• Nenhum resultado encontrado

A Perspectiva Convencional

CAPÍTULO 4 – INFLEXÕES TEÓRICAS E POLÍTICAS

4.1 Instabilidade Financeira: Imperfeições dos Mercados ou Característica Estrutural das Economias Capitalistas?

4.1.2 A Perspectiva Convencional

Krugman (1997) sugere a existência de duas famílias de modelos canônicos de crises cambiais. A primeira associa os ataques especulativos à reversão de expectativas dos agentes com relação à capacidade da Autoridade Monetária (A.M.) sustentar seu compromisso com certa paridade cambial pela venda irrestrita de reservas. A existência de desequilíbrios fiscais motivaria os agentes a antecipar futuras expansões monetárias, gerando uma fuga em direção às cambiais até o momento em que a A.M. não fosse mais capaz de sustentar a paridade. Assim, desvaloriza-se a moeda local, no bojo da fuga de capitais.

Esta família de modelos, iniciados por Krugman (1979), teria tido um forte apelo explicativo nas crises cambiais latinas no final dos anos 1970, início dos 1980. A sugestão de política que emerge passa pela manutenção de fundamentos econômicos equilibrados, a partir da austeridade fiscal.

Para a racionalização ex-post da crise do Sistema Monetário Europeu, surge uma segunda geração de modelos (Obstfeld, 1994 e 1996). Complexificam-se os mecanismos de formação das expectativas associados aos ataques especulativos. Ao

15

“Booms nos fluxos privados de capitais foram geralmente marcados por crises bancárias e cambiais, e terminaram em severas contrações econômicas ou conflitos políticos” (World Bank, 2000:128). Não por acaso, as décadas de 1980 e 1990 do século XIX, os ano 1930, e a década de 1980, conviveram com elevados índices de países em default ou em reestruturação de dívida que, nos momentos de pico, representaram mais de 35% do total dos países endividados

lado da compra e venda de divisas, a A.M. utiliza a taxa de juros para atingir as metas cambiais e regular o nível de reservas. Porém, com isso estabelece-se um trade off: o aumento da taxa de juros para sustentar a meta cambial impõe um custo recessivo sobre o nível de emprego. Assim, os investidores deixam de olhar somente para as contas fiscais e passam a formar suas expectativas também em função da percepção de qual seria o limite aceitável de comprometimento do emprego para se sustentar a paridade cambial. Se apostarem na insustentabilidade do arranjo câmbio-juros, antecipam uma futura desvalorização, fugindo para ativos denominados em divisas.

Portanto, os investidores exploram o dilema das A.M.s: garantir a confiabilidade da moeda local pela sustentação da paridade, mesmo que isso exija aumentos recorrentes e significativos da taxa de juros versus o custo recessivo da política monetária restritiva. Assim, nos modelos de segunda geração pode haver crise cambial mesmo sem a presença de desequilíbrios fiscais significativos.

Assim, com a crescente instabilidade financeira nos anos 1990, marcada, inicialmente, pelas crises no SME e no México, proliferaram trabalhos teóricos e empíricos que buscavam incorporar fatos estilizados mais aderentes ao ambiente de finanças globalizadas e de reintegração dos países em desenvolvimento – agora denominados mercados emergentes – aos fluxos internacionais de investimento. Os modelos de

segunda geração passaram a destacar: o papel das “profecias auto-realizadas”16

, associadas à deterioração das expectativas dos agentes em situações de “pânico”; os mecanismos estatais de socorro, explícitos ou implícitos, enquanto geradores de risco moral; o efeito-contágio; o problema da consistência intertemporal das políticas econômicas.

Buscou-se, também, identificar os nexos entre as crises cambiais e as crises bancárias, no que se convencionou denominar de “crises gêmeas”. Neste sentido, o problema da regulação prudencial dos sistemas financeiros domésticos e o processo de liberalização financeira passaram ao front explicativo da crescente fragilidade dos sistemas bancários domésticos, especialmente nos países em desenvolvimento. Os modelos explicativos sobre a crise asiática incorporaram estes elementos, no bojo do mque tem se convencionado denominar de terceira geração de modelos explicativos das crises. Conforme será argumentado posteriormente, as inflexões teóricas geradas pela

16

experiência das EACs e seus desdobramentos normativos ampliaram os limites analíticos dos modelos convencionais. Alguns elementos que apareciam secundariamente na literatura depois das crises do SME e do México passaram a integrar o núcleo duro dos modelos de terceira geração.

