primeiras descobertas, estímulos e vivências com sua mãe. Rebeca é afrodescendente e deficien- te visual. A decisão de inserir personagens de ascendência negra na história ocorre pois, atual- mente, 55,7% da população brasileira declara-se parda ou negra segundo dados do IBGE (2018). Além disto, segundo Cavalleiro (2001) o ambiente escolar pode ser gerador de grandes desi- gualdades por reproduzir como padrão tradicional da sociedade, apenas a cultura branca e eu- ropeia, sendo estas encontradas em materiais escolares impressos, não refletindo a existência da

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criança negra na sociedade brasileira. Estas negações, geram desconhecimento e estereótipos que contribuem para a discriminação, construíndo identidades que muitas vezes não condizem com a realidade social de diversas escolas públicas do país. A partir desse conhecimento, pro- põe-se a representatividade com as personagens protagonistas da história como forma de pre- parar todos os alunos para a cidadania por meio de uma educação inclusiva.

A segunda prototipação ocorre com a utilização de duas páginas de tamanho padrão A3 conjun- tas na posição horizontal, sendo uma delas responsável pela parte textual da história e outra pela aplicação de ilustrações e elementos interativos. As páginas referentes ao texto foram de- senvolvidas para possibilitar que pessoas com baixa visão obtivessem melhor leitura, pois segun- do Aicher (2004), a atenção às limitações humanas com relação ao corpo da letra é fundamental para a legibilidade do texto.

Visando a abrangência do projeto no qual este trabalho está inserido, aplicou-se ainda na página textual elementos de Comunicação Aumentativa e Alternativa – CAA, desenvolvendo em conjun- to com a pesquisa de deficientes visuais, a inclusão de crianças com deficiência intelectual. A CAA é uma área da Tecnologia Assistiva que atua junto a pessoas incapacitadas à comunicação, em circunstâncias onde há ausência de fala ou escrita funcional, podendo até mesmo haver situ- ações em que as habilidades de fala ou escrita estão apenas em descompasso com as necessi- dades de comunicação do indivíduo. Assim, ela proporciona o desenvolvimento da fala e de leitura através de símbolos gráficos que possibilitem a compreensão das palavras e seu sentido no texto (Sartoretto e Bersch, 2010). Desta forma, optou-se pela utilização do conjunto gráfico desenvolvido pelo Departamento de Educação, Cultura e Desporto do Governo Aragonês, Portal Aragonês de Comunicação Aumentativa e Alternativa – ARASAAC, pela sua proximidade aos demais sistemas de símbolos gráficos disponíveis e seu desimpedimento para uso livre (ARASAAC, 2018).

As páginas referentes às ilustrações e elementos interativos foram desenvolvidas para possibilitar que crianças com deficiência visual possam criar uma relação sensorial com a história, além de auxiliá-las no desenvolvimento destes estímulos com a orientação para atividades lúdicas e a

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utilização de brinquedos. Segundo Siaulys (2006), as crianças aprendem a brincar observando-se mutuamente e imitando, porém, a criança que não enxerga as demais tende a permanecer isola- da, podendo ficar marginalizada e prejudicando o seu desenvolvimento. Brincar é essencial para a vida das crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais ou sociais. É a partir da brincadeira que a criança desenvolve os sentidos, entra em contato com o ambiente, adquire habilidades para usar as mãos e o corpo, reconhece objetos e suas características, textu- ra, forma, tamanho, cor e som. Desta forma, optou-se também pela aplicação de texturas com feltro, miçangas, bichinhos de pelúcia feitos manualmente com luvas, botões e guizos.

A validação ocorreu através de testes com duas crianças com baixa visão e uma cega, acompa- nhadas de suas respectivas mães na Associação dos Deficientes Visuais de Novo Hamburgo – ADEVIS-NH, Rio Grande do Sul – Brasil, onde foi solicitado que as mães introduzissem a história da menina Rebeca para suas filhas, propondo uma relação entre elas e o livro. Pôde-se identifi- car uma boa interação com as páginas por parte das crianças, destacando a requisição constante dos elementos sonoros. Segundo a instituição, a repetição de sons acalma e auxilia na concen- tração de deficientes visuais. As ilustrações desenvolvidas para atender as necessidades de crian- ças com baixa visão foram compreendidas de maneira satisfatória, assim como a aplicação de elementos táteis que auxiliaram no reconhecimento da forma representada. Segundo Dondis (2007) e Struck (2003), a visão cor é o sentido humano com porcentagem significativamente superior a qualquer outro sentido, sendo este elemento mais rapidamente captado pelo ser hu- mano quando comparado à forma. Além disso, para os autores Itten (1976), Dondis (2007) e Goethe (1993), o contraste tonal é muito efetivo no que diz respeito a percepções, pois os ór- gãos sensitivos do ser humano só funcionam por comparações. Os efeitos cromáticos são inten- sificados ou enfraquecidos pelo contraste tonal, assim uma mesma cor pode apresentar variações de tonalidade ao contrastar com outras cores, mudando a percepção visual obtida. Desta forma, pode-se afirmar que o contraste tonal é decisivo para melhor visualização das informações con- tidas para a utilização de pessoas com baixa visão, já que estas possuem, dentre os problemas da deficiência, o escurecimento da visão. A preocupação com a aplicação de cores contrastantes nas ilustrações auxiliou para a obtenção satisfatória da percepção por parte dos usuários. Cabe

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destacar também que uma das mães salientou sua identificação com as personagens, comparti- lhando da dificuldade de encontrar materiais que apresentem representatividade racial. Em um dos momentos da validação observou-se a dificuldade no manuseio das páginas por parte das mães, visto que o formato de livro tradicional aplicado em duas folhas de tamanho padrão A3 totalizavam 84cm de largura em sua abertura. Além disso, a flexibilidade das páginas também dificultou sua utilização, tornando essa versão do livro inviável para obtenção de um desempe- nho satisfatório por parte dos usuários.

Figura 2. Segunda prototipação. Fonte: Elaborada pelo autor.

Descrição da Imagem: A fotografia apresenta as quatro páginas do segundo protótipo de livro multissensorial desenvolvido no projeto. No primeiro conjunto de páginas encontram-se as apli- cações de texto para baixa visão e a aplicação de símbolos gráficos – ARASAAC, além da ilustra- ção da mãe segurando Rebeca no colo, sendo estas representadas com algumas aplicações de textura na roupa e cabelo. Já no segundo conjunto de páginas, temos a aplicação textual amare- la em fundo escuro, além do bichinho de pelúcia feito a partir de luvas e botões.