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O Milagre Asiático: A Nova Versão Oficial

1.2 Estado versus Mercado: Em busca de Uma Síntese

1.2.1 O Milagre Asiático: A Nova Versão Oficial

Em 1993, o BM lançou um estudo onde procurava aprimorar suas teses centrais sobre as causas do “milagre asiático”. O “The East Asian Miracle” (World Bank,

1993 - EAM, de agora em diante) foi elaborado a partir de pressões japonesas19, com o

intuito de ser a versão mais bem acabada sobre a história de sucesso do desenvolvimento dos países do leste asiático. Desde o final do anos 1980 o Japão

tornou-se o segundo maior acionista do Banco Mundial20, atrás apenas dos EUA21. Na

ótica daquele, seu crescente peso financeiro na instituição deveria ter por contrapartida

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Aqui, trata-se de “(deixar) que os mercados funcionem por si mesmos, a não ser que se possa demonstrar que é melhor intervir.” (p.6). Os bens públicos, como educação básica, infra-estrutura, controle populacional, proteção do meio ambiente, etc., são aceitáveis, mas não o é a ação empresarial do Estado.

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Com especial ênfase nos relatórios de 1978, 1981, 1987 e 1996. 19

Ver Wade (1996), Page (1994), Kwon (1994), Amsden (1994). 20

Além disso, em 1989 já possuía o maior programa de ajuda bilateral do mundo; em 1990, tornou-se o segundo maior acionista da International Finance Corporation, filial do Banco Mundial para empréstimos ao setor privado; detendo, no início da década de 1990, 50% da poupança líquida dos países desenvolvidos, sendo a principal fonte

uma maior representação. Queria validar suas práticas pouco ortodoxas frente à

hegemonia do pensamento anglo-saxônico22.

A questão do crédito direcionado tornou-se central para estimular as reivindicações dos japoneses. No final dos anos 1980, o Ministério das Finanças do Japão colocava-se em linha de choque com o BM, ao criar um fundo para direcionar crédito ao setor privado nos países do leste asiático: o Fundo de Desenvolvimento Japonês, administrado por sua principal agência de ajuda, a OECF. Além disso, dois momentos marcaram a intenção dos japoneses em afirmar o modelo asiático de desenvolvimento: o lançamento de um documento propositivo ao BM, onde defendia políticas estratégicas, com uma presença ativa do Estado, para os países em

desenvolvimento23; e uma enfática declaração do então Presidente do Banco Central do

Japão, que conclamava o BM à estudar a especificidade do desenvolvimento asiático24.

Tais pressões resultam no início dos trabalhos do EAM25.

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Devemos destacar que a presidência da Banco Mundial sempre ficou com os americanos, que sua presença no

staff daquela instituição é proporcionalmente muito maior do que a sua participação acionária, e que 2/3 dos quadros

do BM eram formados em universidades americanas, número que sobe para 80% se incluídas as universidades inglesas. (Wade, 1996:16)

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O trabalho do Ministério das Finanças japonês, intitulado “Questões Relacionadas ao Aporte do Banco Mundial para o Ajuste Estrutural: Propostas de um Parceiro Estratégico”, propõe: (i) que para os países em desenvolvimento alcançarem o crescimento sustentado, o governo deveria adotar medidas que promovessem, diretamente, os investimentos; (ii) que estas medidas deveriam fazer parte de uma política industrial explícita, voltada para a promoção de setores líderes no futuro; (iii) que o crédito direcionado e subsidiado seria fundamental em condições de mercados financeiros fortemente imperfeitos; (iv) que as decisões estratégicas não poderiam ficar somente a cargo dos interesses privados; (v) o que levaria a considerar o exemplo das políticas fiscal e monetária do Japão no pós II GGM, baseadas da tributação diferenciada e no fortalecimento das instituições financeiras. Desde logo, o BM marcou posição contrária à política de crédito direcionado japonês que, diga-se de passagem, evidenciava o objetivo estratégico de estimular a extroversão do capital japonês na região, ao auxiliar o desenvolvimento do leste asiático (Wade, 1996:10).

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Declarou Yasushi Mieno: “A experiência da Ásia tem mostrado que embora as estratégias de desenvolvimento requeiram um saudável respeito aos mecanismos de mercado, o papel do Estado não pode ser esquecido. Eu gostaria de ver o Banco Mundial e o FMI tomando a liderança em um amplo estudo que definiria os alicerces teóricos deste aporte e clarificaria as áreas nas quais ele possa ser aplicado de forma bem sucedida em outras partes do globo.” (Wade, 1996:11)

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Seu financiamento, de US$ 1,2 milhão, ficou por conta do Human Resource Development, um fundo japonês para o BM. Entender a construção política do EAM é fundamental para que se possa identificar suas principais características e conclusões. Inicialmente deve-se destacar a tensão entre três pólos distintos. O grupo de estudos do EAM formado por economistas não asiáticos, de orientação neoclássica, liderados por Jonh Page (Oxford). Ao longo do trabalho acabam concluindo que as políticas intervencionistas poderiam ter contribuído para o crescimento, ainda que não tenham encontrado meios de arregimentar provas irrefutáveis. Junto com o então economista chefe e vice-presidente do Board do BM, Lawrence Summers (Harvard – secretário do Tesouro dos EUA na segunda administração Clinton) esse grupo viu-se diante da posição de defesa de uma ampliação da fronteira do debate ortodoxo sobre o desenvolvimento econômico, expresso mais explicitamente nas primeiras versões do EAM. Outro pólo era representado pelo Vice-Presidente do BM para o Leste Asiático, Gautam Kaji, que sustentava a explicação

O EAM parte de uma constatação já usual em todos os trabalhos referentes ao desenvolvimento asiático: a de que esta foi a região que mais cresceu no mundo entre as décadas de 1960 e 1990, sendo bem sucedida no incremento da renda total e per capita, garantindo uma maior equidade e melhoria nos indicadores sociais.

