• Nenhum resultado encontrado

Transformações no Sistema Financeiro Internacional e a Instabilidade Sistêmica

CAPÍTULO 4 – INFLEXÕES TEÓRICAS E POLÍTICAS

4.1 Instabilidade Financeira: Imperfeições dos Mercados ou Característica Estrutural das Economias Capitalistas?

4.1.1 Transformações no Sistema Financeiro Internacional e a Instabilidade Sistêmica

A perspectiva de longo prazo da integração financeira internacional, marcada por ciclos recorrentes de instabilidade, foi destacada pelo Banco Mundial - BM - (World Bank, 2000). Foram identificados, ao longo dos últimos 130 anos, quatro grandes ciclos de

expansão dos fluxos privados de capitais para os mercados emergentes3. O primeiro, no

período de hegemonia do padrão libra-ouro, entre a década de 1870 e a Primeira Guerra Mundial, foi dominado pela utilização de títulos privados de longo prazo, que garantiram o financiamento da expansão de infra-estrutura e de novas atividades produtivas nos países de recente colonização européia. O segundo, no entre guerras, foi alimentado pela compra de títulos públicos dos países que haviam se endividado com o conflito do início do século. Entre 1973 e 1982, assistiu-se a um terceiro boom, marcado pelo financiamento através de empréstimos sindicalizados, especialmente para os governos nacionais da periferia capitalista. Por fim, na década de 1990 houve uma forte ampliação dos investimentos de portfólio, através da utilização de mecanismos privados de endividamento direto – private-to-private -, e dos investimentos diretos externos.

Retrospectivamente, pode-se constatar que estes períodos apresentaram um conjunto de características comuns: (i) foram acompanhados de intenso crescimento do comércio e dos investimentos em âmbito internacional; (ii) bem como de inovações tecnológicas capazes de reduzir os custos de transação, em transportes e comunicações; (iii) do ponto de vista político, foram alicerçados pelo estabelecimento de condições institucionais permissivas à ampliação da mobilidade de fatores; e (iv) por fim, marcadas por crescente instabilidade cambial e financeira, especialmente nos países emergentes, desembocando, em alguns casos, em crises globais de natureza econômica e/ou

política4.

3

O termo “mercados emergentes” designa o conjunto de países em desenvolvimento e/ou de renda média que passaram a integrar, de forma crescente, as carteiras dos investidores dos países industrializados, a partir do final dos anos 1980, início dos 1990. Com o tempo, passou-se a utilizar quase que como sinônimos “emergentes” e “em desenvolvimento”. Por simplificação não reproduzir-se-á a lista de países considerados “emergentes” em cada um dos estudos citados. Sugere-se a consulta às respectivas fontes.

4

“Todos os episódios passados de expansão dos fluxos de capitais para os mercados emergentes terminaram em severas crises internacionais. Hard landings mais do que soft landings têm sido a regra (...) Booms nos fluxos privados

Em suma, “... (as) ondas de capitais para os mercados emergentes têm sido,

tipicamente, parte de um longo, periódico e rápido processo de expansão da economia global. Elas ocorrem quando uma ampla difusão de mudanças tecnológicas aprimora as comunicações e transportes, o crescimento é animador, o comércio mundial está em expansão, as inovações financeiras são rápidas, e o clima político lhes dão sustentabilidade.” (World Bank, 2000:119, grifos no original). Parte disto pode ser

constatado na tabela 4.1. As estimativas do BM apontam que os ciclos de expansão da entrada de capitais nos mercados emergentes ocorreram em um contexto de crescimento da produção e do comércio internacional.

4.1 Indicadores Selecionados dos Principais Países Tomadores nos Ciclos de Expansão de Empréstimos (% do PIB)

Indicador 1890–1913 1920s 1975–81 1993–97

Déficit em Conta Corrente 3,8 3,0a 3,5 2,3

Fluxos Privados de Capitais de Longo Prazo ,, ,, 3,9 4,3

Exportações 4,0b 6,2 b 10,1 17,3

Memória

P rodução Mundial (tx. Média de crescimento anual, % ) 2,7 4,0c 4,0d 3,0e Comércio Mundial (tx. Média de crescimento anual, % ) 3,4 6 9 7,7 Déficit em Conta Corrente (% dos Investimentos) 25-33 f ,, 15,3 9,3 Fonte: W orld Bank, G lobal Development Finance, 2000, p.121.

