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O método de Jung (1995) foi denominado por ele de método sintético ou construtivo, no qual ocorre o que chamou de interpretação no nível do sujeito. Esse método propõe que tudo que está nos sonhos é parte do sonhador. Assim, os complexos inconscientes são personificados e fazem parte de uma estrutura dramática. Portanto, ao trabalhar o conteúdo dos sonhos, iremos entrar em contato com aspectos do sonhador dos quais ele parece inconsciente. Ou seja, o sonho é visto como um diálogo entre o ego onírico, que representa o sonhador, e suas partes inconscientes.

Segundo Von Franz (1992a), a grande maioria dos sonhos é de caráter subjetivo, ou seja, diz respeito a complexos presentes no sonhador. Por isso, a autora recomenda sempre esse tipo de interpretação em que, por meio dela, é possível que o sujeito se transforme, pois o sonho está falando de aspectos seus que podem ser mudados.

Quando o sonho corresponde à realidade como tal, Jung (1991) denomina interpretação no nível do objeto. Segundo Jung, usamos esse tipo de interpretação em alguns casos, quando nos encontramos muito ligados à pessoa do sonho. Nesse caso, o sonho pode, de fato, estar se referindo à pessoa em si e não a uma parte do sonhador por ela representada. Mattoon (1980)destaca o fato de que, em sua experiência, normalmente, podemos ver um mesmo sonho sob o ponto de vista do sujeito e do objeto. Ou seja, ambas as análises podem caber num mesmo sonho, sem que uma exclua a outra.

Jung vê nos sonhos, além do ponto de vista causal, presente na psicanálise, aquele que denominou finalista. A esse respeito, Jung comenta:

Em qualquer circunstância, é possível perguntar-se “por que” e “para que”, pois toda estrutura orgânica é constituída de um complexo sistema de funções com finalidade bem definida e cada uma delas pode decompor-se numa série de fatos individuais, orientados para uma finalidade precisa. (JUNG, 1991a, p. 181)

Para Jung (1991a), apenas quando conseguirmos olhar o sonho sob ambos os pontos de vista poderemos ter uma visão mais abrangente dos conteúdos oníricos. Jung (2001), em uma carta escrita a Jolande Jacobi, aponta a possibilidade de regressão em sonhos, em que é possível voltar no tempo além do que vivemos, para outro século, por exemplo. Nesses casos, segundo Jung, a progressão será proporcional, ou seja, o sonho em questão pode estar falando de um grande salto que está sendo dado no desenvolvimento da vida consciente. Nessa situação, é importante que o analista verifique o contexto da vida de seu paciente, pois só assim poderá decidir se a regressão da energia psíquica refere-se a algo patológico ou criativo, ou ainda a ambos os aspectos.

Também é importante que possamos conhecer a vida consciente do sonhador, pois o material inconsciente presente nos sonhos, normalmente, é compensatório. Por isso, a necessidade de outra pessoa para interpretar nossos sonhos. Von Franz (1992a) compara essa limitação à mesma que temos para olhar nossas costas, pois nunca teremos uma visão integral dela. A autora relata que Jung costumava contar seus sonhos a pessoas desconhecidas, que, apesar de não acertarem sua análise, faziam-no perceber do que se tratava.

Jung (1991) tinha uma atitude sábia em relação ao trabalho com sonhos. Sabendo que o sonho é único e não se repete, sempre que ia analisar um sonho, adotava a postura de que não tinha a menor ideia do que ele significava e apenas o escutava. Isso facilitava sua compreensão sobre o sonho sem ideias pré-concebidas a respeito do mesmo, pois essas antecipações teóricas de nada adiantariam na análise de seu conteúdo.

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Para Von Franz (1992a, p. 83), o sonho nunca se repete e tem um recado específico para o sonhador. A esse respeito comenta: “O sonho é sempre único, e sempre vem no momento certo. É uma mensagem dos poderes do instinto, os poderes do inconsciente coletivo, uma mensagem que chega num momento preciso durante certa noite, dirigida especificamente para o sonhador”.