A associação entre mecanismos de regulação ineficientes e crises financeiras é enfatizada por Mishkin (1992, 1994 e 1998), que pretende construir uma teoria geral das

crises financeiras fundada na teoria da informação assimétrica17. Para esse autor, a

eficiência alocativa do sistema financeiro passa a ser comprometida quando há assimetria de informações, ou seja, “....uma situação na qual uma das partes do contrato financeiro tem informações muito menos precisas do que a outra parte.” (Mishkin, 1998: 2).

Isto geraria dois tipos fundamentais de problemas: (i) a seleção adversa, que ocorre antes da transação, e significa que, normalmente, os agentes mais dispostos a procurar empréstimos são os que tendem a ter um maior risco de crédito; (ii) e o risco moral (moral hazard), que emerge toda a vez que o tomador de crédito sente-se incentivado a investir em projetos de risco elevado, nos quais o sucesso implica um forte retorno para si, e o fracasso uma perda elevada - e desproporcional ao ganho em

caso de sucesso – para o emprestador18. A seleção adversa seria um assimetria ex-

ante (à concessão do crédito), enquanto o risco moral uma assimetria ex post.

Com tais assimetriais mostra-se crucial estabelecer instituições e “regras do jogo” que permitam aos tomadores e emprestadores de crédito obter, igualmente, informações de qualidade sobre os riscos e retornos esperados dos seus investimentos. Além disso, torna-se central a existência de uma “rede de proteção” do sistema, com destaque para a função de emprestador em última instância da A.M, a qual impede que problemas localizados de liquidez gerem crises significativas. Porém, sua existência é contraditória na medida em que preserva o sistema e pode, em tese, gerar risco moral . Para minimizar esse problema haveria que se fortalecer a regulamentação do sistema como um todo.

17

Para uma survey sobre as origens da teoria da informação assimétrica ver Ferreira & Freitas (1995). 18

Esta literatura costuma apontar que a existência de mecanismos governamentais, explícitos ou implícitos, de apoio aos devedores, tende a criar situações de moral hazard. Este tem sido um forte argumento na explicação de porquê os investidores asiáticos tenderam a se alavancarem tanto, superestimando o retorno dos investimentos e subestimando

Mishkin sugere que quatro fatores fundamentais levariam à instabilidade financeira: (i) o aumento da taxa de juros, que estimularia a seleção adversa, na medida em que os investidores com projetos de maior risco seriam exatamente aqueles dispostos a pagar mais pelo crédito – assim, quanto mais elevada a taxa de juros, maior a seleção adversa do crédito, e maior o risco de crescimento na inadimplência; (ii) o aumento da incerteza, que tornaria as informações imprecisas, dificultando a avaliação do risco de crédito e estimulado a seleção adversa; (iii) o efeito da mudança no preço

dos ativos sobre os balanços, que ao comprometer o valor dos colaterais19 dados pelos

tomadores de crédito e o valor presente da sua renda líquida, ampliaria o risco de crédito e, assim, a seleção adversa e o risco moral; (iv) e as crises bancárias, na medida em que uma das funções centrais dos bancos é produzir informações que facilitem a canalização dos recursos para os investimentos – quando há uma deterioração nos balanços dos bancos, especialmente se motivado pela ampliação dos créditos não pagos, tende-se à uma deterioração na qualidade das informações e do crédito, bem como a uma contração deste.

Em conjunto, esses fatores tendem a ampliar a instabilidade do sistema, pois estimular-se-iam os agentes carregados de mais risco a tomar crédito (seleção adversa) e/ou a incorrerem em riscos excessivos por possuírem informações distintas do emprestador – como, por exemplo, acreditarem que não sofrerão perdas por terem algum tipo de apoio estatal. Reforça-se a idéia de que a estabilização do sistema financeiro passa pela minimização das assimetrias informacionais. Com uma regulação apropriada, um aumento nos juros e/ou na incerteza, uma queda no preço dos ativos ou problemas bancários localizados, não se converteriam, necessariamente, em crises financeiras.

