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O mais destacado do ano nos países Obitel

Em um ano de múltiplas configurações nos ecossistemas mi- diáticos e de mudanças nas pautas de consumo e recepção das au- diências televisivas ibero-americanas, a ficção – como indústria e como formato – tem procurado a maneira de diversificar sua oferta narrativa e temática com a intenção de tentar chegar a todos os pú- blicos possíveis.

Uma das estratégias visível em todos os países Obitel é a busca de interatividade nos produtos de ficção, pois, tal como se mostra na recepção transmidiática deste capítulo comparativo, a maioria das produções está levando suas narrativas para outras telas, prin- cipalmente para as do computador e do telefone celular, ambas em simbiose com a internet.

É claro que essas mudanças transmidiáticas também costumam estar acompanhadas de uma reestruturação narrativa da ficção; por exemplo, o Brasil novamente assumiu a vanguarda ao dotar suas ficções de um sentido de autorreferencialidade, propiciando a ex-

pansão das relações entre a realidade e os mundos possíveis que existem na ficção.

Nos Estados Unidos adquiriu muita importância o volume de latinos, que em 2011 chegou a 50 milhões da população total do país. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que se restringe a imigração vinda do sul, aumenta a atenção dada àquilo que já se transformou no novo grande mercado de consumidores em geral e de telespectadores em particular e que assistem principalmente a produtos de ficção.

O humor e o drama como chamariz das narrativas

O que também está mudando é a maneira pela qual está sendo construída a oferta narrativa e a transmissão da ficção televisiva. Diante da fragmentação dos sinais, como resultado da digitalização dos sinais televisivos, países como Espanha, Portugal e Argentina viram nascer novos esquemas televisivos nos quais a produção e a transmissão da ficção são feitas pensando nas necessidades de con- sumo de audiências específicas; por exemplo, a produção de séries está visando principalmente a um público infantojuvenil, embora esse formato também esteja sendo usado para captar a atenção da audiência masculina.

Essas ações pontuais em todos os países Obitel tornam eviden- tes as diversas lutas por manter alto o índice de audiência e, por essa via, a rentabilidade da indústria, que, como é possível constatar em muitos dos países, está em uma espécie de pausa que se manifesta em uma diminuição dos títulos de ficção, apesar de não ter sido acompanhada por uma queda no número de horas que tradicional- mente tem ocupado a ficção nas grades de programação.

Para recuperar o terreno perdido, o ano de 2011 caracterizou-se por uma busca e inovação temática e narrativa constante na indústria ficcional ibero-americana. Isso teve como resultado a diversificação dos formatos ficcionais, tanto em séries quanto em novelas. Alguns dos mais recorrentes no âmbito Obitel foram: a comédia, o suspense e o retorno da ficção com conteúdo político, formatos que convive- ram com os já clássicos e lucrativos melodramas.

O gênero que conseguiu manter maior sintonia com o índice de audiência e com o público foi a comédia, gênero que, sem dúvida, não apenas se consolidou em alguns países – por exemplo, México, Argentina, Colômbia, Portugal e Brasil – como a narrativa ficcional de maior êxito, mas também cresceu em número de produções e ho- rários. Tradicionalmente esse gênero de ficção era transmitido entre sete e nove da noite, um horário em que a família se concentra ao redor da televisão; contudo, essa fórmula foi deslocada – pelo me- nos assim parece ocorrer nesses países – para outros horários ves- pertinos que nos últimos tempos tinham visto diminuir seu índice de audiência.

Essa fórmula funciona tão bem que países como Equador apos- taram tudo na produção de séries tipo comédia. O resultado foi que três produções desse tipo entraram no top ten, deixando para trás até mesmo as novelas locais, que este ano sequer aparecem nessa con- tagem. Essa virada para a comédia tem provocado uma espécie de “transformatização”, levando a indústria equatoriana a transformar o formato da novela em sitcom, como aconteceu com os títulos El combo amarillo e La panadería.

O drama e o suspense como motores narrativos também cres- ceram ao longo de 2011. A Espanha – um dos países que mais tem explorado e consolidado esse gênero – manteve-se na liderança e incorporou um estilo policial ao gênero, visando aproximar-se ao formato das séries norte-americanas, mas recuperando o senso de proximidade cultural, como ocorre com a produção Los misterios de Laura.