Em seguida à escuta do sonho, Hall (1997) afirma que há três níveis de associações propostos por Jung. As primeiras e as mais importantes são as associações do sujeito em relação ao símbolo onírico. Essas associações devem ser as primeiras a serem exploradas; elas darão uma ideia do que o sonho está querendo dizer. Em seguida, temos as associações culturais e transpessoais, que podem ser fornecidas pelo paciente ou sugeridas pelo analista e se referem a temas sociais conhecidos. Por fim, as associações arquetípicas, que, normalmente, partem do conhecimento do analista e se referem a temas míticos, arquetípicos, presentes nos mitos, nos contos e nas religiões.

Jung (1938-1939) faz questão de distinguir seu método de explorar as associações do sujeito em relação aos símbolos do sonho do método de associação livre usado pela psicanálise. Segundo Jung (1938-1939), a associação livre desvia-se do sentido real do sonho, levando a associações que, de alguma forma, chegarão a algum complexo, mas não necessariamente ao conteúdo expresso pelo sonho. Jung faz com que o paciente faça associações em torno do símbolo do sonho. Nesse sentido, se o sonhador sonha com uma cadeira, ele poderia, pela associação livre, falar várias coisas sobre uma cadeira e chegar a algum lugar, mas é necessário que ele fale sobre a cadeira do sonho, não sobre qualquer uma, ou não estará decifrando o sentido real daquilo que o consciente quis expressar através do símbolo onírico escolhido. Jung chama esse método de amplificação e diz que, realizadas as associações do paciente, ele, então, irá montar novamente o sonho, colocando cada coisa que foi falada no lugar do símbolo. Assim, Jung exemplifica, em um de seus seminários “Children’s Dreams”, como proceder esse método na análise de um sonho:

Vamos presumir que o primeiro elemento seja um leão, eu anoto as associações com isso, e insiro-as no lugar da figura do sonho. Se o leão, por exemplo, aponta para um desejo de poder no sonhador ou em outra pessoa, eu coloco “poder” no suporte ao invés de “leão”. Dessa forma eu sigo com os outros elementos, então no final eu vejo o que tudo significa. Através de perguntas, podemos ter a amplificação pessoal. E assim entender o significado inteiro do fenômeno; devemos ter o contexto para saber o que significa a figura do sonho. (JUNG, 1938-1939, p. 15)

Jung (1938-1939) dava preferência a olhar para a série de sonhos em análise ao invés de tratar de apenas um sonho, para que pudesse acompanhar o processo interno do indivíduo. Nem sempre os temas apresentados nas séries de sonhos obedecem a uma ordem linear, mas, segundo Jung, não é raro que possam ir e vir depois de períodos de tempos temas que são retomados num movimento mais espiralado, mas sempre em torno de um centro e, cada vez que reaparecem, apresentam o tema de forma mais ampliada.

Segundo Von Franz (1989), ao estudarem várias séries de sonhos, Jung percebeu que eles continham o processo de individuação do sonhador (JUNG, 1964). Von Franz (1992a) percebe que os sonhos se diferenciam nas diferentes etapas de vida pelas quais passamos. Assim, na primeira metade da vida, eles estariam tratando mais da adaptação do indivíduo no mundo externo e, na segunda etapa da vida, tratando de aspectos mais existenciais do indivíduo. Jung (1938-1939) irá tratar do estudo de sonhos de infância vendo-os como antecipações de processos do indivíduo numa espécie de prospecção de seu processo de individuação. Von Franz (1989), ao observar sonhos de pacientes próximos à morte, em estado terminal, pôde detectar que os sonhos pareciam ignorar que a mesma representasse um fim, preparando o indivíduo para mais uma etapa em sua vida. Ainda nesse estudo, a autora revela que há sonhos em que ocorre um fenômeno que ela chamou de “objektstufiger”, no qual se sonha com alguém que já morreu, mas a sensação é de que a presença seja real. A autora exemplifica com um sonho que ela mesma teve com seu pai e conclui que devemos tomar cuidado para não reduzir a análise desses sonhos, cujo conteúdo impressiona, frequentemente, o sonhador, a complexos inconscientes, ou seja, partes somente do sonhador.

Portanto, parece que os sonhos, de alguma forma, também nos acompanham em importantes momentos de transição que, antes, eram suportados com o auxílio dos rituais. Com a ausência de rituais, os sonhos podem nos auxiliar em momentos nos quais precisamos da ajuda dos símbolos para elaborarmos nossas feridas e podermos seguir em frente para novas etapas da vida (VON FRANZ, 1992a).