Nota: Os principais países devedores são definidos de forma diferente em cada período. (a). D ados em 1919–26; (b) Do final do período; (c) Dados em 1920–29; (d) Dados em 1973–81; (e) Dados em 1990–97; (f) Austrália, Canadá e Nova Zelândia(,,) Dados não disponíveis.

Porém, ainda que se busquem as semelhanças nestes ciclos de expansão, pode-se perceber algumas peculiaridades em cada momento. O boom associado ao predomínio da libra esterlina como moeda chave nas finanças internacionais iniciou na década de 1870 e foi interrompido pela Primeira Guerra Mundial. Os principais tomadores de recursos foram países com um perfil de renda, cultura e instituições muito parecido com o dos países investidores. Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Estados Unidos concentraram a captação dos recursos dos investidores privados da Inglaterra e dos principais países da Europa Continental.

Estes investimentos vieram acompanhados de significativos fluxos migratórios e de melhorias consideráveis na infra-estrutura de transporte e comunicações. Na verdade, boa parte deles financiaram a expansão ferroviária e, em menor escala, a

infra-estrutura em energia elétrica, distribuição de água e mineração5. Os instrumentos

de capitais têm sido pontuados por freqüentes crises bancárias e cambiais nos países receptores, e terminado, usualmente, em severas rupturas econômicas e conflitos políticos”. (World Bank, 2000:119, grifos no original)

5

Assim, 90% dos investimentos ingleses na Argentina, Austrália, Canadá e EUA entre 1865 e 1890 foram direcionados para as ferrovias e compra de títulos governamentais. Em 1913, 70% dos investimentos externos ingleses eram alocados para compra de títulos de governos e ferrovias (Davis & Gallman, 1999, Bordo et alli, 1998 apud World Bank,

de dívida, com pagamentos de juros fixos predominaram sobre os investimentos de

portfólio, na forma de ações, e sobre os investimentos diretos6. Associa-se este fato às

dificuldades de comunicação, que dificultavam um acompanhamento preciso da qualidade dos projetos de investimento, e a insegurança com relação aos direitos de propriedade (Bordo et. al., 1999 e Eichengreen, 1996).

Por outro lado, isto não inviabilizou o estabelecimento de uma crescente integração financeira internacional que, por alguns indicadores teria sido tão ou mais

intensa que a verificada no final do século XX7. Na tabela 4.1 isto aparece na comparação

entre o déficit em conta corrente dos principais países tomadores em cada um dos ciclos, que atingiu, em valores médios, 3,8% entre 1880 e 1913. A relação entre déficit em conta corrente e investimentos domésticos é uma proxy da contribuição da poupança externa para estas economias. Os dados disponibilizados pelo BM (tabela 4.1) indicam que essa contribuição foi relativamente maior no período do padrão libra-ouro e no ciclo de endividamento dos anos 1970, do que na década de 1990.

Na década de 1920 houve um arrefecimento da integração financeira internacional, como mostra a queda de 3,8% para 3,0% na relação déficit em conta corrente sobre o PIB, ainda que o comércio e a produção tenham crescido em um ritmo superior (tabela 4.1). Se no ciclo anterior, 60% dos investimentos iam para investidores privados, neste predominou a compra de títulos públicos - 62% dos investimentos

britânicos e 80% dos norte americanos8. Isto seria o reflexo da política de financiamento

do setor público, tanto por parte dos países europeus que haviam se endividado com a guerra, quanto dos países periféricos, que continuavam investindo em infra-estrutura. O crescimento real, fortemente associado à expansão norte-americana e à recuperação de alguns países europeus – notadamente a França – e o boom financeiro, encerraram com a crise de 1929 (Eichengreen, 1996).

6

O BM utiliza uma estimativa de Jonh Dunning, que indicaria que o estoque de investimento direto eqüivaleria a 1/3 do total de investimentos externos no período da I ª Guerra Mundial (World Bank, 2000:122)

7

O principal investidor internacional, a Inglaterra, chegou a exportar quase 10% do PIB, ao ano, em anos próximos à Primeira Guerra. Em 1913, 1/3 dos seus ativos estavam no exterior. França e Alemanha, tinham níveis de investimento ao redor de 50% dos britânicos. Além disso, o BM destaca uma série de trabalhos empíricos onde os indicadores de integração financeira, como correlações entre poupança e investimento, cálculos da paridade coberta de juros e medidas de mobilidade de capital, são maiores (ou semelhantes) nos períodos dos finais dos séculos XIX e XX (World Bank, 2000:121)