A mesma coisa ocorreu na Venezuela com o melodrama La viuda joven, produção que permitiu que a indústria venezuelana mantivesse certa hegemonia em um mercado interno dominado pe- las produções colombianas.

Portugal também compartilhou o interesse por esse gênero com o thriller Tempo final, que conseguiu despertar novamente o interes- se do público juvenil pela ficção, fenômeno que também conseguiu ao juntar na ficção o gênero de ação, com a série O último tesouro, e o musical, com Morangos com açúcar.

O Brasil tem a particularidade de hibridizar nas principais no- velas do horário nobre os mais diferentes gêneros, do drama até a comédia, do policial ao thriller. A comédia ocupa o horário da fic- ção juvenil das sete e também os espaços de suas séries de maior sucesso, Tapas e beijos e A grande família, esta última já em sua 11ª temporada.

Voltando à Espanha, o que também se destaca é a diversifica- ção que apresenta seu top ten, não apenas quanto às temáticas (que incluem produções históricas, comédias, dramas juvenis, ficção científica etc.), mas também quanto às estratégias de envolvimento com os telespectadores, dado que muitas de suas ficções conseguem estender sua narrativa por meio da internet.

A ficção ibero-americana começa a se destacar fora dos países Obitel através de concursos e prêmios internacionais. O caso mais paradigmático de prêmios conquistados por produções de ficção é o do Brasil, que em 2011 recebeu um Emmy por uma coprodução com Portugal e triunfou com a novela Passione no prestigiado prêmio Seoul International Drama Awards 2011, na categoria Drama Series. Entre o merchandising social e a ficção “a la carte”.

Uma das novas características vistas durante 2011 na ficção de alguns países, como México e Argentina, é o surgimento da “ficção a la carte”, produções feitas sob medida segundo as intenções polí- ticas e sociais dos governos. Essas ficções vão além do tradicional merchandising social que já vinha sendo um elemento distintivo, por exemplo, da ficção no Brasil.

Para diferenciar a ficção “a la carte” do merchandising social seria necessário explicitar que o intuito desse último modelo é in- cluir diversas temáticas e ações sociais ou educativas nas tramas fic- cionais com o objetivo de provocar, por meio delas, uma acalorada discussão entre os telespectadores nos meios de comunicação e nas redes sociais. Exatamente o contrário do que acontece com aquela ficção na qual o que se procura não é gerar debate, mas criar nas audiências uma ideia específica sobre a realidade.

Um exemplo claro do merchandising social pode ser observado na ficção do Brasil, que em 2011 provocou um forte debate públi- co em relação à homossexualidade e à homofobia depois que pro- duções como Malhação, Insensato coração, Ti-ti-ti, Fina estampa (Rede Globo), Vidas em jogo (Record), Amor e revolução (SBT), e Natália (TV Brasil) trataram de variados aspectos dessas temáticas.

O que é digno de destaque não é apenas a incorporação temáti- co-narrativa, mas o fato de que por meio desse processo foi possível uma intervenção a favor dos direitos dos homossexuais, que através dos personagens (gays ou não) expuseram uma visão ampla das rei- vindicações do movimento gay, mostrando-se a favor da aceitação da diversidade e do projeto de lei que está sendo debatido no Con- gresso Brasileiro a esse respeito4.

O Uruguai também procurou um envolvimento maior com seus telespectadores com a ficção Adicciones, que não apenas abordou diversos temas relacionados com o mundo das drogas, mas também ofereceu ações muito concretas para solucioná-los, todas – é claro – vinculadas aos programas governamentais contra diversas adições.

No marco das produções financiadas pelo governo, a Argenti- na incorporou em sua ficção esse viés social através de programas como Maltratadas, Televisión por la inclusión, Decisiones de vida e Tiempo para pensar, nos quais a violência de gênero e as ações pro- movidas pelo governo para combatê-las foram o eixo central; con- tudo, como é dito no capítulo sobre a Argentina neste anuário, são ficções cujas intenções são muito boas, mas que não tiveram impac- to social, uma vez que não criaram polêmica nem provocaram uma adesão empática dos cidadãos com os programas governamentais.