Jung (1999) também tratou dos chamados sonhos iniciais. Ele denominou esses sonhos aos primeiros sonhos que o indivíduo tem quando inicia seu processo psicoterapêutico. São sonhos que revelam o que está se passando com o paciente e por que ele, de fato, procurou a análise. Segundo Jung (1999), eles apresentam, normalmente, conteúdos do passado do paciente, indicando que algo ficou retido e impede o desenvolvimento atual. Nesse caso, podemos trabalhar sob o ponto de vista causal e ajudar o paciente a se recuperar e prosseguir em sua individuação. Ou pode acontecer de os sonhos iniciais chamarem a atenção do

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paciente para questões de sua vida que o paciente não percebe como problemas, mas que podem ter relação com seus conflitos apresentados.

Também para Jung (1928), em momento algum os sonhos nos dão respostas exatas, com conceitos de certo ou errado, mas deixam que o ego do sonhador possa, ao despertar, tirar suas conclusões. Sendo, para Jung (1928), o meio técnico mais importante para o trabalho de analisar o inconsciente, apresentam uma tentativa de cura e elaboração de conteúdos que não fomos capazes de compreender e assimilar.

Essa tentativa de cura, expressa pelos sonhos, segundo Frey-Rohn, acontece pelo fato de que, ao vivermos uma situação de extrema emoção, podemos constelar um arquétipo e, a partir disso, pode ocorrer uma possibilidade de cura (JAFFÉ, FREY-ROHN, VON FRANZ, 1989). Jung comenta a respeito da capacidade curativa que vem do arquétipo:

Descobri que, via de regra, quando aparecem conteúdos arquetípicos nos sonhos, etc., deles emanam efeitos numinosos e curativos. São experiências psíquicas primitivas que reabrem muitas vezes para os pacientes o acesso a verdades religiosas soterradas. Eu mesmo passei por essa experiência. (JUNG, 2002, p. 231)

Um dos critérios para saber se um sonho teve uma análise que se aproximou do significado real do sonho, de sua essência, é perceber seu efeito. Jung (1995) disse que, se o sonho tiver sido analisado de forma inadequada, provavelmente, ele irá repetir o tema em outro sonho, apontando de forma simbólica o erro do que foi colocado. Também a reação do sonhador é importante, pois, quando um sonho é analisado adequadamente, ele promove cura e sensação de bem-estar, além de fazer sentido para o sonhador. Jung (1995) afirmou que, ao abrirmos uma comunicação entre consciente e inconsciente e conjugarmos ambos de forma que se estabeleça uma terceira opção, teremos a função transcendente. E a integração dos conteúdos do inconsciente pela consciência produzirá como resultado a cura do indivíduo doente.

Mattoon (1980) aponta que a análise mais exata do sonho, que pode produzir, de fato, um efeito no indivíduo, é aquela que é feita numa colaboração entre analista e paciente, na qual ambos constroem juntos a resposta do sonho, a partir das associações do paciente. Do contrário, o paciente pode não estar pronto para o que o analista percebe do seu sonho e pode colocar prematuramente. É preciso que ele siga o processo lado a lado com o analista, para que o resultado seja eficiente e produza efeitos positivos em sua vida.

Segundo Hillman (1993), o papel do analista é o de ajudar a despertar no paciente o arquétipo do curador, ou seja, para o autor, a cura está no próprio indivíduo, quando é capaz

de trazer emoções represadas à tona e não apenas compreender, mas integrar a partir da elaboração dos conteúdos de seus sonhos o que o autor chama de “a história de sua alma”. Portanto, cura, para Hillman, tem relação também com tomar consciência de algo que, antes, era inconsciente, resignificando esse conteúdo na vida do indivíduo. Hillman diz:

Esta cura é preparada atrás da cortina, nos bastidores. Alguns experimentaram essas forças impessoais como deuses, cuja atuação no processo de cura torna-o um drama refletido nos sonhos. Cada sonho tem uma estrutura dramática e as séries de sonhos desvendam os enredos, as paisagens cênicas interiores e as personagens da história da alma. (HILLMAN, 1993, p. 203)

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