8

O BM associa a expansão de capitais nos anos 1970 à necessidade dos países em desenvolvimento financiarem suas contas externas a partir do choque exógeno que foi

a forte elevação do preço do petróleo no início da década9. Como nos anos 1920, o setor

público concentrou a maior parte das captações – 80% dos investimentos privados em 1980 (World Bank, 2000:127). Do ponto de vista quantitativo, sua dimensão teria sido semelhante a dos ciclos passados, com os fluxos privados de capitais atingindo, na média do período 1975-1981, 3,5% do PIB dos países tomadores (tabela 4.1), com um pico de

7% em 198110. A maior parte destes recursos – 64% - veio na forma de empréstimos

sindicalizados (tabela 4.2). Na década de 1990, essa situação se inverteu. Os tomadores

privados passaram a responder por 67% da entrada de recursos privados11,

principalmente na forma de investimento direto e de portfólio. O peso dos empréstimos bancários caiu significativamente e cresceu a importância dos títulos de dívida de longo prazo (tabela 4.2).

4.2 Composição dos Fluxos Privados de Capitais em Períodos Selecionados (% do total)

T ipos de Investimento 1973–81 1990–97

Títulos de Dív ida (bonds) 3,5 15,2

Empréstimos Bancários 63,9 11,7

IDE 16,8 50,3

Portfólio 0,3 16,4

Fonte: World Bank, Global Development Finance, 2000, p.126

O BM aponta o seguinte conjunto de causas para aquelas transformações: (i) ao longo do pós Segunda Guerra prevaleceu a memória da instabilidade dos anos 1930 que, em conjunto com uma significativa regulamentação dos mercados financeiros internacionais, tendeu a reduzir o potencial de ação dos investidores individuais; (ii) em contrapartida os bancos eram vistos como portadores de melhores informações sobre os investimentos potenciais; (iii) aqueles foram favorecidos pelo aumento de liquidez internacional provocada pelo desenvolvimento do mercado de eurodólares, já anos 1960, e com os petrodólares, nos anos 1970; (iv) por outro lado, a desregulamentação nos mercados financeiros domésticos e a crescente liberalização das contas capital, o avanço das tecnologias de informática e telecomunicações e o surgimento de inovações

9

Não enfatizou-se o “lado da oferta”, ou seja, a compreensão de que o crescente afluxo de capitais para a periferia capitalista nas últimas três décadas do século XX esteve associado ao aumento na liquidez financeira global. Por esta ótica, o endividamento dos anos 1970 deveria ser compreendido, também, à luz do surgimento do euromercado, da reciclagem dos petrodólares, da crescente desregulamentação financeira, etc. (Eichengreen, 1996)

10

Idem, p.123. 11

financeiras, criaram, nas décadas de 1980 e 1990, o ambiente propício para o avanço das finanças diretas.

Assim, se do ponto de vista quantitativo o boom dos anos 1990 teria sido similar aos anteriores (tabela 4.2), do ponto de vista qualitativo mostrar-se-ia distinto. Ampliaram- se os leques de oportunidades de investimento, a partir dos avanços tecnológicos e da variedade de instrumentos financeiros mobilizáveis, bem como diversificou-se a base de países tomadores. Em 1980, somente 14% dos capitais privados direcionavam-se para os

países de baixa renda12. Este valor mais do que dobrou nos anos 1990, chegando a 29%

em 1997.

Por outro lado, as disparidades de renda entre credores e devedores também cresceu. Antes da crise de 1929, a renda per capita dos principais países credores era, em média, três vezes maior que a dos principais devedores. Esta diferença cresce para quatro vezes em 1980 e oito vezes em 1997 (World Bank, 2000:127). Da mesma forma que nos ciclos anteriores, a década de 1990 culminou com uma seqüência de crises financeiras que tem refreado os afluxos de capitais para os países em desenvolvimento.

A UNCTAD (United Nations, 1999) chegou a um conjunto de evidências semelhantes às do BM (World Bank, 2000), ainda que tenha trabalhado com um período de tempo mais curto e com distintas agregações dos países e dos fluxos de capitais. Sua principal constatação é de que a partir dos anos 1970 houve uma profunda transformação no tamanho, composição e distribuição geográfica dos fluxos externos de capitais para os países em desenvolvimento. Em termos nominais, as entradas líquidas de capital para os países em desenvolvimento teriam aumentado 20 vezes entre 1970 e 1998. Em termos reais, utilizando-se como deflatores os índices de preços de importação, esse aumento seria sensivelmente menor, de cinco vezes.