A mesma coisa não ocorreu com a produção El pacto, na qual, fora do considerado “politicamente correto”, foi relatada a origem espúria da empresa Papel Prensa, cujos principais acionistas são as

4 Esse projeto tipifi ca como delito a discriminação cometida contra a comunidade gay

ou contra qualquer comunidade heterossexual, pessoas com discapacidade ou contra os idosos. Esse projeto surgiu depois que vieram a público, em 2011, diversos ataques ho- mofóbicos.

mídias Clarín e La Nación, as quais fazem oposição ao governo. Essa ficção apareceu como resposta para El Puntero, série política que abordou a temática eleitoral e diversos conflitos do governo ar- gentino. Tudo isso no marco de um ano eleitoral e no meio do con- flito entre a presidenta Kirchner e o grupo El Clarín, um dos mais poderosos conglomerados midiáticos desse país.

Esse assunto da produção de “ficção a la carte” teve seu ponto mais alto no México, onde o governo federal investiu uma grande quantidade de dinheiro para que a Televisa maquiasse, produzisse e transmitisse a série El Equipo, produção em que foi exposta a visão ideológica e política do governo federal em relação à sua estratégia de segurança contra o crime organizado. Essa produção não apenas foi feita com recursos públicos, mas também foi gravada nas pró- prias instalações da Polícia Federal, conseguindo – conforme espe- cificado no capítulo sobre o México – não só posicionar-se como uma das ficções mais vistas, mas também como uma das estratégias mais efetivas utilizadas pelo governo para reverter a opinião pública quanto a uma estratégia que tem provocado mais efeitos negativos do que positivos entre os cidadãos.

Ao mesmo tempo, a indústria da ficção no México aproveitou o contexto social para levar ao ar duas produções, El octavo man- damiento e La reina del sur, a primeira delas (sem muito sucesso em termos de audiência, mas com muito eco social) fez uma crítica mordaz à política do governo contra o narcotráfico, expondo, na ficção, os nexos dele contra o narcotráfico. No mesmo teor, La rei- na del sur apresentou a problemática do crime organizado a partir da visão ficcional de uma mulher que conseguiu escalar a estrutura criminosa. Ambas as ficções serviram para contrabalançar a postura oficialista da série El Equipo, dado que foram ao ar ao mesmo tem- po. Assim como na Argentina, essa temática política e as críticas contra o governo ocorreram nas vésperas de um período eleitoral.

Essa temática ficcional que vincula governo e crime organi- zado também foi vista na Colômbia, país pioneiro na criação desse tipo de séries e telenovelas. Com La Bruja foram abordadas as sub-

culturas emergentes do narcotráfico e do paramilitarismo na região da Antioquia, no contexto de uma campanha presidencial fictícia.

Não obstante, o lugar em que essa temática pelo visto teve mais sucesso foram os Estados Unidos, onde La reina del sur, coprodu- zida por Telemundo, RTI (Colômbia) e Antena3 (Espanha), con- seguiu concentrar o interesse da comunidade latina e tornou mais próximo esse tema, que também está presente nos EUA, assim como nos países de origem dessa comunidade de imigrantes.

Um olhar igualmente crítico frente à realidade surgiu no Chile, onde desde 2007 a ficção vem resgatando a história e a memória desse país. Com recursos vindos do Fundo de Fomento à Qualida- de, do Conselho Nacional de Televisão do Chile, a série Los 80 e a minissérie Los archivos del Cardenal representaram alguns dos momentos mais dolorosos da ditadura chilena. Esta última ficção está ancorada na história de maneira mais evidente, uma vez que diretamente aborda o tema dos presos e torturados pela ditadura de Augusto Pinochet.

Essa correlação da ficção com a história continuou em 2011, depois que foram ao ar diversas produções que faziam alusão a mo- mentos históricos relevantes, como ocorreu com a Venezuela, que comemorou o bicentenário de sua independência com os títulos Bo- lívar el genio de la libertad, Nuestros niños de nuestra América e Nuestros Miranda y Sucre. A crítica sobre essas produções girou em torno do sentido oficialista que permeou a narrativa.

O México também apresentou – na mesma linha, mas depois do acontecimento – a comemoração do centenário da Revolução Me- xicana, com El encanto del águila, uma série que retratou os mo- mentos-chave dessa grande aventura militar. Contudo, assim como no caso venezuelano, essa produção condicionou o senso histórico à ideologia do governo.

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