Mishkin (1996 e 1998) também procura diferenciar os mecanismos de origem e propagação das crises financeiras entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Assim, nas economias desenvolvidas, com um histórico de inflação moderada, as dívidas são geralmente de longo prazo e denominadas em moeda

19

Colaterais - como imóveis, ações, títulos de dívida etc. - de boa qualidade minimizam os problemas derivados das assimetrias informacionais, pois garantem ao investidor proteção em caso de default. Porém, quando há uma inflação no preço dos ativos, de modo que o valor nocional destes colaterais esteja muito acima do que poderia ser considerado de equilíbrio, uma queda súbita daquele poderia precipitar uma crise bancária ou financeira. Da mesma forma, a inflação de ativos, pode gerar um circuito vicioso, onde o endividamento crescente se sustentaria na expectativa de valorização crescente destes colaterais. Krugman (1998) aponta que este círculo vicioso teria ocorrido na Ásia em 1997.

nacional. Neste contexto, uma queda não antecipada da inflação pode reduzir o valor

presente líquido das firmas20.

Ao contrário, a experiência dos países em desenvolvimento é de alta inflação e endividamento de curto prazo, normalmente em moeda estrangeira. Assim, uma queda na inflação não gera o mesmo tipo de efeito no fluxo de caixa das empresas, como nos países desenvolvidos, pois a duração curta dos contratos permitiria ajustes mais rápidos – a taxa real de juros seria permanentemente ajustada às expectativas inflacionárias. Nestes países, mudanças não antecipadas na taxa de câmbio acabariam tendo um efeito semelhante à queda da inflação nos países desenvolvidos. Uma desvalorização cambial tenderia a ampliar o endividamento em moeda doméstica da firmas que contraíram passivos em divisas. Se não houver hedge nas receitas operacionais ou em outros ativos, tender-se-ia a gerar um efeito negativo nos fluxos de caixa.

Do ponto de vista das crises bancárias, Mishkin aponta que a existência de transparência nas informações com respeito à saúde financeira dos bancos e a qualidade da supervisão e regulação do sistema financeiro auxiliaria na minimização dos problemas de assimetrias informacionais - que podem levar a pânicos e corridas bancárias. Em geral, os países em desenvolvimento teriam informações e sistemas de controle de menor qualidade, o que ampliaria os riscos de crise.

Um risco adicional de choque nos países em desenvolvimento originar-se-ia na baixa diversificação das operações dos seus bancos. A maior parte da sua carteira de empréstimos se direcionaria aos tomadores locais, muitos deles com suas operações ativas expostas às flutuações nos preços de commodities e do câmbio. Não raramente, são agentes de pequeno e médio porte, sem acesso a fontes de financiamento no mercado internacional. Da mesma forma, os bancos tenderiam a contrair passivos em divisas. Assim, ficariam duplamente expostos ao risco cambial: do lado passivo, pela ampliação de sua própria dívida: e do lado ativo, pela inadimplência de devedores fragilizados pelos choques cambiais. Os bancos dos países desenvolvidos teriam carteiras mais diversificadas e menos expostas às mudanças não antecipadas nos preços de ativos e commodities.

20

Isto porque as taxas de juros tendem a ser fixadas em valores nominais por um longo período, com as taxas reais estimadas a partir de uma certa perspectiva de inflação. Se a inflação efetiva for menor que a esperada, aumenta o peso dos juros reais sobre os passivos. Se não houver uma valorização semelhante nos ativos, o valor real líquido das empresas cai. Assim, uma queda abrupta e não esperada da inflação pode gerar problemas de seleção adversa e moral

O FMI (IMF, 1998a), motivado pelas crises cambiais do Sistema Monetário Europeu, do México e da Ásia, procurou elaborar uma síntese da literatura sobre crises financeiras, recorrendo à busca de regularidades empíricas na explicação de sua natureza e origem. Enfatizou-se um elemento diferenciador das crises atuais com relação às passadas: a maior velocidade do contágio entre a fonte dos distúrbios e a economia

internacional21. As crises seriam determinadas por desequilíbrios macroeconômicos e/ou

fragilidades institucionais. Quanto maiores estes e menor a credibilidade das políticas de

ajuste, maior o risco de rupturas22.