Porém, essa entrada de capitais se tornariamais compreensível em termos relativos (tabela 4.3). Assim, dividindo sua análise em três sub-períodos 1975-82, 1983- 89 e 1990-98, verificou-se que: (i) o boom dos anos 1970 teria sido semelhante em tamanho ao dos anos 1990, com a entrada líquida de capitais passando de 4,9% para 5% do PNB das economias em desenvolvimento; (ii) excluindo-se a China, estes valores se alteram significativamente, pois no anos 1990, ao contrário do que ocorrera nos anos 1970, este país passou a ser um importante absorvedor de poupança externa; (iii) a crise da dívida, nos anos 1980, significou uma forte redução na entrada de

12

recursos para os países em desenvolvimento; (iv) na década de 1970 os créditos bancários foram a forma principal de entrada capitais, ao passo que na década de 1990 predominaram os investimentos diretos e de portfólio, com ênfase nos primeiros, bem como os mecanismos de endividamento direto;(v) a crise da dívida implicou um crescimento no pagamento de juros e remessa de lucros, que atingiu 3,5% do produto das economias em desenvolvimento, contra os 2,4% verificados nos anos 1970 e 1990; (vi) por conta disso, houve uma transferência líquida de recursos de 0,26% da renda nacional dos países em desenvolvimento entre 1983 e 1989, contra uma entrada líquida de recursos de 2,48% e 2,65% nos anos 1970 e 1990, respectivamente .

4 . 3 E n t r a d a d e C a p i t a i s n o s P a í s e s e m D e s e n v o l v i m e n t o , 1 9 7 5 - 1 9 9 8 ( % P N B ) 1 9 7 5 - 1 9 8 2 1 9 8 3 - 1 9 8 9 1 9 9 0 - 1 9 9 8 1 . E n t r a d a L í q u i d a T o t a l 4 , 9 1 2 , 8 7 5 , 0 0 e x c l u í n d o a C h i n a 5 , 4 5 2 , 9 7 4 , 2 2 1 . 2 R e c u r s o s O f i c i a i s 1 , 5 8 1 , 5 7 1 , 0 3 1 . 3 C a p i t a i s P r i v a d o s 3 , 3 3 1 , 2 9 3 , 9 7 1 . 3 . 1 I n v e s t i m e n t o s * 0 , 4 2 0 , 5 5 2 , 2 1 I D E 0 , 4 2 0 , 5 3 1 , 6 7 P o r t f ó l i o ( a ç õ e s ) 0 , 0 0 0 , 0 2 0 , 5 4 1 . 3 . 2 T í t u l o s 0 , 1 1 0 , 0 5 0 , 5 2 1 . 3 . 3 C r é d i t o B a n c á r i o 2 , 4 6 0 , 4 4 1 , 1 7 C u r t o P r a z o 1 , 1 0 0 , 1 0 0 , 7 2 L o n g o P r a z o 1 , 3 6 0 , 3 4 0 , 4 4 P o r t f ó l i o 0 , 1 2 0 , 0 7 1 , 0 6 P a g a m e n t o d e J u r o s 1 , 4 9 2 , 5 8 1 , 7 9 R e m e s s a d e L u c r o s 0 , 9 3 0 , 5 4 0 , 5 6 T r a n s f e r ê n c i a L í q u i d a 2 , 4 8 - 0 , 2 6 2 , 6 5 F o n t e : U N C T A D ( U n i t e d N a t i o n s , 1 9 9 9 : 1 0 2 ) * E n t r a d a d e c a p i t a i s e m a t i v o s q u e n ã o c r i a m d í v i d a M e m ó r i a

Ainda em conformidade com a análise do BM, a UNCTAD (United Nations, 1999:104) mostra que houve uma inversão no tipo de tomador final dos recursos. Até a crise da dívida dos anos 1980, a participação do setor privado, com investimentos ou endividamento sem garantia governamental, ficou ao redor de 15% das entradas líquidas de capital. Essa proporção vai aumentando, até que, em 1995, as captações privadas superam as públicas ou garantidas pelo governo.

Do ponto de vista da distribuição geográfica, verificou-se uma concentração dos

recursos em um conjunto de 20 países13, denominados pelo estudo de mercados

emergentes. Nas décadas de 1970 e 1980 estes países receberam 50% das entradas líquidas de capitais para o total dos países em desenvolvimento. Nos anos 1990, passaram a receber mais de 90%. Os outros 100 países ficaram com menos de 10% dos recursos restantes. Como estes 20 países possuem somente 69% da população

13

do conjunto dos países em desenvolvimento, a sua poupança externa per capita foi, em média, 4,5 vezes superior.