O segredo deste desempenho estaria, em essência, na correta perseguição dos fundamentos econômicos, quais sejam: (i) a estabilidade macroeconômica, com a inflação sob controle e taxas de câmbios competitivas, criando assim um clima propício para os investimentos privados; (ii) o investimento na capacitação do capital humano e

em infra-estrutura; (iii) a criação de um sistema financeiro efetivo e seguro26; (iv) a

abertura ao mercado externo, facilitando o acesso à tecnologia e evitando-se as distorções de preço, e; (v) o desenvolvimento do setor primário, evitando-se um viés

anti-agricultura27.

Tais elementos não vão muito além das visões neoclássica e market-friendly (World Bank, 1993, Balassa, 1989, Little et. al., 1970). A primeira atribui o sucesso asiático à estabilidade macro, à existência de um arcabouço legal que promoveria a competição doméstica e internacional, ao legítimo investimento público na formação do capital humano e à ausência de controles de preço e políticas discricionárias, minimizando as distorções de preço. Na segunda, além daqueles, é admitida a influência sobre o crescimento asiático de um efetivo, mas cuidadosamente limitado, intervencionismo. Ou seja, com ações que viriam no sentido pró mercado, buscado-se sanar as imperfeições deste, de modo a garantir que os preços refletissem, da forma mais correta possível, a escassez relativa dos fatores de produção, facilitando as decisões privadas.

Neste contexto, o EAM procurou aprimorar, dentro do campo convencional, as versões neoclássica tradicional e market-friendly. Claramente, seu objetivo era avaliar o papel das políticas públicas no crescimento, admitindo que o correto desempenho dos fundamentos apenas responderia por parte da história do sucesso asiático. Não se poderia mais negar a intervenção ativa dos governos dos países asiáticos de alto

contudo se escapar muito do eixo teórico central de defesa dos mecanismos de mercado. Vale dizer, sem contrariar às expectativas americanas (Wade, 1996, Amsden, 1994).

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Com relação ao dos demais países em desenvolvimento. Este ponto destoa completamente de muitas das explicações pós crise asiática, que enfatizaram o crony capitalism, espresso em relações espúrias entre bancos, indústria e governo, conforme está detalhado nos capítulos 4 e 5.

desempenho (PAADs) – Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura, Hong Kong, Malásia, Indonésia e Tailândia - , no sentido de moldar o crescimento econômico. Não se poderia mais negar a existência do targeting industrial, do crédito direcionado e dos juros subsidiados, do protecionismo seletivo, do auxílio (subsídio) aos setores em declínio, do suporte aos bancos públicos, dos investimentos em P&D, da promoção de exportações através de instituições específicas e da cobrança de melhor desempenho do setor privado, e do compartilhamento de informações entre os agentes privados e públicos. Enfim, seria impossível negar um fato óbvio: houve crescimento e houve intervenção ativa por parte dos governos, de modo que não se poderia afirmar, a priori, que a segunda obstaculizou o primeiro.

Diante deste dilema, considerado um problema metodológico, propôs-se avançar sobre o aporte market-friendly, através do desenvolvimento de um arcabouço funcional do crescimento, onde divide-se as intervenções em dois tipos: fundamentais e seletivas. Ambas articuladas com os determinantes últimos do crescimento: acumulação de capital físico e humano, alocação eficiente dos recursos e incremento da produtividade.

As políticas fundamentais são aquelas destacadas pelas visões neoclássica e

market-friendly, ou seja, a estabilidade macro, o aprimoramento do capital humano, a

constituição de sistemas financeiros seguros e efetivos, o limite às distorções de preço e a abertura externa. As políticas seletivas incluem a repressão financeira moderada (juros abaixo do ponto de equilíbrio), o crédito direcionado, a promoção industrial seletiva e as políticas comerciais que incentivam os setores não tradicionais. Aqui é importante destacar um argumento de Wade (1996): o EAM vê-se diante de um arranjo semântico e conceitual. O que se chama de política seletiva não necessariamente é sinônimo de política específica a um determinado setor ou empresa. Com isso, pode- se afirmar que ainda que as políticas seletivas tenham tido algum impacto sobre o crescimento e a transformação das estruturas produtivas dos PAADs, elas não foram

tão efetivas quanto afirmam os autores “revisionistas”28. Seriam importantes somente

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De fato, por mais que a indústria tenha crescido, em média, mais do que o dobro da agricultura, o ritmo de expansão deste setor no PAD, superou, nas últimas três décadas, a média mundial e das demais regiões desenvolvidas e em desenvolvimento (com exceção do Sul da Ásia) – ver tabela 1.2, neste capítulo.

aquelas políticas não específicas (a setor, empresas, produtos ou tecnologias) e que funcionassem no sentido pró mercado como, por exemplo, um estímulo genérico às exportações.