Por outro lado, o FMI não enfatiza a possibilidade da instabilidade financeira ser intrínseca ao modus operandi das economias capitalistas. Pelo contrário, reafirma-se

que desequilíbrios nos fundamentals23 – preços de ativos e câmbio, déficits fiscais e em

conta corrente etc.24 - e instituições inadequadas - por serem incapazes de dar

transparência e confiança aos sinais de mercado – determinam, em última instância, as crises. Com isso, políticas voltadas à prevenção dessas crises passam a estar limitadas à busca de metas monetárias e fiscais capazes de equilibrar as contas públicas e externas e os preços dos ativos relevantes, além do fortalecimento das instituições e regras capazes de gerar “solidez no sistema financeiro”.

21

Desenvolveu-se a seguinte tipologia das crises: a categoria mais geral é chamada de “crise econômica ou

financeira”. Seus quatro sub-tipos seriam: (i) as crises cambiais, resultantes de ataques especulativos contra o valor

externo das moedas que force sua desvalorização ou que obrigue as A.M. a vender reservas e/ou elevar fortemente as taxas de juros para defender a paridade estabelecida; (ii) as crises bancárias, que ocorrem quando há corridas contra as instituições ou quebras que motivem os bancos a suspenderem a convertibilidade dos seus passivos ou quando a ameaça deste tipo de situação leva as A.M. a socorrer o sistema injetando recursos em grande escala; (iii) as crises

financeiras sistêmicas, que derivam do aprofundamento das crises bancárias, a partir do ponto em que o sistema

financeiro mostra-se incapaz de realizar suas funções de intermediação de recursos, afetando gravemente as atividades produtivas; (iv) e as crises de endividamento externo, que ocorrem quando um país torna-se incapaz de honrar seus débitos externos – soberanos ou privados.

22

“Crises de todos os tipos têm, freqüentemente, origens comuns: o surgimento de desequilíbrios econômicos insustentáveis e desalinhamentos nos preços dos ativos ou das taxas de câmbio, geralmente no contexto de distorções do sistema financeiro e inflexibilidades estruturais. Uma crise pode ser detonada por uma súbita perda de confiança na moeda e no sistema bancário, induzindo a uma repentina correção no preço dos ativos, ou pela ruptura dos fluxos de crédito e financiamento externo que expõe as economias afetadas a fragilidades financeiras. As crises podem envolver uma acentuada queda no preço dos ativos, e comprometimentos nas instituições financeiras e corporações não- financeiras. É claro que nem toda correção de desequilíbrios envolve uma crise. Sua ocorrência ou não dependerá da magnitude dos próprios desequilíbrios, da credibilidade das políticas de correção e do alcance de um ‘pouso suave’, e da solidez do sistema financeiro do país. Em conjunto esses fatores determinam a vulnerabilidade de um país às crises. As crises podem, então, ser consideradas como a conseqüência de distúrbios financeiros e econômicos

quando as economias sofrem de um alto grau de vulnerabilidade.” (IMF, 1998a.: 111-112, grifos do autor).

23

Ver IMF (1998b) para uma análise pormenorizada do impacto destes desequilíbrios, com referência especial à crise asiática.

24

Não está se sugerindo aqui que estes elementos não sejam relevantes na determinação da instabilidade nas economias capitalistas.

O FMI buscou suas evidências empíricas25 enfatizando as crises financeiras no

período posterior ao fim do Sistema Bretton Woods. Analisou 53 países26, para o período

1975-97, mapeando 158 episódios de crises cambiais – identificados pela construção de um índice de pressões nos mercados cambiais, que leva em conta as mudanças nas taxas de câmbio e as perdas de reserva e/ou aumento dos juros para amortizar os ataques especulativos – e 54 crises bancárias – identificadas por eventos ex-post como fechamento, estatização e/ou fusões forçadas de instituições, corridas bancárias ou elevados pacotes de auxílio de liquidez pelo governo. Alguns resultados merecem destaque: (i) o número de crises cambiais nos mercados emergentes foi duas vezes maior que nos países industrializados; (ii) haveria uma precedência, mais freqüente, das crises bancárias com relação às cambiais; (iii) os custos de reestruturação financeira e de perda

do produto27 seriam elevados, podendo atingir, respectivamente, de 30% a 40% do PIB

(nos casos mais graves) e, em média, 4,25% da produção; (iv) porém, esses custos

seriam muito mais elevados nos mercados emergentes28