A região do Leste e Pacífico Asiático passou a ter uma participação crescente nestes fluxos, de 18% nos anos 1970, para 25%, nos 1980, e 42%, nos 1990. No mesmo período, a América Latina perdeu importância relativa, com parcelas no total de, respectivamente, 43%, 17% e 32%. A crise da dívida nos anos 1980 afetou fortemente a região, de modo que mesmo o significativo incremento das entradas de capitais nos anos 1990 não foi capaz de recolocá-la na condição de região de maior absorção de recursos, posição que ocupou no boom dos anos 1970 (idem:105).

Assim, a globalização financeira, que se consolidou ao longo dos anos 1980, foi um desdobramento das tendências já presentes no sistema financeiro internacional a partir da emergência do euromercado, nos anos 1960, e da adoção do sistema de taxas de câmbio flutuantes, em 1973. As análises convencionais a entendem com um resultado inexorável das pressões das forças de mercado em prol da liberalização e/ou dos avanços tecnológicos nas áreas de telecomunicações e de informática (IMF 1998b, 1999, World Bank, 2000).

Por outro lado, autores heterodoxos consideram que, apesar do papel desempenhado por esses fatores, no sentido de facilitar e/ou acelerar a emergência do ambiente de finanças globalizadas, seu determinante principal foi o conjunto de decisões políticas dos países centrais e, principalmente, dos EUA, a partir do final dos anos 1960, com o objetivo de assegurar a supremacia do dólar no sistema monetário e

financeiro internacional14

.

No seu balanço sobre os ciclos de expansão de empréstimos aos mercados emergentes, o BM (2000) admite que há um forte componente de instabilidade em

14

Para Strange (1986) a globalização financeira foi o resultado de ações (“decisões positivas”) e omissões (“decisões negativas”) dos países centrais. Dentre as decisões negativas, destacam-se: a ruptura unilateral pelo governo americano do acordo de Bretton Woods; a incapacidade ou imobilidade dos governos dos países desenvolvidos em estabelecer um novo sistema monetário internacional naquele período, e; a não-ação do governo inglês frente ao desenvolvimento do euromercado. Dentre as “positivas” pode-se lembrar as políticas de liberalização e abertura financeiras implementadas pelos EUA e Inglaterra na segunda metade da década de 1970, e pelos demais países desenvolvidos nos anos 1980. Na mesma linha Helleiner (1994) reforça e atualiza os argumentos de Strange, ao detalhar o papel desempenhado pelos Estados Nacionais - principalmente pelos EUA, Inglaterra e Japão na emergência das finanças globais. Dentre as ações e não-ações (as decisões políticas positivas e negativas, nos termos de Strange) em prol dessa emergência, Helleiner enfatiza as intervenções dos governos do G-7, apoiados pelo BIS e/ou FMI, nas crises internacionais de 1974, 1982 e 1987 - as quais foram essenciais para evitar sua transformação em crises sistêmicas - e o papel central desempenhado pelo BIS na reemergência das finanças globais, tanto no sentido de facilitar e estimular a cooperação entre os Bancos Centrais desde os anos 1960, quanto de servir, a partir de 1974, como um fórum de discussões para a criação de instrumentos voltados para a prevenção de crises financeiras, como o aperfeiçoamento dos mecanismos de supervisão e regulamentação bancárias. Ver, também, os ensaios organizados por Fiori (1999).

todos os períodos15, bem como que as crises financeiras implicam uma significativa perda de produto real. A tabela 4.4 apresenta as evidências da recorrência das crises e seus custos.

4.4 Freqüência das Crises e Estimativas de Perda de Produto – Mercados Emergentes em Períodos Selecionados.

1880–1913 1929–36 1975–82 1990–96

Nº de Crises 22 36 a 61 38

Perda Média de Produto (% do PIB) 2 6 3 b 3 b

Fonte: World Bank, Global Development Finance, 2000. a. Número de crises bancárias.

b. Média para 1972–96.

Do ponto de vista das evidências históricas, não pode-se deixar de admitir o caráter sistêmico das crises financeiras. Por outro lado, a survey do BM não encontrou na literatura especializada explicações convergentes sobre as causas das crises. Por conta disto, procura-se evidenciar, nos próximos itens, alguns dos esforços mais relevantes de teorização das crises financeiras.